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O ano marcado na agenda ambiental brasileira

Roberto Verdum (*) | 18/12/2020 13:20

Nos ideais das elites brasileiras, em consonância com os interesses das empresas multinacionais, elabora-se, nos anos 1970 e 1980, o argumento de que a “pior das poluições é a miséria”, afirmando-se que a proteção ambiental seria contrária ao progresso econômico que estava sendo proposto ao país. Na busca da ampliação da base material para atender a esse modelo de desenvolvimento, identifica-se a necessidade de se intensificar a lógica da “integração nacional”, que objetiva incorporar as regiões norte (floresta amazônica) e centro-oeste (Cerrado e o Pantanal) do país. Coincidência ou não, esses argumentos reencontram eco na atualidade quando se analisam as práticas governamentais e os discursos de uma parcela dos produtores rurais e de representantes das cadeias de produção alimentar, sobretudo de proteína animal e vegetal.

O que se registrou de forma alarmante nos anos de 2019 e 2020, sobretudo nessas duas regiões do país, foi o recrudescimento de uma lógica que marca a trajetória de como as políticas dos sucessivos governos tratam as riquezas do país: inseridas nas demandas materiais dos países centrais. Isto é, uma lógica que incorpora a diversidade dos ecossistemas brasileiros, associada à sucessão de modelos baseados no extrativismo, na pecuária extensiva e nas monoculturas desenvolvidos historicamente no país.

Na Amazônia, que representa 47% do território nacional, em torno de quatro milhões de km², o processo de degradação da floresta pelos desmatamentos e queimadas já vem sendo identificado desde a década de 1970 com os estudos de geógrafos como Aziz Ab’Saber e Orlando Valverde. Estes chamavam a atenção, já naquele período, para o processo de savanização – que significa a substituição da floresta por pastagens que, posteriormente, podem ou não ser abandonadas pela inviabilidade de sustentação de um sistema de exploração pastoril em solo arenoso, mesmo que associado à floresta.

Na série histórica registrada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – PRODES, entre 1988 e 2019, os anos mais desastrosos em relação ao desmatamento na Amazônia Legal são os de 1995 (29.059 km²) e 2004 (27.772 km²), passando-se a uma série histórica de redução a partir do ano de 2009, para um patamar em torno de 7.500 km²/ano, resultado das pressões externas de organismos internacionais, da mobilização civil interna e das políticas governamentais de controle.

No entanto, o alarme soa novamente nos anos de 2019 e 2020, com o aumento considerável do desmatamento, saltando para 10.129 km² em 2019 e atingindo 11.088 km² até 31 de novembro de 2020. Acompanhando esses dados do desmatamento estão as queimadas, que atingiram altas históricas, desde 2010, com o ápice no mês de outubro último, com 93.356 focos registrados.

Associado a esse processo de desmatamento e queimadas na região Amazônica, identificam-se diversos problemas ambientais, tais como: a exposição das terras aos processos erosivos e, como consequência, o assoreamento dos cursos d’água; o processo de formação de áreas arenosas (arenização) improdutivas e propícias à ação dos agentes erosivos; a degradação da fauna e da flora; e as mudanças nas relações socioeconômicas dos habitantes da floresta, sobretudo em relação às comunidades indígenas.

Já na região centro-oeste, com uma superfície em torno de 1,6 milhão de km², que representa 19% do território nacional, localiza-se o ecossistema do Cerrado, considerado o segundo bioma brasileiro em termos de biodiversidade depois da Amazônia, tendo sido catalogados em torno de 700 espécies vegetais, 935 pássaros, 298 mamíferos e 268 répteis. Após a integração dessa região ao processo produtivo agroindustrial, vários são os cultivos que se expandem e se intensificam, representando 44,7% da produção agrícola nacional, sendo o estado do Mato Grosso (MT) aquele que atingiu, em 2019, em torno de 27% da produção nacional: arroz, café, feijão, soja (31,89 milhões de toneladas – MT é o maior produtor no país), mandioca e milho (97,82 milhões de toneladas – MT é o maior produtor no país). Dentre os problemas ambientais identificados nessa região, destacam-se: a degradação da fauna e da flora, inclusive com algumas espécies ameaçadas de extinção; a degradação dos solos e da água, tanto por ravinamento, voçorocamento e consequente assoreamento dos cursos d’água, como também no que se refere à contaminação por agrotóxicos.

Especificamente em relação ao Pantanal, os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, entre 2000 e 2018, perderam-se cerca de 2 mil km² de área nativa. Já em 2020, conforme os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas do Pantanal (INPP) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o bioma já teve cerca de 20 mil km² consumidos pelas chamas. Assim, houve a perda de 8,3% da vegetação natural em 18 anos, sendo que 42% viraram pasto e 19%, cultivos.

