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O pólen é bem mais importante do que parece

Caroline Trevelin e Eliane Kaltchuk dos Santos (*) | 14/11/2022 13:30

Você provavelmente já deve ter ouvido falar de um tempero chamado açafrão-verdadeiro. Além de ser muito conhecida na gastronomia mundial, a especiaria extraída da espécie Crocus sativus é uma das mais caras do mundo, tendo seu valor por grama similar ao do ouro. Essa planta pertence à família Iridaceae, extremamente diversa na região neotropical.

Apesar de não existirem populações naturais de açafrão-verdadeiro no Rio Grande do Sul, a família Iridaceae apresenta uma grande diversidade de espécies vegetais com importância ecológica e potencialmente ornamental em nosso Estado. Entre elas, destaca-se um pequeno gênero de plantas denominado Herbertia. Essas pequenas flores costumam aparecer durante a primavera, entre os meses de outubro e dezembro, no meio das gramíneas. Na espécie mais comumente encontrada, denominada Herbertia lahue, é possível diferenciar distintos citótipos (variações cromossômicas) através da morfologia floral:

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Apesar de ser a mesma espécie, cada uma dessas flores apresenta uma quantidade de DNA e de cromossomos diferente, representando distintos citótipos, fenômeno conhecido como poliploidia. Seres humanos não podem ser poliploides: nós somos diploides, o que significa que temos dois conjuntos de cromossomos, sendo um deles herdado do pai (através do espermatozoide) e outro herdado da mãe (através do oócito). Dizer que uma espécie é poliploide significa dizer o seu genoma é composto por três ou mais conjuntos de cromossomos, fato bem comum em diversos táxons de plantas, visto que a poliploidia foi essencial na história evolutiva do grupo das angiospermas.

Espécies consideradas poliploides podem apresentar aspectos ecológicos, morfológicos, fisiológicos e reprodutivos diferentes dos diploides. Em relação aos aspectos reprodutivos, o grão de pólen se torna uma ferramenta essencial a ser analisada, pois participa diretamente da reprodução das plantas, configurando-se o gametófito masculino destas. Com tais fatos em mente, objetivamos identificar e caracterizar a quantidade, o tamanho, a morfologia e a porcentagem de grãos potencialmente férteis de pólen em Herbertia, para determinar se havia diferença entre os citótipos do gênero: diploides, tetraploides, hexaploides e octaploides.

Com o trabalho intitulado “Análises polínicas no gênero Herbertia”, vencedor do prêmio de Jovem Pesquisador do Instituto de Biociências da UFRGS, foi possível descobrir algumas informações relevantes que colaborarão para o conhecimento do comportamento de espécies poliploides do Pampa.

Um desses dados é que a quantidade de pólen foi muito menor em espécies poliploides do que nos diploides. Estudos anteriores do nosso grupo já mostraram que dois citótipos de Herbertia lahue são autocompatíveis e capazes de autofertilização, enquanto experimentos de biologia reprodutiva configuraram as flores do citótipo diploide como autoincompatíveis, sugerindo que esse citótipo se encontra mais comprometido com a polinização cruzada. A literatura aponta que a verdadeira reorganização genômica provocada pela poliploidia pode auxiliar na adoção de estratégias reprodutivas distintas por indivíduos poliploides, como a propagação clonal através de bulbos e a autofertilização, que ocorre em Herbertia.

Outra constatação foi de que o potencial de grãos férteis é igual tanto para poliploides como para não poliploides. Tal resultado indica que os poliploides já possuem uma meiose regular, encontrando-se bem estabelecidos na natureza e sendo capazes de produzir grãos de pólen viáveis. O contrário ocorre para alguns poliploides que apresentam dificuldades na reprodução devido a problemas meióticos, como é o caso da banana. Por ser triploide, apenas sementes estéreis e pequenas são produzidas no fruto, o que se torna especialmente útil para a indústria alimentícia.

Uma terceira observação é que o tamanho dos grãos de pólen variou, de maneira que os poliploides com mais quantidade de DNA tiveram grãos maiores do que os diploides. Atribuímos isso ao “efeito giga”, em decorrência do qual células com maior quantidade de DNA tendem a possuir um volume maior e, portanto, maiores medidas de grãos de pólen. Apesar do “efeito giga” não ser uma regra unificada, existem plantas que apresentam frutos, sementes, folhas ou raízes maiores quando são poliploides, tornando essa característica importante em programas de melhoramento genético. Exemplificando: o morango que encontramos no mercado é um poliploide, o que faz com que apresente maiores dimensões.

Por fim, conclui-se que poliploides e diploides possivelmente seguiram rotas evolutivas distintas, que ainda deverão ser mais bem exploradas em estudos posteriores e multidisciplinares. Quem sabe possamos utilizar Herbertia, um gênero nativo do Brasil, como um futuro modelo evolutivo no Pampa?

(*) Caroline Trevelin é graduanda em Ciências Biológicas (Bacharelado) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

(*) Eliane Kaltchuk dos Santos é professora titular do Departamento de Genética do Instituto de Biociências (UFRGS).

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