Pensar a educação como sinônimo de mudanças
Trabalhar a escrita de um material ou mesmo de um artigo relacionado à educação é algo desafiante. Requer o entendimento que se trata de uma temática muito ampla. Ao final deste desafio uma vez abraçado contribui-se para reflexões pontuais ligadas a essa importante temática da vida nacional.
Visto que a educação no Brasil está ligada à ação de instituições públicas, privadas e confessionais, irei me ater aqui ao contexto que tenho vivenciado há 25 anos como educador, no caso, no chão da escola publica. Ainda que, durante esse um quarto de século, tenha transitado nos meios educacionais privados e confessionais, por vezes como docente, em outros momentos como discente, ficarei restrito ao ambiente da educação publica, visto que temos aqui espaço limitado que, por ora, nos limitam a tratarmos das ações de instituições privadas e confessionais com relação à educação.
Os brasileiros têm um dever muito especial de conhecerem a história da educação brasileira, desde os seus primórdios, quando da chegada dos jesuítas por aqui para desempanharem o ofício que lhes foi passado, o de educarem a recém colônia "descoberta" e tomada à força pela Coroa portuguesa. Esse conhecimento específico faz com que o país olhe para os caminhos tortuosos que a educação brasileira percorreu no início. É o ato que contribuirá para que, no presente, a educação seja vivenciada em termos inclusivos e com foco também na minimização das desigualdades ainda existentes, vislumbrando-se um futuro com maiores possibilidades de dignidade e justiça para os brasileiros.
A educação, por vezes, contribui com a perpetuação da dominação das elites sobre as classes mais vulneráveis, em termos históricos. Quando lembramos do grande patrono da educação pública brasileira, o professor Paulo Freire, pode ocorrer também o contrário, a educação trazer oportunidades concretas pelas quais haja resistência à dominação. Neste caso temos a educação como ato político, pelo qual haja conscientização que traga despertamento para uma consciência crítica aos cidadãos envolvidos na comunidade escolar, cidadão esses que sejam despertados na busca por mudanças concretas para si e para o país.
Mais do que se estudar, pensar em educação tem a ver com a formação de cidadãos. São esses os cidadãos que repensarão de formas concretas uma reescrita da história do Brasil, pela qual não mais somente as elites venham a ditar as regras e as ordens a serem seguidas e obedecidas. É o limiar de um novo tempo, com a ascensão de novos protagonistas que passam a liderar também os rumos desta nação.
Para muitos, a educação não possui a força e o potencial para a mudança acima descrita. No entanto, a caminhada das últimas décadas tem provado que, sim, por meio da educação, outros atores emergem pela confecção de novas páginas da história deste país tão sofrido com injustiças e marginalizações históricas advindas desde os primórdios da sua colonização. Aqui entram a grandeza e as estratégias de alcance da educação pública brasileira em favor de outras mudanças objetivadas pela população nacional, especialmente as massas mais desfavorecidas.
A crise na educação nacional é antiga, não apenas uma realidade atual. Uma análise mais acurada do assunto mostra o quanto a educação foi colocada à disposição apenas das elites, quando dos capítulos que compuseram a formação histórica da nação que se tornou o Brasil. Vários grupos, desde o início, foram colocados às margens desse processo, exemplos foram os escravizados africanos, os povos indígenas e os pobres, os quais eram deixados de lado, não somente quando eram pensados e praticados os elementos colonizadores do nosso país, isso desde a chegadas dos europeus por aqui. Apesar de todo esse olhar meio que melancólico a esse passado iniciado há 523 anos, surgem expectativas muito inspiradoras e motivadoras com aquilo que educação pode proporcionar ainda a este país.
Com a vitória das Diretas Já, a queda da Ditadura Militar e a redemocratização do Brasil, muito mais perspectivas de mudanças passarão a ocorrer. A educação ficou cravada como um dos doze direitos sociais de todo brasileiro, segundo a Constituição Federal de 1988. Segundo a mesma Carta Magna, além de ser um direito de todos, é dever não somente do Estado, como também da família a concretização desse direito social. Assim, a educação deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. É também princípio constitucional a garantia do direito à educação. Por mais que até hoje muita coisa esteja somente no papel ou em um discurso com pouca prática, os passos iniciais foram dados.
A educação, portanto, vem a ser um dos meios para um crescimento sustentável, em termos de país, onde não mais se tenham ciclos viciosos, mas seja o lugar de importância a um ciclo virtuoso. Um crescimento não somente sentido no quesito de produção de bens e riquezas para o país, como também com a possibilidade real na melhoria e qualidade de vida dos cidadãos na saúde, segurança, bem estar, menores índices de criminalidade, ganhos financeiros e salários muito mais dignos e uma expansão na participação política popular. A educação que sai do papel e de meras leis para uma realidade de mudanças concretas.
