Com demanda firme, a oferta de grãos em risco
Na economia brasileira, o relatório Focus (Bacen) de 5 de abril traz expectativas para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 2021 em 4,86% e, para 2022, em 3,61%. O PIB (Produto Interno Bruto) deve fechar este ano com crescimento de 3,17% e 2,33% em 2022. Já para a taxa Selic, são esperados 5% e 6%, respectivamente, e no câmbio, R$ 5,35 no final de 2021 e R$ 5,25 no final de 2022. Março foi um mês de seguidas deteriorações nestes indicadores.
No cenário internacional, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) projetou a safra mundial de soja do ciclo 2020/21 em 361,82 milhões de toneladas. Para o Brasil, é esperada uma produção de 134 milhões de toneladas da oleaginosa, enquanto os EUA e a Argentina devem produzir, respectivamente, 112,55 e 47,5 milhões de toneladas. Com isso, os estoques finais globais do grão devem ser de 83,74 milhões de toneladas. No milho, a estimativa é de uma produção de 1,14 bilhão de toneladas, com estoques finais de 286,67 milhões. A projeção do órgão americano é que os EUA produzam 360,25 milhões de toneladas (31,6%); o Brasil, 109 milhões (9,6%); e a Argentina, 47,5 milhões (4,2%). Os estoques estão ficando menores, refletindo nos preços firmes dos grãos.
Mas neste mês de abril, o USDA agitou os mercados ao vir com estimativas de plantio sensivelmente menores que as esperadas pelo mercado. No caso do algodão, na safra 20/21 plantaram 4,9 milhões de hectares, enquanto o mercado esperava 4,85 milhões e a estimativa foi de 4,87 milhões. Para a soja, a área na safra 20/21 foi de 33,63 milhões de hectares, o mercado esperava 36,42 milhões e a estimativa foi de 35,45 milhões. Finalmente, no milho, na safra 20/21 a área foi de 36,75 milhões de hectares, o mercado esperava 37,72 milhões e a estimativa veio em 36,87 milhões. Em resumo, tanto a área de soja quanto a de milho ficou cerca de 1 milhão de hectares menor que a esperada pelo mercado.
O boletim Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) do mês de março estima safra recorde de grãos para o ciclo 2020/21 com produção de 272,3 milhões de toneladas, 6% superior em relação ao ciclo passado, enquanto a área plantada deve totalizar 68,3 milhões de hectares (+3,6%). Na soja, são esperadas 135,1 milhões de toneladas (+8,2%) em uma área de 38,5 milhões de hectares (+4,1%). No milho primeira safra, a produção deve totalizar 23,5 milhões de toneladas (-8,6%), com área de 4,28 milhões de hectares (+1,1%), e o volume total das três safras deve chegar a 108,1 milhões de toneladas, um crescimento de 5,4%. O algodão, por sua vez, deve produzir 2,51 milhões de toneladas de pluma (-16,4%), com queda acentuada devido à redução na área de plantio, estimada em 1,42 milhão de hectares (-14,5%). Por fim, no trigo, as estimativas apontam 6,43 milhões de toneladas (+3,3%) em uma área plantada de 2,39 milhões de hectares (+3,6%).
Em fevereiro, as exportações do agro atingiram US$ 6,47 bilhões, aumento de 2,8% frente ao mesmo mês do ano anterior, de acordo com o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). O segmento de maior destaque no mês (26,1% do total) foi o complexo soja com vendas em torno de US$ 1,13 bilhão, ainda que o valor represente queda de 33,1% nas receitas, quando comparadas ao ano anterior, em virtude dos atrasos na colheita. Na segunda colocação, o segmento de carnes (19,8%) vendeu US$ 1,28 bilhão (-1,2%); na carne bovina foram US$ 551,1 milhões, uma redução de 1,5%; no frango, as vendas foram de US$ 510,9 milhões (-6,7%); e a carne suína, por sua vez, foi a única que apresentou crescimento, e ainda bateu recordes nas exportações do mês, fechando em US$ 184,3 milhões. O terceiro segmento que mais exportou foi o de produtos florestais (13,1%), fechando o mês com receita em torno de US$ 846,3 milhões (+3,0%). Na sequência está o setor sucroalcooleiro (10,5%), com a maior expansão mensal entre todos os segmentos, atingindo US$ 681,0 milhões (+44%). Por fim, na quinta colocação, ficou o café (7,0%), com US$ 453,7 milhões exportados (+7,7%). As importações do agro foram de US$ 1,22 bilhão (+14,9%) para o mês, o que resultou um saldo mensal na balança comercial de US$ 5,24 bilhões (-16,6%).
