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Meio Ambiente

Plano Diretor esquece mudança climática na Capital

Não há no programa que planeja a cidade nada sobre o assunto, ao contrário de outras cidades pelo Brasil

Por Lucia Morel | 22/11/2023 11:47
Imagem aérea do campus da UFMS em Campo Grande, extremamente arborizada. (Foto: UFMS)
Imagem aérea do campus da UFMS em Campo Grande, extremamente arborizada. (Foto: UFMS)

Depender exclusivamente do ar-condicionado ou de ventiladores para refrigerar os ambientes não basta. Ações efetivas para minimizar os efeitos do calor extremo precisam ser implementadas pelas cidades e Campo Grande não tem essa previsão nem no Plano Diretor. Por isso, ainda dá passos tímidos nessa direção.

As ondas de calor recentes devem tornar-se mais frequentes e é preciso estar preparado para elas.  Estudo "Cities and climate change: challenges to brazilian municipal master plans", lançado em 2019, avaliou planos de capitais que haviam feito a revisão depois de 2015: Belo Horizonte (2019), Campo Grande (20018), Vitória (2018), Palmas (2018), Salvador (2016) e Rio Branco (2016).

As capitais de Minas Gerais e Tocantins são consideradas as mais avançadas quando o assunto é mudança climática. Ao contrário delas, o Plano Diretor de Campo Grande não considera, de modo explícito, as mudanças climáticas como objetivo ou mesmo "como princípios fundamentais de desenvolvimento urbano territorial da cidade", avaliam os pesquisadores, porque o plano local cita apenas "que o Poder Executivo Municipal deverá elaborar a Política Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbana que considere as 'inter-relações entre a mobilidade urbana e acessibilidade e o meio ambiente, sob a ótica das mudanças climáticas'", sem definir até hoje como.

Em Belo Horizonte, por exemplo, uma das ações definidas é “soluções construtivas que reduzem o consumo de água e de energia e contribuam para o controle das mudanças climáticas”. Mas Palmas foi a primeira capital brasileira a aprovar uma legislação voltada para as mudanças climáticas, em 2003. De lá para cá, conforme a avaliação, tem avançado consideravelmente com adoção de políticas que englobam do transporte ao desenvolvimento econômico.

Rua na cidade de Mendonza, na Argentina, exemplo de arborização urbana. (Foto: Google Maps)
Rua na cidade de Mendonza, na Argentina, exemplo de arborização urbana. (Foto: Google Maps)

Não foi raro nesses últimos meses os “apagões” ou picos de energia durante o calor extremo decorrentes do alto consumo dos equipamentos elétricos para minimizar o calorão. A própria Energisa revelou recordes de consumo consecutivos: em 16 de novembro, em todo Mato Grosso do Sul, a demanda alcançou 1.419 megawatts. Esse total seria suficiente para abastecer uma cidade do tamanho de Dourados.

Antes disso, em 21 de setembro,  foi registrado o pico de consumo de energia elétrica no Estado, alcançando a potência de 1.248 MW (Megawatts). Essa marca superou o recorde anterior, estabelecido em 29 de março deste ano, quando o consumo atingiu 1.214 MW.

A própria concessionária Energisa em 28 de outubro apresentou plano de contingência para evitar possíveis desabastecimentos nos municípios, devido às ondas de calor ou tempestades, e atribuiu as panes frequentes no sistema de energia ao uso excessivo do ar-condicionado e à falta de atualização sobre o número exato de aparelhos nas residências.

Até mesmo o consumo de água aumentou, com a Águas Guariroba registrando o maior índice de captação de água desde que começou a operar em Campo Grande, no ano 2000: 306 milhões de litros durante o mês de outubro.

Tudo isso, aliado às altas temperaturas, mostra que outras ações precisam ser adotadas para que o calor extremo - que é inevitável diante das mudanças climáticas - não aumente problemas de saúde ou encerre atividades comuns do dia a dia.

Para o professor Gutemberg dos Santos Weingartner, doutor em Arquitetura e Urbanismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), duas frentes precisam ser priorizadas para que a cidade, suas ruas, prédios e casas se adéquem para reduzir os efeitos das ondas de calor: sombreamento e ventilação.

Quebra-sóis nos prédios, arborização no entorno e aumento da área permeável são atitudes necessárias para que os efeitos do calorão não sejam tão devastadores. “Os efeitos das mudanças climáticas são mais aguçadas e críticas se o ambiente é menos preparado. O aquecimento global tem efeitos a longo prazo, então, é preciso começar desde já as mudanças porque o resultado demora a aparecer e se não se fizer nada, pode piorar e vai piorar”, alerta.

Diferença entre antiga e nova fachada da Fiems.(Foto 1: Fiems / Foto2: Paulo Francis)
Diferença entre antiga e nova fachada da Fiems.(Foto 1: Fiems / Foto2: Paulo Francis)

Resultado de estudo do professor para mestrado em 1992 identificou diferença de 8 graus entre uma área arborizada e outra apenas com calçamento e sem árvores. Na época, a pesquisa foi feita no Rio Grande do Sul e a maior temperatura foi de 42ºC. “O asfalto, o concreto, o cimento, o tijolo, o metal, a madeira recebem a radiação do sol e converte em calor, mas quando há vegetação, as plantas usam essa radiação como alimento para fazer a fotossíntese. Uma árvore absorve 95% da radiação solar e apenas 5% vira calor”.