Os anos se passaram e notou-se claramente que, quando é alcançada uma escola com maior qualidade, inúmeros aspectos sociais acabam sendo concretizados, como, por exemplo, a redução de taxas de homicídios e de violência doméstica. Relatos de experiências nesse sentido são ecoados de várias regiões do país, com destaques para locais e comunidades por anos esquecidos pelo progresso e desenvolvimento almejados para o Brasil por outros meios. É a educação que chega com a força da inclusão e tendo como alvo grupos minoritários que hoje passam a não mais ser invisibilizados.
As mudanças foram reais nas últimas décadas, porém os desafios continuam. Em um tempo mais recente, a situação educacional no país teve uma significativa piora na fase mais aguda da Pandemia da Covid-19. Pesquisas mostraram uma enorme perda de aprendizagem dos alunos por todo o Brasil, com destaque para os resultados negativos ocorridos na etapa inicial que é o da alfabetização. Com o retorno das aulas presenciais, após quase dois anos de escolas fechadas, gestores escolares, coordenadores pedagógicos, professores e demais profissionais da educação pública brasileira têm se esforçado ao máximo para que sejam superados todos esses déficits oriundos do afastamento longo que os alunos tiveram da sala de aula.
Quando falamos em melhorias contínuas para a educação no país, impossível não se reportar a um alvo que deva existir no sentido de que, de forma responsável, os governantes realizem investimentos substanciosos nesta área. Exemplos desses investimentos são diretamente ligados à valorização dos professores e maiores investimentos na infraestrutura das escolas Brasil afora, realidades que devam existir não somente nos grandes centros urbanos, mas em cada canto do país, com destaque para as regiões rurais, comunidades quilombolas, povos indígenas e povos tradicionais, grupos estes que precisam ser alcançados com o olhar de empatia dos gestores públicos.
Essas comunidades mais afastadas dos grandes centros urbanos que, comprovadamente, por anos, têm sido esquecidas das ações educacionais, precisam agora ser lembradas. Claro que experiências de superação nessas localidades têm surgido e isso leva-nos a pensar em perseverança, quando o assunto é continuarmos na luta por um maior alcance de ações junto a essas populações mais desassistidas.
Um dos aspectos a serem melhorados tem a ver com as políticas públicas ligadas à educação. As mesmas precisam ser ligadas a ações de estado e não a ações de determinados governos. Exemplo dessa situação desafiante foi a vivenciada pelo Brasil nos últimos quatro anos, com relação à educação. No Governo de Jair Messias Bolsonaro, o Ministério da Educação (MEC), experimentou inúmeros cortes no seu orçamento, o que afetou frontalmente os ensinos básico e superior. Escolas não foram contempladas com auxílios no período mais drástico da Pandemia da Covid-19. Políticas públicas para o enfrentamento da defasagem educacional, no referido período, praticamente foram nulas. Uma luz de esperança começa a surgir, quando se vê o atual governo federal, sob a liderança do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ter na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição garantido 10 bilhões de reais a mais para a educação, com foco especial ao reajuste da merenda escolar, em uma clara política pública de estado. Destaque especial semelhante aos reajustes nos valores das bolsas de pós-graduação, logo no início do atual governo federal. É um recomeço, cremos, de uma nova fase em que o estado volte-se com maior atenção concreta a essa importante área que é a educação.
Em um recorte mais atual, às vésperas das eleições municipais que ocorrerão no ano de 2024, é necessário que o Brasil aprenda a cobrar de seus candidatos aos postos legislativos e executivos locais planos de governo diretamente ligados à educação. Pensar sobre isso também é lembrar que, neste primeiro ano de mandato dos políticos eleitos no ano anterior, este é o tempo de cobrarmos de nossos governantes, agora no poder, o que de concreto irão realizar pela melhoria da educação no país, algo que muitos deles trouxeram de promessas quando, em 2022, nos seus então palanques eleitorais. Isso é fazer frente a uma considerável parte do Brasil que coloca como prioridade apenas as cobranças relacionadas às pautas conservadoras. Uma parcela dos brasileiros que deixam de pôr em prática, como parte de um importante conjunto de prioridades, a atenção que deva ser dada à educação no país.
Por meio de uma educação pautada na excelência e na qualidade há conhecimento maior das realidades locais nos quais estejam inseridas as comunidades escolares. Aumenta-se então a possibilidade de outras intervenções no sentido de auxiliar na transformação para o melhor nesses meios.
(*) Kleber Gomes é Indígena terena e mestrando em Ensino de História pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).