Inteligência artificial e eleições municipais
Ninguém duvida que a inteligência artificial é uma realidade que já está modificando as bases fincadas da sociedade, com influência direta nas relações de trabalho, na saúde, educação, nos governos, no processo de tomada de decisão, na política, na justiça… Enfim, em várias áreas da vida.
No campo das relações de trabalho, se discute a possibilidade da mecanização autônoma de máquinas que realizam todo o processo de produção de qualquer produto mercantilizável. Na justiça, a discussão exsurge na possibilidade de mecanismos de análises de processo judicial no que tange à criação de pontos de destaque, resumo de teses, confecção de minutas de decisão jurídica.
Em suma, na análise massiva de dados e na automatização de rotinas e processos. Na política, a preocupação se consubstancia no seu uso, seja para criação e divulgação de notícias falsas, seja na própria utilização sem a balizadoras de limites éticos-eleitorais na captação do voto.
Nesse último campo mencionado, cuja abordagem nos interessa, o Tribunal Superior Eleitoral, em seu poder regulamentar, editou normas que visam enfrentamento da desinformação e o uso indevido da inteligência artificial para as eleições municipais deste ano.
Em uma série de dispositivos normativos, foi incluída na Resolução nº 23.610/2019, que dispõe sobre a propaganda eleitoral, a regulamentação da utilização de IA com o claro propósito de coibir praticas fraudulentas de candidatos ou pessoas a eles ligadas de produção de conteúdo fabricado ou manipulado, através de vídeo ou áudio, que propaguem fatos inverídicos ou gravemente descontextualizados.
Uma das práticas expressamente vedada é a da Deep Fake. Conforme §1º, do art. 9-C da resolução, é proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia.
Talvez, essa deva ser a prática mais nociva ao processo eleitoral, posto que produz algo cujas consequências podem levar o eleitor ao engano, principalmente se divulgado na véspera da votação, desequilibrando o pleito, quando a intervenção do Judiciário for tarde demais.
Como exemplo, imagine-se a situação hipotética de divulgação de vídeo manipulado sendo encaminhado por aplicativos de mensagem, com emissão de informações falsas ou descontextualizadas, referente a candidatos. Outra hipótese, é a utilização de timbre de voz de candidato para confecção de mensagem de áudio manipulada, com emissão de opiniões divergentes ao do seu eleitorado ou que ferem a moral coletiva.
Apenas duas hipóteses possíveis de ocorrência dentre a infinitude de possibilidades que a mente humana pode criar cujo efeito é devastador para uma campanha eleitoral.
Nesses casos de infração à resolução, é expresso o dever dos provedores de aplicativos de internet, a adoção e a publicização de medidas para impedir ou diminuir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que possam atingir a integridade do processo eleitoral, além de configurar abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, podendo acarretar a cassação do registro ou do mandato, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo.
De toda forma, o uso de mecanismos de IA nas campanhas eleitorais serão saudáveis quando utilizados para melhorar a interlocução da mensagem política de partidos e candidatos, de um modo geral, sem que isso traga danos à lisura e equilíbrio dos pleitos. Todavia, seu uso deturpado deverá ter uma atuação repressiva firme dos órgãos da Justiça Eleitoral e dos provedores de aplicativos de internet. Todavia, não se pode encarar a IA como uma inimiga da democracia, haja vista que a manipulação é humana e não das máquinas.
(*) Robson Almeida é advogado e mestre em Direito.
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