“São João de Maraca” agora transforma Amambaí para alegria de moradores antigos
Festa ganhou reconhecimento de moradores, que exibem a força que uma comunidade tem para fazer festa bonita
Esqueça as barracas em formato quadrado e a quadrilha com casamento do noivo e da noiva. Agora imagine uma programação musical com forró e música colombiana. Entre o colorido das bandeirinhas de festa junina, o brilho das crianças batendo bola bem pertinho da fogueira. Assim foi a festa “São João de Maraca”, que este ano ocorreu no Bairro Amambaí, em Campo Grande, onde a principal estrela da noite foi a comunidade.
A celebrações começaram ao entardecer, fechando uma quadra da Rua Nicolau Fragelli, onde está localizada a sede da companhia teatral Imaginário Maracangalha que há 11 anos realiza o festejo. A festa que nasceu no extinto bar Vai ou Racha já passou por outros bairros da cidade, mas agora quer transformar o mais antigo e tradicional deles: o Amambaí.
Além de ouvir música e ver as apresentações, foi uma ótima oportunidade para provar os quitutes, não só juninos, como: hambúrguer e sopa paraguaia de jaca, acarajé, cachorro-quente de linguiça e doces tradicionais.
O cenário estava comumente configurado como uma festa de São João, com bandeirolas por toda parte e convidados vestidos a caráter. Mas o destaque foi para o sorriso dos vizinhos, que ao longo do tempo ficaram isolados por causa da violência e, agora, enxergam na festa a oportunidade de sair de casa sem medo. “Essa rua era morta, sem vizinho pra fora. O que havia era somente usuário de droga, mas com a festa rolando aqui, a cena muda”, explica a moradora Rosa Elias, de 83 anos, que decidiu curtir a festa desde o primeiro minuto.
O clima familiar trouxe também crianças para a rua, que iniciaram a programação fazendo brinquedos e terminaram a noite batendo uma bolinha, bem perto da fogueira.
Nem vizinha beata, daquelas que detestam barulho do lado de casa, se incomodou com a festa. Pelo contrário, saiu de casa para comprar os quitutes e levar à igreja. “Essa senhora aqui é evangélica, ela diz que não gosta de festa junina, por isso, não participa. Mas ela apoia a alegria na rua e com as comidas para depois ir à igreja enquanto a gente faz a festa”, conta o organizador Fernando Cruz, diretor da companhia, ao apontar para uma das casas da rua.
A moradora Silvia Patrícia Araújo França também se encheu de alegria. “Eu moro nesse bairro desde que nasci e com o tempo a gente foi se isolando por medo. Quando as festas do Maracangalha como São João e o Carnaval começaram a passar por aqui, eu fiquei mais feliz”.
Luiza Vitória Lencina Rodrigues, de 19 anos, foi a festa para levar os desenhos de uma amiga, talentosa, segundo ela, que não pode comparecer ao evento. Já os pais, que há dois anos mudaram de vida vendendo sopa paraguaia, surpreenderam pelos novos sabores. Na música, teve forró, xote, música colombiana.
Aos poucos a rua “morta” foi ganhando ares de festejo e também protesto. Como todos os eventos da companhia, além de festa, a alegria vem carregada de mensagem como forma de ocupar o espaço público e incentivar a solidariedade.
“A ideia do São João de Maraca sempre foi criar uma relação com a comunidade e fazer uma festa de rua. Porque a gente acredita que as ruas são as veias que interligam as vidas e elas funcionam de maneira saudável através de encontros. E os encontros se mantém com o direito de celebrar a vida, a rua e a igualdade, principalmente através do incentivo a solidariedade”, explica Fernando.
Neste ano, a festa arrecadou roupas e alimentos para as retomadas indígenas. Também homenageou Oziel Gabriel Terena, morto em 2013 durante reintegração de posse na terra indígena Buriti, localizada entre Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia. “A ideia é pela necessidade e pela dificuldade que a gente presencia nas comunidades indígenas. Aqui é um ponto permanecente de coletas do Coletivo Terra Vermelha que faz a frente da defesa dos povos indígenas e em parceria com a companhia, vamos levar doações e teatros aos povos”, completa.
Emocionando com o reconhecimento de moradores da região, Fernando explica que esse é o primeiro passo para transformar uma comunidade. “As ruas não são só para carros ou produzir lucro, mas também para o encontro entre as pessoas. Mais do que nunca precisamos promover esse intercâmbio. Se toda cidade pensar que uma rua é sua comunidade, as pessoas vão emprestar uma xícara de café, vão dar bom dia, vão se preocupar com o vizinho e, com certeza, tornar sua rua mais segura”, finaliza.
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