Os atrasos da colheita de soja em virtude das condições climáticas impactaram a exportação do grão para o mercado chinês. De acordo com dados da Administração Geral de Alfândegas, a China importou 1,03 milhão de toneladas da oleaginosa do Brasil entre janeiro e fevereiro deste ano, enquanto no ano passado os volumes alcançavam a marca de 5,14 milhões de toneladas. Com a menor oferta brasileira, o país asiático recorreu aos EUA para aquisições de soja em volume de 11,9 milhões de toneladas, quase o dobro do que foi adquirido no mesmo período de 2020. Em março, no entanto, as exportações de soja e açúcar foram em ritmo acelerado. Relatórios apontam que 8,82 milhões de toneladas de soja estavam previstos para embarcar em Santos e Paranaguá em março, 27% a mais que o mesmo mês de 2020. Para o açúcar, o percentual é ainda maior; são 71% a mais que 2020, com 1,27 milhão de toneladas.
A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil) estimou o VBP (Valor Bruto da Produção) Agropecuária no Brasil, para 2021, em R$ 1,142 trilhão; aumento de 15,8% em relação ao ano passado. No total, as cadeias da agricultura devem registrar R$ 759,25 bilhões (+19%) e as da pecuária, R$ 383,45 bilhões (+9,8%). Preços favoráveis e boa previsão de safra são os fatores que impulsionam esse resultado.
Em 2020, a agropecuária manteve sua posição de propulsionadora da economia brasileira. O PIB do segmento avançou 2% em relação a 2019, enquanto os demais setores (indústria e serviços) tiveram resultados negativos, de acordo com dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dessa forma, a participação da agropecuária no PIB brasileiro avançou de 5,1%, em 2019, para 6,8% em 2020. Olhando para o horizonte de 2021, a CNA estima um incremento de 2,5% no PIB agropecuário.
A população ocupada no agronegócio brasileiro totalizou 17,3 milhões de trabalhadores no ano de 2020, uma queda de 5,2% em comparação a 2019, segundo levantamento divulgado pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). No entanto, o número de pessoas ocupadas no Brasil como um todo reduziu 7,9% em 2020, fazendo a participação do agronegócio aumentar de 19,5% para 20,1% no total da população ocupada.
De acordo com estudo realizado pela Embrapa, o agronegócio brasileiro é responsável por alimentar quase 800 milhões de pessoas no mundo todo. Além da própria população nacional, o alimento aqui produzido é fonte de energia para outras 560 milhões de pessoas em outras nações.
No mercado futuro de milho, os preços na Bolsa de Chicago atingiram grandes altas, e no fechamento desta coluna estava em US$ 5,6/bushel. O aumento na demanda global pelo grão e a retomada na produção de etanol nos EUA devem impulsionar ainda mais a demanda pelo grão, e o cenário de preços elevados pode se renovar. Segundo a Goldman Sachs, os preços futuros devem voltar aos US$ 5,79 por bushel nos próximos 12 meses. A alta dos preços dos grãos tem ocasionado aumentos significativos no custo de produção de aves e suínos. De acordo com dados da Embrapa, os avicultores tiveram alta de 6,89% no seu custo de produção em fevereiro, enquanto suinocultores observaram incremento de 3,74% em comparação a janeiro. Nos últimos 12 meses, o ICPFrango (índice que mede o custo da produção) já acumula alta de 48,30%, e o ICPSuíno, de 48,74%, chegando a valores recordes (nominais).
O agronegócio deverá ganhar competitividade pela criação do FIAgro (Fundos de Investimento do Setor Agropecuário), medida possibilitada pelo novo projeto de lei aprovado pelo Senado. A proposta visa a criar um instrumento, nos mesmos moldes de fundos imobiliários, para financiar a atividade agropecuária no País, permitindo que pessoas físicas e instituições adquiram cotas de fundos, democratizando os investimentos no setor. Alguns vetos colocados restringem o alcance do projeto, e poderiam ser derrubados. Ainda na agenda política do setor, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) decidiu pela prorrogação do Convênio 100, que reduz a base de cálculo de ICMS sobre defensivos, sementes e outros insumos agrícolas comercializados entre Estados. No entanto, os fertilizantes não escaparam do aumento de impostos e terão uma alíquota progressiva, iniciando no próximo ano (2022) em 1%, subindo gradualmente outro 1% ao ano até 2025. Estimativas da AmaBrasil (Associação dos Misturadores de Adubo do Brasil) projetam que, com a medida, haverá um repasse de custos na ordem de R$ 4 bilhões/ano para o agricultor.
