A complementaridade energética é nossa!
A complementaridade energética é uma ideia simples – um recurso energético complementando outro para atender a demandas energéticas de consumidores – e que contribui com as melhores noções de desenvolvimento sustentável. Em meados dos anos 90, ouvi várias pessoas comentando que a complementaridade entre usinas hidrelétricas e energia fotovoltaica poderia impulsionar a exploração de energia solar. Na época, os painéis fotovoltaicos ainda eram praticamente inviáveis, custando quase o mesmo que as usinas nucleares.
Aquele argumento (em estado bruto ainda) era mais ou menos o seguinte: no interior do Estado, em vários lugares, os locais com potencial hidrelétrico disponibilizam mais energia nos meses mais chuvosos. No resto do ano, nos meses menos chuvosos, quando a cobertura de nuvens é menor, ocorreria maior insolação. E um sistema energético que operasse baseado principalmente em um recurso em uma parte do ano e principalmente em outro na outra parte operaria de modo mais eficiente.
Quando eu iniciei meu doutorado, meu orientador sugeriu atacar esse problema. Era necessário encontrar (ou conceber, ou inventar) um meio para quantificar a complementaridade. Tendo dois ou três lugares para decidir onde investir, seria ótimo saber, por exemplo, onde a complementaridade seria mais intensa.
Com uma ferramenta como essa em mãos, com essa fórmula para quantificação de complementaridade, o passo seguinte seria então mapear uma área, indicando locais com menores e com maiores complementaridades entre os recursos energéticos que estivessem sendo analisados. Também seria útil saber relacionar diferentes gradações de complementaridade com a eficiência final de sistemas energéticos que estivessem aproveitando essas diferentes complementaridades. É fácil entender que um local com recursos complementares será melhor, mas era necessário provar isso.
É importante relatar, neste ponto, que não havia nada sobre o assunto ainda. Alguns artigos ensaiavam notificações de locais com evidente complementaridade, principalmente entre energia eólica e energia solar, que na época (início do século XXI) ainda se mostravam dificilmente viáveis.
O cerne da minha proposta de doutoramento foi dividir a avaliação de complementaridade em três componentes. Uma delas referente à complementaridade ao longo do tempo. As outras duas referem-se à complementaridade energética e à complementaridade decorrente das variabilidades dos recursos analisados.
A tese foi defendida em 2001, e um artigo descrevendo essa proposta foi publicado pelo periódico Renewable Energy em 2008. A partir daí, outros pesquisadores passaram também a propor métodos para quantificação de complementaridade. A verdade é que o método aplicado não chega a ser importante, mas sim a abordagem da complementaridade. Ela deixou de ser notificada com esquemas gráficos qualitativos e passou a ser quantificável.
Mapas de complementaridade então foram elaborados aqui para o nosso estado – Rio Grande do Sul – e foi, então, possível ter uma ideia dos locais onde valeria aquele argumento inicial de se aproveitar em conjunto usinas hidrelétricas e painéis fotovoltaicos. Ao mesmo tempo, mapas de complementaridade foram surgindo para outras regiões ao redor do mundo.
Minha tese também propôs um método para avaliação de eficiência de sistemas energéticos baseados em recursos energéticos com diferentes gradações de complementaridade. Esse método acabou sendo publicado em artigo na Renewable Energy em 2012. A partir dali, artigos subsequentes de diferentes grupos de pesquisa ao redor do mundo passaram a explorar o relacionamento de questões como variabilidade e confiabilidade para o fornecimento de suprimentos de energia com a complementaridade disponível a ser aproveitada.
Um artigo de revisão, escrito em parceria com pesquisadores da Alemanha, da Polônia, da Colômbia e de Marrocos, descreve mais de uma década de desenvolvimento desse conceito e de contribuições para um melhor entendimento da sustentabilidade a longo prazo das sociedades modernas. O artigo A review on complementarity of variable renewable energy sources foi publicado pela Solar Energy em janeiro de 2020 e é o mais baixado do periódico.
Então chegamos ao momento atual. A Academic Press lançou um livro sobre complementaridade energética no dia 31 de maio passado do qual sou um dos editores convidados. Intitulado Complementarity of variable renewable energy sources, o livro foi editado em parceria com o dr. Jakub Jurasz e apresenta um retrato atual do que já foi feito sobre o assunto e abre caminho para os novos rumos em pesquisas futuras. Essa obra também traz um capítulo com sugestões de atividades de ensino envolvendo os conceitos de complementaridade energética e sustentabilidade.
(*) Alexandre Beluco é doutor em Engenharia, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS e coordenador do Grupo de Estudos em Energias Renováveis e Sustentabilidade.
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