O quanto a crise de energia e escassez de insumos atrapalhará a safra?
Vamos às reflexões dos fatos e números do agro em outubro e à lista do que acompanhar em novembro. Na economia mundial e brasileira, o fato do mês é a crise energética mundial, que vem trazendo graves impactos. Visando a reverter a situação e a escassez de carvão mineral, autoridades chinesas estão adotando medidas para intensificar a produção nas principais regiões mineradoras do País, devendo adicionar mais de 100 milhões de toneladas à atual capacidade. Com isso o governo chinês busca aumentar a oferta de sua principal fonte, reequilibrando o preço e minimizando os estragos ao setor industrial, decorrentes do racionamento energético.
Na Índia a situação é ainda mais preocupante. O país se encontra com baixos estoques de carvão mineral em suas termoelétricas, que respondem por 70% da geração de energia do país. No entanto, a produção interna é limitada, gerando a necessidade de importação. Especialistas afirmam que a crise pode se estender por até seis meses no país. Consequência das crises nesses países pode ligar um sinal de alerta no mundo todo!
O cenário de inflação vem se agravando na economia nacional. A taxa acumulada nos últimos 12 meses atingiu 10,25%, superando os dois dígitos pela primeira vez desde fevereiro de 2016. A energia elétrica e o gás são considerados os grandes vilões dessa história, com aumentos de, respectivamente, 28,8% e 34,67%, no período de set. de 2020 a set. de 2021. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em setembro alcançou 1,16%, valor mais elevado para o mês desde 1994, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A intensidade da inflação tem levado o governo a dosar aumentos na taxa Selic, agora em patamares de 6,25%.
Segundo o relatório do Banco Central do Brasil (Bacen) de 18 de outubro, a inflação deve fechar 2021 em 8,69% e voltar a patamares mais controlados de 4,18% em 2022. Assim, a Selic deve ser ajustada para controlar esse cenário, projetada em 8,25% no final deste ano e em 8,75% no próximo. Por sua vez, o PIB deve crescer 5,01% em 2021 e 1,50% em 2022, enquanto no câmbio espera-se R$ 5,25 em ambos os fechamentos.
No agro mundial e brasileiro, o índice de preços de alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) atingiu 130 pontos no mês de setembro, alta de 1,2% frente a agosto, alcançando seu maior patamar dos últimos dez anos. O crescimento no último mês foi impulsionado pelo aumento nos preços dos cereais em 2%, principalmente trigo e arroz; óleos vegetais em 1,7%; e leite em 1,5%. Diversos fatores inferem sobre esse comportamento, como a alta nos preços de petróleo (maior custo de produção e transporte de alimentos); a falta de mão de obra nos períodos de pandemia; a demanda aquecida com a retomada econômica; problemas na oferta, entre outros. Aglomeram-se os problemas.
Ainda no cenário internacional, o relatório de outubro do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), relativo à safra global 2021/22, estimou um volume de milho 0,1% maior nos EUA este mês, de 381,5 milhões de toneladas (+6,4% na comparação com a safra 2020/21). A União Europeia também apresentou um acréscimo neste relatório, com uma produção prevista em 66,3 milhões de toneladas (+1,2%); no comparativo com a safra passada, o aumento é de 2,9%. No total, a produção global pode atingir 1.198 milhões de toneladas, +7,4% maior que em 20/21. Na China, a produção deve ficar em 273 milhões de toneladas (+4,7%); no Brasil em 118 milhões de toneladas (+37,2%); e a Argentina deve produzir 53 milhões de toneladas (+6,0%). Não houve alteração para os três países neste mês. Já os estoques globais do cereal foram ampliados para 301,7 milhões de toneladas contra 297,6 milhões do relatório anterior, e 289,9 milhões da safra 2020/21.
Na soja, o USDA ampliou a produção norte-americana em 1,7% neste mês; de 119,04 para 121,06 milhões de toneladas. Os volumes foram mantidos para o Brasil em 144 milhões de toneladas, 5,1% maior que a produção de 2020/21. Já a produção da Argentina foi reduzida em um milhão de toneladas, de 52 milhões de toneladas (setembro) para 51 milhões neste mês (-1,9%). Com isso, a produção global da oleaginosa deve ficar em 385,1 milhões, 5,4% maior que a da safra 2020/21. Por fim, os estoques foram estimados em 104,6 milhões de toneladas; alta de 5,8% em comparação com o relatório passado e de 5,4% em relação à safra 2020/21. Ou seja, já se observa reação na oferta, que pode ser baixista aos preços, a depender do comportamento do consumo.
