O impacto das catástrofes sobre nossas emoções
Admitimos que o efeito da globalização tenha proporcionado contribuições valiosas para nossas vidas, inclusive trazendo inúmeras repercussões na mudança dos nossos hábitos diários, alguns positivos e outros muito negativos, mas, que dificilmente paramos para avaliar suas conseqüências.
Do mesmo modo, a revolução tecnológica tem oferecido meios de comunicação poderosos que absorvemos rapidamente e se tornam ferramentas imprescindíveis no nosso dia a dia, impelindo-nos à sua utilização como prerrogativa da nossa inserção na vida moderna.
Com isso, usufruímos da oportunidade de adquirirmos conhecimentos novos e de fácil acesso, mas somos também bombardeados com notícias chocantes rotineiramente, que no princípio nos agridem, causam indignação, medo e desconfiança nas coisas e nas pessoas, mas, aos poucos vamos “nos acostumando” com o sinistro, e estes naturalmente passam a compor o rol das informações recebidas e o que era chocante, passa a ser banalizado, tornando-se corriqueiro e não mais nos agredir aparentemente.
Normalmente, não refletimos no quanto esses fatos estão mexendo com as nossas emoções. O que sabemos, é que no início elas são exacerbadas através de insistentes comentários, mas depois, sutilmente vão interferindo no nosso humor, na nossa visão de mundo, e por ser um processo contínuo pela freqüência com que somos expostos a essas circunstâncias, passamos a adotar padrões de adoecimento imperceptíveis aos leigos, porém, sob o olhar dos estudiosos do comportamento humano, percebem-se como essas características da cultura moderna têm afetado nossa saúde mental.
Analisando essa dinâmica, vemos imprimir no nosso psiquismo clichês de tragédias: menina atirada pela janela; menino arrastado nas ruas em alta velocidade por assaltantes; pai que estupra filha; filhos que assassinam pais; comprometimento com drogas que desestruturam famílias; jovens envolvidos com narcotráfico, sem contar outras exposições prolongadas de acontecimentos desorganizadores naturais como: tsunamis, furacões, enchentes devastadoras, acidentes aéreos e há mais de uma ano, estamos enfrentando a pandemia da Covid 19 ameaçando o mundo e ceifando vidas incontáveis todos os dias!
Segundo o psiquiatra José T. Thomé, Coordenador da Comissão Técnica sobre Intervenções em Desastres e Catástrofes, as notícias contínuas sobre a violência urbana, o terrorismo provocado por grupos radicais e a crise econômica mundial, vão aos poucos minando as nossas resistências e representando condições desencadeadoras de adoecimento físico e principalmente emocional. Esses relatos minuciosos e intermitentes tornam suscetíveis tanto às pessoas que passam pelo flagelo principal, quanto àquelas que indiretamente participam da situação.
E nós como espectadores, vamos nos envolvendo com essas ocorrências e nos submetendo a essas vivências emocionais geradas a partir de fatos reais que provocam em nós percepções ameaçadoras da realidade, fazendo emergir do nosso inconsciente, todos os grandes temores humanos simultaneamente que geram estresse emocional e que podem evoluir para um quadro de desajuste psíquico.
Estudos realizados pela Associação Mundial de Psiquiatria e Comissão de Saúde Mental das Nações Unidas, revelam que até 20% das populações expostas a situações limite (furacões, enchentes, doenças que assolam países, fome, miséria, óbitos coletivos) podem desenvolver algum tipo de patologia mental durante e posteriormente a esses acontecimentos, ou seja, pessoas até entã tidas como saudáveis, saudáveis precisam recorrer a tratamento psiquiátrico para prevenir ou minimizar sua propensão ao adoecimento mental.
Assim, as reflexões contemporâneas sobre o assunto, têm ressaltado o papel da Psiquiatria e da Psicologia frente às necessidades de atendimento à sociedade globalizada, sugerindo novos modelos de intervenção em situações de catástrofes. Com isso, tem-se ampliado o campo da saúde mental que passou a incluir uma nova disciplina, a Ecobioética, que estimula a mudança de paradigmas para enfrentar e intervir na realidade, confrontando as relações do homem com o próprio homem e o ambiente em que ele vive, com o interesse de promover um desenvolvimento saudável, adotando o conceito de “transdisciplinariedade”, ou seja, a inclusão de intervenções de vários profissionais de diferentes áreas para uma melhor compreensão do problema.
Essa proposta entende que o equilíbrio emocional de todos os indivíduos submetidos continuamente à exposição de fatos chocantes, tende a ficar comprometido durante um período ou desencadear outros transtornos mais graves, dependendo da estrutura mental de cada um, cujos sintomas podem surgir através de defesas neuróticas como, por exemplo: medo de sair de casa, medo de viajar de avião, visões em “flashback” de catástrofes ou outros sintomas depressivos como: apatia, desesperança ou ainda fobias e outros quadros que poderão evoluir a partir desses, podendo originar até desajustes sociais e familiares.
Isso se explica porque o ser humano tem necessidade de fundamentar sua vida emocional em uma rotina de desenvolvimento planejada e segura, mesmo que competitiva, mas equiparada àqueles com quem convive. E quando ele não vivencia a segurança que a sociedade organizada deve lhe oferecer, responde com desequilíbrio emocional, por estar pouco preparado para lidar com o inesperado, mesmo que seja por intermédio de informações através da mídia.
As notícias e cenas mostradas de modo intermitente podem provocar uma das mais nocivas percepções psicológicas, ou seja, a constatação de que não somos responsáveis pelo nosso próprio destino e que tudo aquilo por que lutamos e construímos, pode ser destruído de um momento para outro. Essas percepções por sua vez, podem originar sentimentos de impotência, desesperança e até de desamparo, que podem levar o ser a descrença e abandono das convenções sociais, podendo em alguns casos gerar comportamentos destrutivos ou frustrações que a pessoa não sabendo como manejá-las, pode adoecer.
Assolado por essas vivências emocionais traumáticas, o psiquismo humano para se defender, pode ainda desenvolver um mecanismo denominado “identificação projetiva” em que o indivíduo vivenciando emoções oriundas de cenas trágicas, passa a vivê-las através do personagem em foco, podendo entrar num processo de vitimização que os torna reféns das tragédias, impedindo sua capacidade de resiliência (resistência) podendo essas incapacitações ser ao longo do tempo até encampadas pelo inconsciente coletivo.
Temos observado como a mídia tem focado com tanta freqüência essas reportagens, e por outro lado, nos deparamos na nossa prática clínica com as múltiplas tentativas de processamento dessas notícias por parte da população, que resolvemos analisar as diferentes assimilações subjetivas trazidas pelos nossos pacientes e constatamos o quanto essas vivências emocionais têm causado sofrimento psíquico às pessoas.
Isso nos estimulou a refletir profundamente sobre o assunto e nos debruçarmos sobre as referências teóricas que abordam o problema, daí me sentir motivada a escrever este artigo, oferecendo essas informações e ressaltando o papel da Psicologia na reflexão sobre esse tipo de demanda da sociedade contemporânea, não só no sentido de proporcionar atendimento às pessoas adoecidas, mas, sobretudo de esclarecer a população sobre o momento crítico em que estamos vivendo.
Espero ter podido contribuir para pensarmos um pouco mais criteriosamente sobre o assunto e podermos não só fazer opções por programações interessantes e instrutivas, que proporcionem estarmos atualizados, mas, sobretudo saudáveis.
(*) Leila Dittmar Moreira é psicóloga.