A ineficácia do punitivismo na Educação Infantil
Com a transformação histórica das escolas de educação básica, e mais especificamente as de Educação Infantil – que passa pelos métodos de ensino e aprendizagem, pelas relações entre escola e comunidade e pela elaboração de leis que regem a organização das instituições de ensino –, é de se questionar a perpetuação de práticas tão arcaicas como as punições e as gratificações como métodos disciplinares.
Dessas duas práticas, destaco o uso das punições, as quais testemunhei e vivenciei quando criança, na condição de aluna na Educação Infantil, e na condição de professora, ao longo de nove meses de estágio não obrigatório durante o curso de Pedagogia, em uma turma de crianças de 3 a 4 anos de uma escola pública de Educação Infantil de Porto Alegre. Inclusive porque, apesar da recorrência, do constrangimento, do medo e da violência contra as crianças, tais punições não surtiam o efeito desejado pelas professoras, que delas não abriam mão – fosse a partir de atitudes concretas, como proibir as crianças de se sentarem à mesa junto aos colegas preferidos para desenhar ou comer, fosse a partir de ameaças: “Se fizer isso, não vai para o pátio brincar junto dos colegas” ou “Vou contar para os teus pais sobre isso que tu estás fazendo”.
Os gritos esbravejando frases de efeito como essas chegavam acompanhados de constrangimentos, intimidações e penas, limitadores da voz e da participação ativa das crianças. Recursos disciplinares autoritários que, felizmente, se revelavam impotentes diante do assustado e sofrido protagonismo das crianças no exercício atrapalhado de resistência diante de tamanha verticalidade na relação com as professoras, com prejuízos visíveis ao seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Qualquer demonstração de autonomia e criticidade por parte das crianças era recebida com desaprovação pelas professoras.
Apesar do medo visível nas crianças, as punições não evitavam que as atitudes punidas se repetissem, o que evidenciava que as punições, além de inadequadas, eram ineficazes.
Além de resultar no fracasso da relação entre professoras e crianças, as punições estimulavam nas crianças a criação de estratégias para evitá-las, repetindo, longe dos olhos das professoras, as atitudes que eram consideradas passíveis de punição. Isso porque punir arbitrariamente uma criança não provoca nela a compreensão dos motivos que a levaram a ser punida. Provocam, por vezes, obediência cega, medo, submissão, conformidade, insegurança e a necessidade constante da presença e orientação de um adulto para realizar atividades que já está apta a fazer sozinha.
De fato, tais artifícios fazem parte de uma tradição muito antiga nos ambientes disciplinares (tais como a prisão e o exército) e que, na escola, é justificada por discursos que se mostram ultrapassados na medida em que as punições se mostram ineficazes. “Vai pensar duas vezes antes de repetir essa mesma atitude!” e “As outras crianças precisam ver o que pode acontecer com elas se fizerem igual!” são exemplos de frases que são ditas para defender o uso das punições contra as crianças e que ouvi inúmeras vezes.
A existência de castigos escolares, ainda presentes nos dias de hoje, confirma a necessidade de debates mais amplos sobre o uso do punitivismo na Educação Infantil e sobre as alternativas que já temos à disposição para uma educação prazerosa e eficiente, que faça sentido às crianças, em que a professora faz o uso apropriado da sua autoridade.
A presença de uma autoridade não significa que esta mande e o subordinado deva obedecer cegamente. Ou pelo menos não é assim que tem que ser. No contexto da Educação Infantil, mais do que acatar o que a professora diz, a criança – um sujeito histórico e de direitos, uma das protagonistas da relação pedagógica – precisa entender as razões pelas quais a professora o fez, pois dessa forma o uso da autoridade pela professora fará sentido a ela. Isso traz consequências benéficas ao seu desenvolvimento, a sua aprendizagem, autonomia e liberdade, bem como ao fortalecimento do vínculo de confiança e segurança entre ela e esse adulto que lhe é referência de sentido e educação, complementando a formação recebida de seus familiares.
Essas punições – que geram o medo e são o oposto do respeito, e não seu aliado – são ferramentas utilizadas como um meio de reforçar a verticalidade nas relações de poder existentes em todas as camadas e instituições da sociedade. Não seria diferente nas escolas de Educação Infantil, onde a criança está começando a se experimentar e a se conhecer em diversos aspectos da vida, tanto o construir uma autoimagem positiva quanto o aprender a se descentralizar, a compreender o outro, a abrir mão das coisas, enfim, a ser autônoma e a cooperar.
(*) Marina Meira é aluna do 9.º semestre de Licenciatura em Pedagogia da UFRGS.