Do Carnaval e da minha mãe, a lição de que o tempo constrói belas memórias
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Era Quarta-Feira de Cinzas quando Simone se sentou em frente ao teclado e escreveu que o tempo é danado mesmo, é pai e mãe junto, e que quanto mais ele passa, mais a gente aprende. Professora de Inglês, Simone Chaia prefere às palavras do que a fala. Encontra nas letras como expressar saudade da infância e da mãe e sobre reconhecer que é possível gostar de samba e rock ao mesmo tempo.
Se usando como exemplo, ela demorou 30 anos para aceitar que não gostava de praia. E quando o fez, ficou tão em paz com isso que percebeu que o mar lhe fazia falta e que ela até gosta de praia, mas não todo dia. O mesmo foi com o Carnaval. "Meus pais amavam Carnaval. Amavam, no passado, porque minha mãe já faleceu..."
Lúcia Maria Mônaco Chaia nasceu em Corumbá em 1947, morou em São Paulo e em Campo Grande até 2006. "Passados 10 anos de sua morte, que pegou a todos de surpresa, um ataque cardíaco na madrugada aos 59 anos de idade, ainda é difícil acreditar que aconteceu", explica a filha no início deste relato sobre a saudade.
Na Capital, Lúcia foi professora durante 10 anos, se casou com Edson Chaia, teve a primeira filha Alessandra e quatro anos depois, Simone. "Minha mãe era daquelas que passava semanas elaborando a fantasia de Carnaval e, se não tinha ainda bailinho para criança, a folia era aqui em casa, com direito aos sambas enredos tocados na vitrola, confete e serpentina", recorda a professora.
Depois, quando vieram os carnavais de clube, a família ficava até acabar. "Samba hoje me aperta a garganta. Lembro dela demais, e é um misto de alegria e saudade. Meus pais gostam de samba. Minha mãe gostava da Elis e do Frank Sinatra. E de ópera", conta. Sinal de que Lúcia gostava do que lhe fazia feliz, sem se importar com rótulos e gêneros.
Lembrar da infância, para a filha, é lembrar da mãe. Das brincadeiras, de fazer tarefa junto, dos bolinhos de chuva e do cuidado que ela dispensava quando as meninas ficavam doentes. "Minha mãe cuidava de tudo e de todos com carinho demais. Era dando atenção, alimentando, ajudando. Era a melhor cozinheira do mundo e tenho testemunhas disso e, e cozinhava ouvindo música", descreve.
Por vezes, o despertador das manhãs aos finais de semana eram as músicas de Lúcia: Sinatra, Elis e Plácido Domingo. A mãe gostava tanto da vida social lá fora como dentro de casa e tinha o lar como santuário, deixando os detalhes desde crochês aos perfumes nas roupas, impecáveis.
"Quando perdi minha mãe, me peguei fazendo exatamente tudo aquilo que ela ensinou. Lembro das coisas que ela falava, das broncas e dos conselhos, e acabo rindo em várias situações. Mãe repete tanto que parece que escuto ela falando comigo hoje", narra.
À época de folia fez as lembranças virem à tona porque Lúcia era apaixonada pela Portela e o Carnaval. "Essa semana me faz lembrar muito dela, tanto pelas músicas e fantasias, e nos últimos anos, por poder festejar o Carnaval na Esplanada Ferroviária. Meu avô morou no casarão da Esplanada, destinada ao engenheiro chefe da Estrada de Ferro e a casa hoje recebe o nome dele, Eng. Carlos Miguel Mônaco".
Ao lado do marido, Lúcia nunca foi roqueira, mas nem assim deixou de levar a filha aos shows que Simone quis assistir. "Eles levavam e lá ficavam e curtiam", conta. O presente de aprovação no vestibular, foi o show do RollingStones, no Maracanã, depois de um escândalo de Simone.
"Disse que 'eles eram velhos e iam tudo morrer' e essa era a última chance. Vinte e dois anos se passaram e você percebe que Keith é imortal... O tempo é mesmo relativo e tudo bem gostar de praia, ou não, de rock, samba e Sinatra. O tempo constrói essas memórias de forma linda, exata. O importante fica. E essa salada doida e deliciosa é que define você", aprendeu Simone.
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