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Comportamento

Há um ano, com apoio da mãe, João “renasceu” pra ser quem sempre foi de verdade

Na sua jornada de autodescoberta como transexual, ele conta com o apoio e amor incondicional da mãe, Rosana

Eduardo Fregatto | 26/07/2017 06:05
Rosana e João, carinho, afeto e admiração são recíprocos. (Fotos: Acervo Pessoal)
Rosana e João, carinho, afeto e admiração são recíprocos. (Fotos: Acervo Pessoal)

"Eu sou um cara desde que me entendo por gente", afirma João Fernando dos Santos Vilela, de 25 anos. Parece uma frase comum, dita por qualquer jovem ao falar da sua experiência como pessoa do sexo masculino. Mas, no caso de João, só o ato de dizer essa frase em voz alta, de maneira pública, é um passo importante e muito corajoso na sua vida.

Ele é um homem transexual, ou transgênero. Se assumiu assim, nesta semana, para a família, amigos e para o mundo. Foi uma atitude que levou tempo para ser tomada. Envolveu preparação, coragem e muito apoio e amor incondicional da mãe, a vendedora Rosana Ferreira dos Santos, de 49 anos.

Desde pequeno, João já gostava das coisas ditas "masculinas".
Desde pequeno, João já gostava das coisas ditas "masculinas".

Rosana nem sabia o que era transexualidade, mas diz estar aprendendo. Só pensa no bem de João. "Eu não acho um bicho de sete cabeças, porque ele ainda é a mesma pessoa, tem o mesmo carinho, afeto, respeito pelas outras pessoas", afirma a mãe, orgulhosa do filho que sempre teve, independentemente do gênero.

O irmão caçula, de 9 anos, foi o primeiro a chamar o irmão pelo nome masculino. Encarou com naturalidade, assim como os amigos do jovem, que demonstram nada mais que apoio e incentivo.

Apesar de ter "saído do armário" só agora, aos 25 anos, João destaca que o sentimento sempre esteve presente em sua vida, desde quando era só um guri brincando de futsal com os amigos do bairro.

Mas a autodescoberta veio em etapas. Primeiro, aos 18 anos, ele saiu do armário como lésbica. Recebeu apoio da família, apesar do choque inicial. Teve namoradas e se sentia melhor vivendo abertamente sua sexualidade. Na formatura do curso de Psicologia, causou estranheza de uns e admiração de muitos outros ao ir vestindo um smoking, ao invés do vestido e salto alto. Parecia completo mas, com o tempo, percebeu que ainda não tinha chegado onde queria.

O irmão menor de João foi o primeiro que passou a chama-lo pelo nome masculino.
O irmão menor de João foi o primeiro que passou a chama-lo pelo nome masculino.

Foi quando assistiu a um vídeo sobre a transexualidade, indicado pela namorada. "Eu vi a mudança que aconteceu com essas pessoas. Pensar que eu também poderia me mudar me deixou mais aliviado, menos angustiado", explica.

A angústia existia por se olhar no espelho, ainda como se fosse mulher, e não se reconhecer no reflexo. "Meu corpo físico não corresponde a quem sou e isso faz com que as pessoas não me 'vejam'. Faz com que, algumas vezes, eu não 'me veja'. Me traz angústia", descreve João.

Nos piores momentos que vivenciou, logo na entrada da puberdade, não aceitava bem o fato de ter seios. Para tentar disfarçar o formato do corpo feminino, passou a comer muito e a engordar cada vez mais. "Eu vi meus amigos criando barba e eu peito. O peito, pra mim, era o pior. Eu comecei a comer, a engordar, queria tornar meu corpo uma coisa só, indefinida. Tinha muita ansiedade".

Agora, com o novo nome e a identidade de gênero assumida, ele diz que o peso do mundo saiu dos seus ombros. Alguns parentes, especialmente os mais velhos, ainda têm dificuldades para entender. Mas a mãe está sempre pronta para defender e ajudar a explicar. "Ela tem sido fantástica. Ela diz: 'é o meu filho, é João e acabou'", relata. "Se a minha mãe, que me gerou por 9 meses e escolheu meu nome, me apoia, então eu tenho forças para lutar contra qualquer outra pessoa que não me aceite", afirma o filho, cheio de gratidão pela mãe que faz jus ao conceito de amor incondicional.

João recebeu apoio dos amigos nas redes sociais, após se assumir trans.
João recebeu apoio dos amigos nas redes sociais, após se assumir trans.

Trajetória - João lembra da infância, quando brincava de casinha e queria ser o pai da família. "Me diziam que eu não podia, porque eu era mulher. E eu pensava: 'mas eu não sou mulher'", questionava, quando ainda nem imaginava o que era gênero, mas sabia definir o que sentia dentro de si. Por volta dos 6 anos, com permissão da mãe, já trocava os vestidos e enfeites de cabelo por bonés do Homem-Aranha e chinelos do Seninha.

Conforme foi crescendo, as brincadeiras preferidas eram futsal, andar de bicicleta e praticar jiu-jitsu com os amigos de bairro. "Eu era um guri como qualquer outro", define. "Eu percebia algumas diferenças. Eu não podia tirar a camiseta pra brincar, por exemplo. Mas eu nem entendia essa questão de eu ter um tratamento diferenciado".

A infância foi tranquila, feliz. Viveu da forma como gostava e, graças a ajuda da sua mãe, jamais sofreu preconceito. Ao ouvir críticas, Rosana era taxativa. Dizia "minha filha quer usar essa roupa, ela vai usar. São só roupas".

Até que chegou a puberdade e, com ela, aquele momento de dúvidas, incertezas e inseguranças. Quase todo adolescente passa por isso, mas para uma pessoa trans, é tudo muito mais difícil e intenso. "Eu ainda tive sorte. Não tive depressão, automutilação. Tem muitos meninos trans que colocam faixas nos seios, se machucam. Nesse sentido, não tive problemas. Eu fiz terapia quando criança, com 7 anos, acho que pode ter me ajudado".

Mãe e filho sempre foram muito unidos.
Mãe e filho sempre foram muito unidos.

Além disso, João teve algo que poucas pessoas trans têm, que é o apoio incondicional da família. "Acho que a pior parte é quando não tem apoio da família, a pessoa fica perdida. Eu deixei muito claro que estava do lado dele para o que der e vier", enfatiza sua mãe. "A minha preocupação sempre foi a parte de caráter, de respeitar as outras pessoas. E você vê que o João é uma pessoa sensacional", diz, demonstrando a admiração que nutre pelo filho.

Depois que passou a entender sua identidade de gênero, João também passou a cuidar do corpo e da saúde. Parou de comer de maneira errada, começou a praticar atividades físicas e agora se prepara para entrar na terapia hormonal. Além disso, pretende passar por uma cirurgia de retirada dos seios. "Eu não nasci no 'corpo errado', nasci no meu corpo e posso mudá-lo. Sou um homem trans e isso acontece. Vou começar a expor ao mundo que o João existe, ele está aqui pra ficar", afirma.

A maioria das pessoas trans, ao se assumirem, são expulsas de casa, perdem amigos, trabalho e família. Mas, felizmente, ainda existem histórias como a de João e Rosana, que nos enchem de esperança de um mundo melhor.

É bom saber que na jornada de João, a sua mãe, Rosana, vai estar sempre ao seu lado. 

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