Em relação à ventilação, o professor citou tecnologia usada em construções no Egito, onde túneis subterrâneos são abertos e com acesso aos prédios, permitem que o ar que passa debaixo da terra, cuja temperatura geralmente é mais baixa que na superfície, refrigere e refresque naturalmente os espaços.

Segundo o professor, há saídas arquitetônicas para aumentar a ventilação, entretanto, não existe prioridade para isso nas construções sejam elas públicas ou privadas. “Hoje é difícil fazer isso de trocar o ar quente pelo mais frio, porque teria que adaptar as construções”, avalia.

Assim, alterações teriam que ser pensadas daqui pra frente. “Mais parques lineares, proteção dos mananciais, ampliar a massa vegetal das cidades são necessárias porque ajudam a refrigerar o ambiente. Nossas ruas e praças são pouco arborizadas, os lotes são feitos sem um planejamento de arborização”, lamenta.

O doutor em Arquitetura cita alguns exemplos de como o sombreamento e a ventilação precisam ser pensados. A UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) foi construída em área extensa, mas é extremamente arborizada, o que reduz a sensação de calor extremo. Outro local citado é a cidade de Mendonza, na Argentina, onde a arborização urbana é grande permitindo tanto o sombreamento quanto a ventilação dos espaços.

Em Campo Grande, outros bons exemplos de ações que mitigam o calorão são o Parque dos Poderes e o prédio do Ministério da Fazenda, na Rua 7 de Setembro em frente ao Sindicato dos Professores. A construção tem os chamados guarda-sóis que aumentam a área de sombra e reduzem os efeitos da radiação solar.

Vale lembrar que a antiga fachada da Fiems (Federação das Indústrias de MS), na Avenida Afonso Pena, contava com esse aparato. Mas foi reformada e hoje, toda a frente é espelhada.

Quebra-sol para sombreamento em prédio do Ministério da Fazenda em Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)
Quebra-sol para sombreamento em prédio do Ministério da Fazenda em Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)

Prefeitura - Segundo a Prefeitura de Campo Grande, recentemente, em 6 de outubro, após as primeiras ondas de calor, foi criado o Comec (Comitê Municipal de Enfrentamento às Mudanças Climáticas), que tem a finalidade de “promover, estimular e planejar ações voltadas à mitigação das ocorrências de eventos climáticos, bem como o intercâmbio de informações relacionadas às mudanças climáticas no município”.

Uma das metas da comissão é a elaboração de estudos visando à implementação de planos, programas, projetos e ações relacionados ao planejamento ambiental voltados ao
enfrentamento às mudanças climáticas.

O próprio Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental prevê algumas ações e instituiu o chamado Índice de Relevância Ambiental ou IA, que é um parâmetro
urbanístico ambiental de uso e ocupação do solo. A ideia é que ele sirva de parâmetro para a qualificação da vida urbana por meio do incentivo à implantação de dispositivos de controle de drenagem combinado ao plantio e à manutenção de cobertura vegetal.

Apesar de já ser previsto desde 2018, quando o novo Plano Diretor começou a valer, só foi colocado em prática em outubro do ano passado, quando foi regulamentado por lei. O índice pode ser aplicado em todas as obras urbanas e precisa ser respeitado dentro dos modelos de cada área e obra.

Se colocado em prática como previsto, o índice vai ajudar a qualificar o uso do solo urbano; melhorar as condições de drenagem de águas pluviais, da poluição residual e do microclima; promover o controle da drenagem na fonte; implantar dispositivos de controle de drenagem; e, incentivar e manter a arborização.

O Executivo Municipal entende que é indispensável o fortalecimento das iniciativas municipais intersetoriais para o acompanhamento e o enfrentamento às mudanças climáticas. A preocupação com a questão climática já se encontra expressa em diferentes instrumentos legais. Entendemos que os eventos climáticos impactam de muitas maneiras os cidadãos. Campo Grande demonstra, com a instituição do Comec, a responsabilidade climática do Poder Executivo, principalmente para o fortalecimento da agenda climática”, cita nota do município.

Outra iniciativa municipal que se alinha ao ato de minimizar os efeitos da mudança climática é a filiação de Campo Grande ao ICLEI (International Council for Local Environmental Initiatives) ou Governos Locais pela Sustentabilidade no último dia 10 de novembro. A Capital assim passou a integrar a Rede Global de Governos Comprometidos com o Desenvolvimento Urbano Sustentável.

O ICLEI é uma rede global de mais de 2.500 governos locais e regionais comprometida com o desenvolvimento urbano sustentável. Ativos em mais de 130 países, influenciam as políticas de sustentabilidade e impulsionam a ação local para o desenvolvimento de baixo carbono, baseado na natureza, equitativo, resiliente e circular.

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

O município citou ainda a capacitação e a presença de servidores municipais em cursos sobre mudanças climáticas, como o “Urgência Climática – Implementando soluções em territórios urbanos vulneráveis”, oferecido pelo Lincoln Institute of Land Policy, com apoio do WRI Brasil e a V Conferência Brasileira de Mudança do Clima, realizada entre os dias 4 e 6 de outubro na cidade de Natal (RN).

Estado - Ao Campo Grande News, o secretário estadual de Saúde, Marcelo Simões, falou no último sábado, 18 de novembro, que não existe um planejamento macro no sentido de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas citou medidas que podem ser adotadas por cada cidadão, como a hidratação com água e outros líquidos, bem como o uso de roupas leves e respeito aos horários menos quentes para a prática de exercícios. (Colaborou Caroline Maldonado)

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