Em seu primeiro boletim para a safra de grãos 2021/22, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta produção de 288,61 milhões de toneladas, aumento de 14,2% frente ao ciclo passado, em uma área cultivada total de 71,5 milhões de hectares (+3,6%). Na soja, é esperada uma produção de 140,75 milhões de toneladas (+2,5%), considerando uma área semeada de quase 40 milhões de hectares (+2,5%). Por sua vez, no milho verão devemos produzir 28,33 milhões de toneladas (+14,5%), somando 4,41 milhões de hectares (+1,6%). Finalmente, o volume esperado de pluma de algodão é de 2,68 milhões de toneladas (+13,7%), fruto da área plantada estimada em 1,51 milhão de hectares (+10,2%). O otimismo com relação aos preços segue sendo o grande motivador do aumento da área cultivada.
Na atualização de setembro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estimou o Valor Bruto da Produção (VBP) Agropecuária em R$ 1,103 trilhão, um avanço de 10,0% em comparação com o registrado em 2020. Desse total, R$ 746,82 bilhões serão entregues pelas lavouras (67,7%) e outros R$ 356,71 bilhões pelas cadeias da pecuária (33,3%). Para os dois segmentos, o crescimento anual será de 12,0% e 6,1%, respectivamente.
As exportações de setembro do agronegócio brasileiro atingiram novo recorde para o mês, US$ 10,10 bilhões, sendo 21% superior à cifra do mesmo período de 2020, de acordo com estatísticas do Mapa. Esse resultado é atribuído principalmente ao aumento nos preços internacionais das commodities (+27,6%), uma vez que o volume de produto embarcado caiu (-5,1%). Por sua vez, as importações do agronegócio totalizaram US$ 1,25 bilhão, alta de 19,2%. Assim, o saldo da balança comercial do setor alcançou US$ 8,85 bilhões em setembro, valor 16,3% maior que o de 2020. No acumulado, o setor já exportou algo próximo a US$ 94 bilhões neste ano.
Líder na pauta de exportação, o complexo soja foi responsável por vendas de US$ 3,19 bilhões (+50%), com preços médios dos grãos superando os US$ 500/tonelada. Já as carnes consolidaram novo recorde de embarques para o mês com US$ 2,21 bilhões (+62,3%), sendo quase US$ 1,2 bilhão na carne bovina (+77,7%), resultado impressionante mesmo com a suspensão temporária das exportações à China devido a casos isolados de “vaca louca” atípica. Na terceira colocação aparecem os produtos florestais, somando US$ 1,15 bilhão (+23,8%), também com novo recorde para o mês. Na sequência, o complexo sucroenergético vendeu US$ 965 milhões (-10,1%) ao mercado externo, com o açúcar respondendo por 87% dessa cifra. Por fim, o setor de cereais, farinhas e preparações comercializou US$ 624,19 milhões (-43,2%), reflexo da falta de disponibilidade de milho no mercado doméstico com a quebra da safrinha 2020/21.
De acordo com um levantamento da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a escassez global de containers já gerou um impacto negativo de pelo menos US$ 1 bilhão sobre as receitas de exportações do agronegócio brasileiro. O setor de café foi o mais prejudicado até então, com impacto estimado em US$ 500 milhões entre maio a agosto, enquanto aves, suínos e ovos tiveram prejuízos de US$ 436,9 milhões entre janeiro a julho. Representantes do setor na câmara pedem um plano urgente para escoar as cargas que estão paradas nos portos. Críticas recaem também sobre a concentração no mercado de cargas marítimas, uma vez que as cinco maiores empresas detêm 65% do mercado no nível global.
Entre os cenários de seca e geadas que afetaram as culturas agrícolas brasileiras no primeiro semestre, estima-se que as perdas na produção de café superam as 500 mil toneladas, volume suficiente para atender à demanda dos americanos durante quatro meses. Torrefadores e varejistas do mundo todo estão buscando novos fornecedores para atender sua demanda, o que elevou drasticamente os preços. Considerando os últimos 12 meses, o indicador Cepea saltou 134%, alcançando US$ 226/saca. Especialistas afirmam que a lacuna de oferta pode permanecer por alguns anos.
A crise energética na China, mencionada no início desta coluna, traz impactos para o agronegócio brasileiro, visto que o país asiático é um dos maiores fornecedores de insumos para fabricação de defensivos agrícolas. Como muitas indústrias chinesas estão com a produção limitada visto o racionamento energético, surgem dúvidas quanto à capacidade de abastecimento. Com a oferta restrita, os preços seguem aumentando. O glifosato, por exemplo, já está 233% mais caro que em 2020. Podem ocorrer casos de dificuldade de abastecimento.
Ainda no setor de insumos, as entregas de fertilizantes em 2021 devem alcançar 44 milhões de toneladas, um crescimento de 8% frente às 40,56 milhões de toneladas do ano anterior. O cenário só não é mais favorável devido ao problema global de logística marítima, enfrentado nos últimos meses. Para o segundo semestre de 2021, estima-se que as negociações de fertilizantes já estejam praticamente finalizadas, enquanto, para o primeiro semestre de 2022, 34% dos insumos demandados já foram negociados. O problema maior se continuar a crise de energia no mundo seria para a segunda-safra e para a safra do Hemisfério Norte, a ser plantada em abril/maio de 2022. Temos que torcer para produtores não terem um comportamento de corrida às compras visando estoques que podem não ser usados, complicando a vida de outros produtores. Devemos ter muita ação coletiva nestes momentos de escassez.