Para o futuro próximo, o que se projeta não é nada favorável à redução desse quadro de devastação da riqueza biodiversa e sociodiversa nessas regiões, já que há a projeção de crescimento positivo, durante os próximos anos da produção brasileira de proteína animal e vegetal, o que vem acompanhado do argumento da “necessidade de expansão de área produtiva”. Assim, no período entre 2016/17 e 2026/27, a produção de carnes bovinas do Brasil deverá crescer 2,1% ao ano. Neste contexto, espera-se atingir 11.444 mil toneladas produzidas em 2027, com 20,5% de variação em relação a 2017, conforme o Economic Research Service (ERS) – United States Department of Agriculture (USDA).

Portanto, as perspectivas para o mercado pecuário são apontadas como promissoras e estimuladas pelos investimentos em tecnologia e produtividade, assim como pela expansão de área de produção, para abastecer tanto o mercado interno como o externo. Justificam-se, assim, os discursos que propagam a “necessidade de expansão de área produtiva” em direção aos espaços ainda preservados dos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal.

Em relação à produção de proteína vegetal, sobretudo associada à cadeia agroindustrial da soja, considera-se que o país deve se consolidar como sendo o principal produtor nos próximos 10 anos, com produção crescendo em ritmo mais acelerado do que na Argentina e nos Estados Unidos, conforme consta no relatório Agrifocus do Rabobank.  A produção de soja no Brasil deve alcançar 155 milhões de toneladas na safra 2029/30, incremento de 28% em relação aos anos 2019/20, com crescimento de área de 15% e ganho de produtividade de 9%. Portanto, pode-se projetar também, que esta expansão dar-se-á por meio da conversão de áreas de pastagens e nos espaços ainda preservados dos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, já que se consolida cada vez mais uma logística de exportação pelo Arco Norte do país e nas fronteiras agrícolas brasileiras.

E quanto aos instrumentos de mobilização social e controle estatal desse patrimônio nacional?

Após 37 anos do estabelecimento da Política Nacional do Meio Ambiente (Decreto n.° 99.351 de 1983), avalia-se que, mesmo com a mobilização social do movimento ambientalista brasileiro, questionando e se opondo às degradações ambientais identificadas em todo o território brasileiro, os ataques ainda se revelam graves. Essa gravidade é acrescida pela precariedade do poder civil e do Estado em interferir no seu controle e na aplicação das políticas ambientais.

Cada vez mais, revela-se concretamente a relação existente entre as disparidades socioeconômicas dos brasileiros e as diferenciações espaciais do país em termos de degradações ambientais. Além do crescimento dos conflitos sociais, verifica-se uma tendência que aponta para um aumento deste acirramento frente às diferenciações espaciais no território, entre aquelas já degradadas e outras reservadas à conservação.

Portanto, mesmo que a legislação ambiental brasileira seja considerada uma das melhores do mundo, é fundamental contextualizá-la em consonância com a questão ambiental em nível mundial, os pressupostos da globalização em termos do comércio de commodities e a atuação das corporações multinacionais. Nesse contexto, verifica-se um processo crescente na busca de propostas de flexibilização da política ambiental brasileira com a valorização e o controle das bases materiais, assim como a adoção discursiva e de práticas governamentais alinhadas às bases ideológicas de uma economia de mercado liberal.

O que se verifica, atualmente, no poder legislativo, sobretudo no dia a dia do Congresso Nacional, são grupos de convergências políticas que aderem às demandas de flexibilização da legislação ambiental, defendidas pelas entidades representativas do agronegócio e de outros tipos de empreendimentos que dependem das regras estabelecidas para o licenciamento ambiental. Vide as atuais disputas para a presidência do Congresso, em consonância com as posições do poder executivo, que expressa claramente seus desejos políticos através de ações de desestruturação dos órgãos ambientais e da fiscalização nas regiões em crise devido a desmatamento e queimadas.

Portanto, caso haja avanços político-administrativos sobre os instrumentos regulatórios ambientais no país, pela flexibilização, simplificação e suspensão das regras legais, no âmbito do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas estaduais, a tendência será a ampliação das vulnerabilidades à proteção ambiental e, por conseguinte, das condições de vida da população brasileira, inclusive, em termos de sua capacidade de ação junto às instâncias jurídicas, que mal ou bem ainda amparam ações de proteção e recuperação dos espaços degradados ou em vias de degradação.

Isto é, deixa-se ainda mais de se acreditar na possibilidade técnico-científica de prever e identificar prováveis impactos ambientais negativos, apostando-se na autorregulação e celeridade das instâncias governamentais, sobretudo no que se refere aos compromissos de licenciamento e controle ambiental.


(*) Roberto Verdum é professor do Departamento de Geografia, PPG em Geografia e PPG em Desenvolvimento Rural na UFRGS.

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