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Entendendo o “vício em dopamina”

Por Cristiane Lang (*) | 19/10/2024 13:30

O conceito de “vício em dopamina” tem ganhado popularidade à medida que se discute o impacto das tecnologias modernas, redes sociais e estímulos constantes em nossa saúde mental. A dopamina, um neurotransmissor fundamental no cérebro, está associada ao sistema de recompensa e à sensação de prazer, mas o que muitos não sabem é que ela está mais envolvida com a busca pelo prazer do que com o prazer em si. Esse fenômeno pode ser comparado a um ciclo de comportamento viciante, onde a busca por recompensas se torna constante e insaciável.

O Papel da Dopamina no Cérebro

A dopamina desempenha um papel crucial na motivação, aprendizagem e na maneira como tomamos decisões. Quando realizamos atividades prazerosas — como comer algo saboroso, ouvir música ou receber uma notificação nas redes sociais — os níveis de dopamina no cérebro aumentam. Isso nos incentiva a repetir essas ações, pois o cérebro associa essas atividades a algo positivo.

No entanto, a dopamina não se refere apenas à experiência de prazer, mas principalmente ao desejo de buscar essa experiência. É por isso que sentimos uma sensação de expectativa ao abrir uma rede social ou ao checar mensagens. O cérebro nos impulsiona a repetir comportamentos que ele já reconheceu como potenciais fontes de recompensa, mesmo que o prazer real seja passageiro ou menor do que o esperado.

O Ciclo de Recompensa e o Vício

A dopamina é fundamental para nosso sistema de recompensa, mas quando expostos a estímulos constantes, esse sistema pode ser superativado, levando ao que alguns chamam de “vício em dopamina”. Embora o termo não seja estritamente técnico — uma vez que não somos viciados na dopamina em si, mas nos comportamentos que ela regula — a sensação de dependência que se cria em torno de atividades como o uso de redes sociais, videogames, compras online, e até a alimentação é real.

Esse ciclo de recompensa se baseia em pequenos picos de dopamina que criam a expectativa de prazer. Ao rolar o feed do Instagram, por exemplo, não sabemos o que veremos em seguida, o que cria um nível constante de expectativa. Essa imprevisibilidade é uma das principais forças que mantêm as pessoas presas a esses comportamentos. Da mesma forma que um jogador de cassino se prende à expectativa de uma próxima vitória, somos levados a continuar buscando novos estímulos, mesmo que as recompensas reais sejam menores do que o desejado.

As Consequências do Vício em Estímulos

A exposição constante a esses estímulos pode ter efeitos negativos. Quando buscamos continuamente novas fontes de dopamina, o cérebro começa a se adaptar, o que significa que as atividades que antes eram suficientes para nos proporcionar prazer deixam de ser tão satisfatórias. Esse fenômeno é conhecido como dessensibilização. Como resultado, precisamos de estímulos cada vez mais intensos para obter o mesmo nível de satisfação, o que pode nos levar a um ciclo de compulsão por mais atividades recompensadoras.

Esse processo afeta não apenas nossos hábitos cotidianos, mas também nossa capacidade de concentração, produtividade e satisfação geral. As pessoas podem se sentir entediadas com atividades que antes traziam prazer, como ler um livro ou ter uma conversa tranquila. A mente começa a ansiar por estímulos mais imediatos e rápidos, levando à procrastinação e a dificuldades em realizar tarefas que exigem atenção prolongada.

Redes Sociais e o Vício em Dopamina

As redes sociais são o exemplo mais claro de como o ciclo de busca por dopamina é explorado. Os “likes”, os compartilhamentos e as notificações são todos projetados para gerar pequenos picos de dopamina, incentivando os usuários a retornarem constantemente às plataformas. A imprevisibilidade de quando ou quantas curtidas você receberá, somada à sensação de validação social, reforça o comportamento compulsivo.

Além disso, os algoritmos das redes sociais são otimizados para prolongar o tempo de uso. O “scroll infinito”, por exemplo, elimina a necessidade de pausas naturais, enquanto o conteúdo personalizado mantém o usuário interessado, mesmo que ele não esteja buscando algo específico.

Outras Fontes de Dependência de Dopamina

Além das redes sociais, outras áreas da vida moderna também promovem o vício em dopamina. Videogames, com suas recompensas instantâneas, fazem os jogadores passarem horas em busca de novos desafios e vitórias. Serviços de streaming, como séries e filmes, permitem o consumo contínuo de conteúdo, eliminando pausas entre episódios, o que também estimula a busca incessante por novos estímulos.

Até mesmo a alimentação pode desencadear o vício em dopamina. Alimentos ricos em açúcar e gorduras, por exemplo, aumentam os níveis de dopamina de maneira semelhante a outras atividades prazerosas, o que pode levar à compulsão alimentar e ao ganho de peso.

O Caminho para o Equilíbrio

Superar o “vício em dopamina” envolve, em grande parte, o entendimento de como esse ciclo funciona e como podemos retomar o controle. Uma das estratégias mais eficazes é a regulação intencional do uso de tecnologias e de comportamentos que geram essa busca incessante por recompensas. Isso pode incluir a redução do tempo de uso das redes sociais, práticas de meditação e mindfulness, e até pausas deliberadas para atividades mais longas e envolventes, como leitura ou exercícios físicos.

O jejum de dopamina, uma prática que vem ganhando popularidade, envolve a abstinência temporária de atividades que geram grandes picos de dopamina, como o uso de mídias sociais, consumo de junk food ou jogos. A ideia é dar tempo ao cérebro para se recalibrar e recuperar sua sensibilidade natural ao prazer, permitindo que atividades mais simples voltem a ser satisfatórias.

Além disso, é fundamental reconstruir a capacidade de foco em tarefas mais longas e profundas. Ao praticar a concentração em atividades menos imediatas, como trabalho criativo ou estudo, o cérebro pode readaptar seus padrões de recompensa, aprendendo a apreciar gratificações mais lentas, mas mais duradouras.

O “vício em dopamina” não é tanto um vício na substância em si, mas nos comportamentos que ela regula. Vivemos em um mundo projetado para maximizar nossa busca por pequenas recompensas instantâneas, o que nos leva a um ciclo de compulsão e insatisfação. Para romper esse ciclo, é necessário um esforço consciente para reduzir a exposição a estímulos imediatos e reencontrar prazer em atividades mais simples e significativas.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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