À espera de projetos e dinheiro, futuro do Taquari volta a ser debatido
Assembleia retomou discussões sobre o que fazer em rio que se transformou; pesquisadores citam estudos e população cobra soluções
Em junho deste ano, durante ato em Alto Araguaia (MT), o presidente Jair Bolsonaro anunciou o início de ações que visam a preservar e recuperar o Rio Taquari, no seu trecho assoreado em Mato Grosso do Sul. A expectativa girava em torno de cifras generosas: seriam R$ 6 bilhões, em médio e longo prazos, sendo R$ 100 milhões imediatos –provenientes de multas ambientais– para finalmente, tirar do papel ações anunciadas há décadas. Desde então, porém, faltam notícias sobre o andamento de ações, e a apreensão quanto a realização de medidas no rio voltou a pairar.
A questão que ainda causa polêmica, porém, abrange uma corrente que defende mais estudos para se definir, exatamente, o que fazer em relação ao assoreamento do rio. Isso porque, se de um lado o rio desapareceu em alguns trechos sufocado pela areia arrastada do planalto e a seca, por outro há especialistas apontando ser este um processo natural do rio e que, como consequência, fez surgir novas regiões no Pantanal –caso do Payaguás do Xarayés, trecho no qual o Taquari, por meio de arrombados como o do Caronal, invadiu propriedades e criou novas paisagens que muitos defendem o aproveitamento econômico.
O tema foi recentemente discutido na Assembleia Legislativa, em reunião da Frente Parlamentar dos Recursos Hídricos. “Qual a discussão que tivemos? Primeiro, sobre o caminho correto para resolver a situação, se é voltar o rio no leito que etava ou dar um destino a esses alagamentos”, afirmou o presidente do colegiado, Renato Câmara (MDB), segundo quem analise-se se o governo estadual deve utilizar parte dos recursos advindos da União para resolver esse dilema. “O governo não tem essa solução ainda e, para ter o recurso, tem de a solução, o caminho, o projeto”.
Em paralelo, Câmara afirma que universidades e entidades como a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) serão acionadas para opinar quanto “ao destino viável tecnicamente para estes alagamentos”. O deputado lembra que, desde as décadas de 1970 e 1980, com o avanço da produção agropecuária, o Taquari viu o assoreamento aumentar até que se arrombou. Como resultado, 1,4 milhão de hectares no Pantanal foram invadidos.
“Um produtor que tinha 10 mil hectares de pasto passou a ter 10 mil hectares de lago. É um problema econômico e também social, porque as pessoas tiveram de evacuar a área. E, agora, chegou ao ponto de que ela simplesmente parou de correr em alguns lugares e, no final do rio, secou”, destacou o deputado.
O que foi, o que será – Pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Pantanal e um dos pesquisadores com mais trabalhos sobre o assoreamento do Taquari, Carlos Padovani reitera que as causas das mudanças do rio já foram exaustivamente analisadas, não se tratando de algo tão simples de ser resolvido. Distante de reconhecer a região como um “novo bioma”, preferindo a hipótese de que regiões como o Payaguás do Xarayés são uma nova região resultante da migração do leito do rio, ele avalia ser um momento para tomada de decisões.
“Os órgãos de pesquisa não devem dar opinião sobre o que fazer, mas sim retratar o que acontece. A decisão cabe à sociedade. Podemos, sim, dar nosso voto, assim como as pessoas que moram ali: se for feito um levantamento sobre o que fazer com o Taquari seco, ouvindo cada dono de propriedade, de grandes fazendas ou casebres, talvez se chegue a uma resposta surpreendente”, afirmou.
Padovani reitera, por exemplo, que o Taquari passou por transformações ao longo da história, não sendo possível afirmar se as vegetações que se alteraram se manterão ou, no futuro, quando o rio novamente alterar seu rumo, desaparecerão. “O rio vira um labirinto de rios e canais que depois vão se juntando, definindo canais maiores e pode surgir um novo leito de rio. Como também pode arrombar mais para cima e inundar a Nhecolândia”, destacou, sem ignorar os “fatores externos” decorrentes da presença humana –que fechou algumas das “bocas” do rio e também interveio por meio da exploração econômica na região do Planalto.
“Estão sofrendo no momento, então, vamos mexer em um rio naturalmente instável? Não é uma decisão da pesquisa, mas sim da sociedade. Qualquer coisa que se fizer, vai depender de recursos públicos”, considerou Padovani, lembrando que muitas famílias acabaram deixando a região em direção às cidades, configurando um problema de ordem social –os ribeirinhos e produtores, opinou ele, cunharam o termo “desastre” diante do problema que as mudanças no rio ocasionaram em suas vidas.
Mundo de areia – Fábio Veríssimo Gonçalves, vice-coordenador da Pós-graduação em Tecnologias Ambientais da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e professor do curso de Engenharia Ambiental da instituição, é objetivo ao questionar uma das soluções iniciais cogitadas para o rio: a dragagem. Mais do que questões logísticas envolvendo com chegar aos locais mais distantes, ele questionar o que fazer com a areia a ser retirada do Taquari.
“Em Fortaleza foi providenciada a dragagem do porto, em um trecho que equivaleria a dez quilômetros do rio, ao custo de R$ 122 milhões. Estamos falando de 400 quilômetros de rio”, ilustrou. “Vai ser como tirar água do oceano com uma canequinha”, prosseguiu, reiterando não ser possível propor soluções mirabolantes sem realizar um mapeamento mais profundo na região do planalto, onde, segundo Gonçalves, os estudos não indicaram a origem exata dos sedimentos.
“Seria tentar, via geoprocessamento, descobrir os pontos vulneráveis de erosão e atacar, investir na proteção e diminuição do sedimento nesses pontos. Conseguindo isso, pode-se tratar dos locais específicos de dragagem, em grandes porções do Taquari”, opinou. Por outro lado, ele reitera que a análise não pode ignorar os ecossistemas alterados no Pantanal com os alagamentos. “Será que não seria possível descobrir o que é esse ‘novo bioma’ criado nessa área alagada e verificar se te alguma função monetária?”.
“É tanta coisa para se pensar que só propor bater em uma mesma tecla, ‘vamos dragar’, é falar de um trabalho que se estenderia não sei por quantos anos”, prosseguiu o professor. A dragagem, segundo ele, envolveria a remoção de um quantitativo de areia que, hoje, chega a 10 mil toneladas ao dia –o equivalente a mais de 660 viagens diárias de caminhão. “Onde eu colocaria essa quantidade? Teria de construir uma nova BR-163 só para transportar isso”, afirmou.
Ainda segundo Gonçalves, a remoção da areia e dragagem pode “matar” os novos ambientes que, hoje, abrigam peixes que desapareceram do Taquari por não encontrar mais as condições de reprodução –impactando outras espécies animais e vegetais. “Vale a pena fechar o Caronal e acabar com um ecossistema que se modificou exclusivamente para isso? Temos de entender isso, não simplesmente falar em dragar”, disse, novamente voltando a atenção ao planalto e à necessidade de também dar atenção aos produtores daquela região, sob pena de piorar o problema do ponto de vista ecológico e econômico.
Aproveitamento – Integrante do Instituto Agwa, que analisa os impactos do espraiamento do Taquari –com ênfase no Payaguás do Xarayés–, o advogado Nelson Araújo Filho defende a abertura econômica da região, hoje alvo de restrições por acionamento do MPF (Ministério Público Federal), de olho em um turismo mais qualificado.
“Queremos um turista de alto nível, interessado em observar e conhecer a natureza e disposto a investir nesse tipo de lazer. Precisamos incentivar o desenvolvimento econômico como forma de se investir também na preservação. Hoje, falar em turismo é pensar em pessoas que sobem rios do Pantanal em busca de peixes outras atividades que exploram sem limites e de forma irregular”, argumenta.
Desde meados da década de 1980 na região, o produtor rural Orlei Saravi Trindade pede ações concretas na região do Taquari que, hoje, tem duas paisagens destoantes. “De um lado virou o Saara, deserto, e outro um Pantanal que não produz nada. Deveriam colocar dragas pontuais, limpar um pouco o leito e acelerar a água. Hoje, onde antes se lavava a roupa, agora se seca. Que preservação é essa que mata os bichos todos, afogados de um lado e na seca de outro? Que patrimônio da humanidade é esse?”, disparou.
Ele critica a possibilidade de novos debates, afirmando que “há 40 anos estamos falando da mesma coisa e não se faz nada”. “Economicamente, aquela região acabou”, complementou.
“O que aconteceu, todo mundo já sabe. O problema é o que vai ser feito. Não podemos simplesmente virar as costas para o problema. Vai retomar, dragar o rio? Tampar os locais onde houve o arrombamento? É esta a solução? E, se pode ser feita, vai custar quanto? Ou será interessante aceitar a inundação e transformar ali em área de preservação ambiental, podendo ressarcir ou indenizar produtores? Isso poderia ser mais viável. São as alternativas que estamos começando a discutir”, complementou Renato Câmara, que agenda para daqui a cerca de 30 dias um novo debate sobre o tema na Assembleia.