Dossiê chama atenção para agrotóxicos em município onde soja rendeu 2 bilhões
Dados mostram a fortuna que brota do chão, mas alertam sobre perigo para as águas
O “Dossiê Águas do Cerrado”, um levantamento nacional, traz dados que sintetizam o melhor e o pior do agronegócio em Sidrolândia, a 71 km de Campo Grande. Perfil elaborado com números de 2021 mostra a fartura que brota do chão: a soja ocupava 46% da área do município e a produção em reais foi de R$ 2,2 bilhões.
Mas testes lembram o perigo que corre pelas águas. No Assentamento Eldorado II, criado em 2005 e com 700 famílias, a pesquisa encontrou três tipos de agrotóxicos: 2,4D, atrazina e glisofato.
O dossiê foi realizado pela CPT (Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e da Comissão Pastoral da Terra) em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Encontrados entre novembro de 2022 e fevereiro de 2023 (período compatível com a safra de soja), os três herbicidas estão dentro do permitido na legislação brasileira. Contudo, o levantamento também traz comparativo com a legislação na União Europeia.
No caso do 2,4D o total encontrado no assentamento de Sidrolândia é 32 vezes maior do que o permitido. Já a atrazina não é autorizada na União Europeia por ser altamente tóxica, notadamente no que diz respeito à desregulação endócrina. A safra da soja vai de setembro (liberação do plantio) a março (colheita).
Em 2021, o glifosato foi o mais vendido do Brasil. A segunda posição ficou com o 2,4-D. Já a atrazina ficou em quinto lugar no ranking nacional de venda de agrotóxicos.
“Destaca-se que, independentemente das concentrações detectadas, os agrotóxicos podem causar danos à saúde das pessoas e ao ambiente. O discurso de que existem doses seguras de exposição não se aplica, por exemplo, a agrotóxicos que podem causar cânceres e/ou desregulações endócrinas, efeitos associados a IAs [ingredientes ativos] como glifosato, 2,4-D e atrazina”, aponta o levantamento.
Objeto do estudo nacional, o assentamento de Sidrolândia tem nascentes e afluentes da Bacia Hidrográfica do Rio Anhanduí, que se conecta com a Bacia do Rio Pardo, por sua vez, tributária do Rio Paraná.
“Nas águas que atravessam o assentamento, as famílias pescam, nadam e desenvolvem agricultura. Mandioca, jiló, abacate, laranja, mexerica, abóbora e outras culturas alimentares são ali produzidas, destinadas especialmente ao consumo próprio e à segurança alimentar e nutricional das famílias”, descreve o relatório. No entorno, predominam lavouras de soja e milho.
Os agrotóxicos destroem o pasto, impedindo o desenvolvimento das gramíneas e a alimentação dos animais. Nas roças e plantações, as famílias veem os alimentos serem contaminados por meio dos agrotóxicos trazidos pelo ar, seja por pulverizações aéreas ou pelo vento. Ardência nos olhos e no rosto, inchaços e dores de cabeça estão entre os problemas de saúde relatados pelas famílias devido à presença dos agrotóxicos em suas vidas”, detalha o dossiê.
O documento defende a aprovação do Projeto de Lei 6.670/2016 para a criação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, que tem como objetivo implementar ações voltadas para a redução gradual do uso de agrotóxicos, proteção da saúde e fortalecimento das iniciativas de produção agroecológica.
Em outra frente, pede que não seja aprovado o Projeto de Lei 6.299/2002, também conhecido como “PL do Veneno”, que busca flexibilizar ainda mais o uso de agrotóxicos no País.
Outra medida apresentada é banir os agrotóxicos vetados em outros países, principalmente aqueles proibidos nos países de origem das empresas produtoras.
Além de proibir a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território nacional, tendo como parâmetro lei do Ceará, aprovada em 2019.
Também é cobrado regulamentação da pulverização terrestre de agrotóxicos, de modo que haja a determinação de distâncias mínimas razoáveis de APP (Área de Preservação Permanente), de atividades como apicultura e de núcleos comunitários. E o fim das isenções fiscais para agrotóxicos.
Estados – O levantamento “Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado” coletou dados em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia.
Do total de defensivos utilizado no país, mais de 63% são destinados à soja, seguida do milho (13%) e da cana-de-açúcar (5%). Em termos de volume, o montante é superior a 600 milhões de litros de agrotóxicos por ano em todo o Cerrado.