Em relação aos fertilizantes, de acordo com previsões da StoneX, as entregas desses insumos devem totalizar o volume de 41,8 milhões de toneladas em 2021, crescendo 6% frente ao ano anterior. Os volumes são reforçados pela perspectiva de safra recorde em 2020/21 e elevados preços das commodities. Atualmente, 43% dos compromissos envolvendo os fertilizantes já foram negociados. As importações de fertilizantes no Brasil em janeiro e fevereiro foram 50% superiores às de 2020.
Sobre empresas e organizações, a Frísia, cooperativa mais antiga do Paraná, obteve faturamento recorde de R$ 3,7 bilhões em 2020, crescimento de 27,6% frente ao valor de 2019. Os investimentos da Nutrien no Brasil devem alcançar US$ 1 bilhão até 2024. Grande parte desse montante será destinada para a ampliação de suas lojas que, hoje, somam 24 unidades, mas devem atingir 100 unidades até 2022 com a abertura de novos pontos. A operação no Brasil faturou R$ 1,8 bilhão em 2020, evidenciando crescimento de 300% em dois anos.
A JBS anunciou um plano para neutralizar suas emissões líquidas de carbono até 2040, tornando-se pioneira em definir compromissos dessa magnitude no setor frigorífico. A empresa pretende investir US$ 1 bilhão até 2030 em projetos que reduzam e/ou compensem suas emissões, podendo usar os créditos de carbono para atingir tais objetivos.
Uma parceria entre Orbia e Bunge viabilizou a comercialização de mais de 75 mil toneladas de soja de forma 100% digital em apenas três meses de operação. Por meio da parceria, o agricultor pode optar por vender seus grãos disponíveis ou até mesmo realizar operação de barter, tudo de forma eletrônica. Um passo importante rumo à transformação digital. Uma plataforma de comércio on-line de hortifrútis da China alcançou a marca de 788,4 milhões de compradores ativos em 2020, superando até mesmo o gigante Alibaba. Trata-se da chinesa Pinduoduo, empresa que cresceu 97% no último ano e atingiu faturamento de US$ 9 bilhões. Apesar dos bons resultados, a companhia ainda não atingiu o break-even, somando prejuízo de US$ 1 bilhão em 2020.
No fechamento desta coluna, a soja, para entrega em cooperativa de São Paulo, estava em R$ 165/saca para abril de 2021 e R$ 152/saca para abril de 2022. Há um ano estava em R$ 85/saca. No caso do milho, atualmente está em R$ 92/saca; R$ 71/saca para entregas em agosto de 2021, e R$ 66/saca para agosto de 2022. Há um ano, o milho estava em R$ 50/saca. O algodão está em R$ 151/arroba, contra R$ 92 do ano passado. No boi, a arroba era negociada em mais de R$ 320. Foi mais um mês de aumento de preços.
Os cinco fatos do agro para acompanhar em abril são:
- A colheita da primeira safra está praticamente encerrada. A preocupação agora é com o clima na segunda safra de milho, já que o plantio atrasou. Estima-se que no Estado de Mato Grosso, 45% foram plantados fora da janela ideal. Com o aperto na oferta mundial de grãos, os preços atuais, e principalmente a necessidade de milho para ração animal e produção de etanol, são pontos sensíveis agora na produção brasileira;
- Demanda mundial: as importações na Ásia e outros países em carnes, grãos e demais produtos, além de um possível novo surto de peste suína africana na China a ser observado;
- A gravíssima crise da covid-19 no Brasil, o andamento do processo de vacinação, os mecanismos de apoio e a garantia de renda, e a performance consequente do mercado consumidor de alimentos e combustíveis;
- As expectativas de plantios, áreas e produtividades da megassafra norte-americana. Qualquer problema climático será grave aos preços. Aparentemente excesso de chuvas pode trazer atraso nos plantios e as estimativas de áreas são menores que o esperado pelo mercado.
- Para fechar, o adido do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) estimou que o Brasil terá uma área plantada de soja na safra 2021/22 de 40 milhões de hectares, contra os atuais 38,5 milhões. A produção deve ser de 141 milhões de toneladas (135 milhões nesta safra), dos quais 87 milhões serão exportados. Nas ultimas cinco safras, a área cresceu quase 5 milhões de hectares. No caso do milho, a projeção é que a produção cresça para 114 milhões de toneladas em 20 milhões de hectares. Para o algodão, a área voltará a ser de 1,6 milhão de hectares. É realmente um período de forte expansão que teremos pela frente, criando muitas oportunidades às pessoas.
(*) Marcos Fava Neves é professor titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.