O Brasil vem se tornando referência no descarte das embalagens dos defensivos agrícolas, graças ao Sistema Campo Limpo, programa gerenciado pelo inpEV (Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias). Atualmente, o agronegócio brasileiro apresenta um índice de cerca de 94% no encaminhamento sustentável das embalagens comercializadas no Brasil. Desde a criação do programa de logística reversa pelo inpEV, em 2002, mais de 630 mil toneladas de embalagens vazias tiveram destinação correta. Além da redução no impacto ambiental, a implementação do programa em nível nacional gerou uma economia de 36 bilhões de mega joules, valor suficiente para abastecer 5,2 milhões de casas por um ano. Além disso, o sistema evitou o lançamento de 823 mil toneladas de CO2 eq. na atmosfera, o mesmo que 1,8 milhão de barris de petróleo.
A Cocamar Cooperativa Agroindustrial, sediada em Maringá (PR), deve inaugurar em dezembro a sua planta de produção de biodiesel. A unidade, que contou com R$ 40 milhões de investimentos e integra o plano estratégico da companhia, terá capacidade para moagem de 1.500 toneladas de soja por dia, produzindo diariamente até 300 toneladas do biocombustível. Outra unidade produtora de biodiesel deve ser construída em Tomé-Açu, no Estado do Pará, e foi anunciada recentemente pela empresa gaúcha Oleoplan. A planta vai contar com R$ 148 milhões em investimentos e, quando em funcionamento, deve gerar mais de 50 vagas de emprego no município.
Dados do Relatório Global do Estado da Economia Islâmica indicam que o Brasil é o maior exportador de produtos halal do mundo, totalizando receita de US$ 16,2 bilhões. Essa categoria de produtos atende às necessidades específicas para os muçulmanos, ancoradas no código da lei islâmica. Além disso, já existem 1,9 bilhão de consumidores muçulmanos e estima-se que devam atingir um terço da população global até 2060. É um mercado que precisamos ficar de olho.
Para a pecuária, apesar das exportações terem aumentado, os preços da arroba caíram, principalmente pela redução de abates com a incerteza de como serão os próximos meses. É uma situação que precisaria ser de momento, para não atrapalhar a recuperação do setor.
Esta nova fase de escassez de energia e insumos no mundo deve trazer impactos positivos para empresas de produtos alternativos (energia, biológicos…); empresas que permitam economia no uso de recursos (eficiência de aplicação, gestão por metro quadrado), empresas que potencializem o compartilhamento de ativos (mecanismos que facilitem encontros de ofertantes com estoques e compradores precisando), entre outras.
E ao governo, três ações imediatas: redução do ICMS sobre combustíveis (com o grande aumento de preços e aumento do consumo, a arrecadação ficou maior para os Estados, daria para fazer um alívio temporário), buscar entendimento político entre os três Poderes face a esta crise mundial, para diminuir os problemas das variáveis sob nosso controle, acalmar os mercados e despejar dólares no mercado para trazer o câmbio para uma posição de maior equilíbrio e tentar controlar a inflação.
Para concluir a nossa análise geral do agro, os preços dos principais produtos no fechamento desta coluna eram: a soja para entrega em cooperativa de São Paulo estava em R$ 165,50/saca e R$ 150/saca para fevereiro de 2022. Há um ano estava em R$ 147/saca. No milho, a cotação atual está em R$ 88,00/saca e a entrega em maio de 2022 fechou em R$ 86/saca (B3). Há um ano estava em R$ 64/saca. O algodão fechou em R$ 194/arroba e estava em R$ 108/arroba há um ano; e o boi gordo em R$ 270/arroba, sensivelmente abaixo do mês passado.
Os cinco fatos do agro para acompanhar em novembro são:
• Outubro vem sendo bem melhor em termos de clima. Acompanhar diariamente torcendo pela velocidade de plantio da primeira safra, visando principalmente a ajudar a segunda para que esta saia mais do período de seca;
• Os impactos das restrições de exportação de carne bovina, que derrubaram a arroba, torcendo para a rápida abertura da China, que vem dando trabalho;
• A grave situação mundial de crise energética (escassez de carvão, preços do petróleo, do gás natural e outros). Acompanhar dia a dia o que acontece na China, Índia e em outros produtores de químicos e fertilizantes para entendermos o que serão os próximos meses;
• A atuação do governo em relação ao câmbio;
• A finalização da safra americana em outubro/novembro. Acompanhar os números finais do USDA a serem divulgados e as expectativas de plantios e produtividades da safra do Hemisfério Sul, principalmente o Brasil. O quanto uma possível escassez de produtos pode afetar a produtividade desta é a pergunta do mês, uma vez que área estimada deve ser quase toda plantada.
(*) Marcos Fava Neves é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP.