ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SÁBADO  23    CAMPO GRANDE 32º

Artigos

Caminhos e possibilidades para a educação antirracista

Por Luciana Dornelles Ramos (*) | 09/01/2024 08:30

Como oferecer para minhas alunas e meus alunos uma educação antirracista à qual não tive acesso? Essa foi a primeira pergunta que fiz em 2015, quando entendi que precisava realizar um movimento na escola para dialogar com os alunos sobre temáticas urgentes que não estavam sendo abordadas em sala de aula.

Naquele ano, a Lei 10.639/03, que obriga a inserção no currículo das temáticas sobre a história e cultura africana e afro-brasileira, estava completando doze anos. Assumi como professora no Magistério Público Estadual naquela época e acreditei que, em doze anos da lei, a realidade da escola para os alunos negros teria mudado, mas não foi o que encontrei.

Percebi que aqueles alunos ainda viviam as violências raciais que vivi como aluna negra, desde um racismo recreativo, diário, composto das mais diversas violências, como um racismo institucional, pois mesmo com a lei, não havia nos currículos escolares a inserção e valorização das temáticas dos povos negros como deveria.

Posso dizer, então, que minha pesquisa nasceu de minha prática na escola, pois junto a um grupo de alunas, em 2016, muito antes de sonharmos com o mestrado, começamos a estudar e encontrar caminhos para uma prática efetiva de uma educação antirracista através do Projeto Empoderadas IG.

A iniciativa, um grupo de estudos com o objetivo de empoderar jovens de escolas públicas através da educação antirracista para torná-los representatividade para outros jovens cresceu. Realizávamos visitas em outras escolas públicas de periferias de Porto Alegre para compartilhar com outros jovens o que juntas e juntos estávamos aprendendo.

Na escola, os professores falavam sobre a mudança de postura das meninas em sala de aula, percebíamos que havia um movimento acontecendo, entre os jovens, de combate não somente ao racismo na escola, mas a outras situações de opressão. Era um movimento que atingia não somente as jovens do projeto, mas outros alunos que, curiosos, buscavam entender de que se tratava o Empoderadas.

Pudemos perceber as alunas dos anos iniciais indo para a escola com seus black powers soltos, pois elas viam as alunas mais velhas que eram uma referência para elas orgulhosas de seus cabelos, de sua cor, de sua identidade, e se permitiam fazer este movimento também.

Em 2019, o projeto foi retirado do IG (abreviação para o nome da escola, Ildefonso Gomes), o que foi um baque para nós. Apesar de sabermos o quanto é difícil falar sobre racismo na escola, não esperávamos essa atitude da direção com um projeto que sempre foi voluntário e trouxe tantos benefícios para a comunidade escolar.

Na mesma época, estavam abertas as inscrições para a seleção de mestrado no Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS e me inscrevi, trazendo as alunas como participantes da minha pesquisa. Saímos do IG e entramos na UFRGS, realizando, através de uma análise da trajetória do projeto, os caminhos que encontramos para práticas pedagógicas em educação antirracista.

Em nossa defesa de qualificação do mestrado, a banca citou a excelência da pesquisa e sugeriu mudança de nível para o doutorado. Hoje, nos encaminhamos para a conclusão de nossa tese, uma pesquisa na qual minhas alunas são colaboradoras. Através das escrevivências, reescrevemos a história do projeto, analisando os caminhos possíveis para uma efetiva prática antirracista.

Compreendemos, nessa trajetória, que a educação antirracista não se trata de falar somente sobre o racismo, mas, sim, de levar para a escola narrativas de povos negros e indígenas que o racismo impede que cheguem nas salas de aula. Esse movimento permite o rompimento, na escola, da “história única”, identificada por Chimamanda Adichie.

Isso porque aprendemos a história a partir da narrativa do colonizador. Deve-se estar “sempre curiosa e atenta às histórias que a escola não conta”, como nos alerta Graziela Oliveira Neto da Rosa.

Aprendemos sobre a importância do diálogo para a construção de uma “comunidade de aprendizagem” – seguindo a ideia de bell hooks -, e pudemos observar o quanto o acesso à leitura de textos e livros de mulheres negras nos ajudou a compreender de onde falamos, sobre o que falamos e para quem falamos, o que nos fez optar por uma escrita da tese em primeira pessoa, com uma linguagem acessível às alunas e alunos, que são os sujeitos e protagonistas da tese, seus familiares e a comunidade escolar em geral.

Também optamos por um referencial protagonizado por mulheres negras, para que suas vozes ressoem junto às nossas e para fazer reverência a essas intelectuais que sulearam nossa pesquisa, que historicamente nos abriram portas e que, nos momentos mais difíceis, nos fizeram acreditar que poderíamos chegar até aqui.

Romper com a colonialidade na educação deve ser um compromisso, não somente dos professores, mas de gestores e do Estado, para fazer com que essas diferentes narrativas sobre a construção social de nosso país cheguem aos nossos alunos, para que tenham um acesso a uma educação plural, que trate a diversidade como riqueza, e não como um problema.

Para que esses alunos sejam os profissionais de amanhã e para que não precisem, como eu, se perguntar como oferecer aos seus alunos uma educação antirracista que não tiveram acesso?

Que as crianças e os jovens de hoje tenham esse acesso. Que através de uma educação antirracista eles aprendam o valor do negro e do indígena em nossa sociedade. Que compreendam quem são, de onde vieram e as mil possibilidades de quem podem ser.

(*) Luciana Dornelles Ramos é professora antirracista, mestra e doutoranda no PPG (Programa de Pós Graduação) em Educação.

Nos siga no Google Notícias