Dê-se a devida desimportância
É natural acharmos que estamos no centro dos acontecimentos. Se alguém nos trata com frieza, logo pensamos no que fizemos para merecer aquilo. Se um amigo demora a responder uma mensagem, imaginamos que ele está nos evitando. Se alguém não nos cumprimenta na rua, concluímos que a pessoa tem algo contra nós.
Mas a verdade é que, na maior parte do tempo, quase nada do que acontece ao nosso redor é sobre nós. A vida das pessoas é guiada por seus próprios problemas, sentimentos e circunstâncias. E, ainda assim, insistimos em interpretar suas ações como respostas diretas à nossa existência. Esse hábito nos faz sofrer à toa, carregando pesos emocionais que sequer nos pertencem.
O efeito do espelho
Existe uma tendência natural do ser humano de projetar sua própria visão do mundo em tudo o que vê. Chamamos isso de “efeito do espelho”. Ao invés de enxergar os outros como indivíduos independentes, com suas próprias lutas e motivações, olhamos para eles esperando encontrar reflexos de nós mesmos.
Se alguém está de mau humor, logo pensamos que fizemos algo errado. Se uma pessoa se afasta, achamos que ela nos rejeitou. Se um chefe parece indiferente, imaginamos que nosso desempenho está sendo mal avaliado. Esse pensamento egocêntrico pode parecer inofensivo, mas, no fundo, é exaustivo e desgastante. Ele nos coloca em um estado constante de vigilância emocional, onde tudo ao nosso redor se torna um possível julgamento ou ameaça.
Mas o que acontece quando olhamos a realidade por outra perspectiva? E se entendermos que cada pessoa está lidando com seu próprio mundo interno, suas dores, preocupações e distrações? Quando fazemos isso, percebemos que grande parte das atitudes dos outros não tem nada a ver conosco.
O perigo da centralização
Achar que tudo gira ao nosso redor não apenas nos faz sofrer sem necessidade, mas também distorce a forma como nos relacionamos com os outros. Essa mentalidade nos faz reagir de maneira exagerada a situações banais, nos colocando em uma posição de constante ansiedade.
A realidade é que cada pessoa está vivendo sua própria narrativa. Alguém que não sorri para você pode estar preocupado com um problema pessoal. Um colega que parece distante pode estar passando por um momento difícil. Um parceiro que não demonstra tanto carinho pode estar lidando com inseguranças próprias. Quando assumimos que tudo é sobre nós, nos tornamos reféns de interpretações erradas e expectativas irreais.
Além disso, essa centralização do mundo em torno de nós mesmos pode prejudicar nossos relacionamentos. Ela nos faz criar ressentimentos sem motivo, alimentar desconfianças infundadas e exigir validação o tempo todo. Isso não apenas nos desgasta emocionalmente, mas também pode afastar as pessoas que realmente se importam conosco.
O alívio da desimportância
Quando aceitamos que nem tudo é sobre nós, experimentamos um grande alívio. Paramos de levar tudo para o lado pessoal e passamos a encarar a vida com mais leveza. Em vez de nos sentirmos rejeitados, começamos a entender que cada um tem sua própria batalha. Em vez de cobrar explicações e atenções constantes, aprendemos a dar espaço e a confiar mais nos outros.
Dê-se a devida desimportância. Isso não significa que sua vida não tem valor, mas sim que você não precisa carregar o peso do mundo nos ombros. As pessoas não estão o tempo todo te analisando, julgando ou testando. Na verdade, elas estão tão ocupadas consigo mesmas quanto você está.
Quando paramos de nos enxergar como o centro de tudo, ganhamos liberdade. Liberdade para errar sem medo de estar sendo constantemente julgado. Liberdade para nos expressarmos sem a necessidade desesperada de aprovação. Liberdade para simplesmente existir, sabendo que o mundo continua girando – e que isso, no fim das contas, é um grande alívio
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo
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