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Pesquisadores do passado: a importância da preservação dos sambaquis

Anna Clara de Assumpção e Matias Ritter (*) | 11/08/2022 08:30

Os sambaquis (do tupi-guarani, tamba = concha, ki = amontoado) são construções arqueológicas constituídas principalmente por conchas de moluscos, mas são encontrados em menor quantidade ossos de animais diversos, artefatos e sepultamentos humanos. Eles foram construídos entre cerca de 10.000 e 1.000 anos atrás por grupos de pescadores-jardineiros e distribuem-se na região litorânea do Brasil – com maior expressividade entre Espírito Santo e Rio Grande do Sul.

É inegável a importância dos sambaquis dentro da Arqueologia, já que são praticamente a única fonte de informações sobre a cultura do povo sambaquieiro, mostrando qual a sua origem, como foi a evolução cultural dos povos e como era a relação deles com o ambiente.

Não obstante, os sambaquis também têm notoriedade dentro da Paleontologia, já que neles são encontrados organismos e sedimentos pretéritos. Dessa forma, eles servem de excelentes indicadores do ambiente, da biodiversidade e da biogeografia do passado, além de ser possível acessar informações sobre a introdução de espécies exóticas e sobre como mudanças climáticas e a antropização podem afetar os organismos.

Em estudo publicado em 2019, pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) observaram que o inventário de peixes (a partir de ossos e otólitos) de sambaquis nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo não difere estatisticamente da diversidade de peixes recentes. Assim, os sambaquis conteriam registros da composição de espécies de peixes e da biodiversidade pretéritas, sendo recomendados para estudos ecológicos de grande escala temporal.

Ainda dentro da Paleontologia, os sambaquis servem como arquivos do passado em uma área em franco crescimento: a Paleobiologia da Conservação. Essa temática propõe auxílio em problemas de conservação e restauração da biodiversidade com uma escala de tempo muito maior do que as utilizadas geralmente em planos de conservação e manejo, por meio de dados de registros do passado, como fósseis, diários de naturalistas e os próprios sambaquis.

Por exemplo, um estudo já revisou registros de restos de vertebrados e invertebrados em sambaquis localizados na Baía de Babitonga, Santa Catarina, e comparou com os registros atuais de fauna. Dessa forma, foi possível obter um retrato da biodiversidade passada, mostrando que doze espécies de animais encontradas nos sambaquis já não são registradas atualmente. Isso contribui para a conservação biológica da região, no sentido de prover informações inéditas para os planos de gestão e manejo.

Em artigo que publicamos neste ano, porém, foi visto que são necessários cautela e métodos adequados para inferir resultados sobre a mudança de tamanho corporal entre conchas atuais e antigas (presentes nos sambaquis) – com objetivo de conservação de uma espécie de molusco (o marisco-branco) –, pois eles coletavam, ou apenas se preservaram, as conchas maiores. De todo modo, podemos considerar os pescadores-jardineiros como pesquisadores do passado na Paleobiologia da Conservação.

Apesar de sua importância arqueológica e paleontológica, além de serem amparados pela Lei Federal 3.924/61 (que dispõe sobre os monumentos arqueológicos no território brasileiro), a conservação desses importantes monumentos naturais é incerta. 

No Litoral Norte do Rio Grande do Sul, os processos de urbanização e valorização imobiliária causam a ampliação das cidades e das oportunidades para que a população tenha melhores condições de vida, mas não é incomum observar o tráfego de veículos e motocicletas off-road sobre os sambaquis, a retirada ocasional de material como souvenir e a destruição por construções imobiliárias.

Para sanar essas problemáticas, algumas medidas têm sido apontadas, como: conscientização e educação patrimonial, incentivo ao turismo científico e ao ecoturismo, programas de salvamento e delimitação dos sítios, instalação de placas informativas e fomento à pesquisa arqueológica e paleontológica nos sambaquis.

Muitos municípios litorâneos possuem, em seus planos diretores e sistemas de planejamento e gestão do desenvolvimento, diretrizes acerca da proteção dos sambaquis e da educação patrimonial. Sabe-se, no entanto, que não são tarefas fáceis de serem aplicadas ou seguidas em todos os sítios.

Um exemplo é o município de Arroio do Sal, RS, que engloba no plano diretor medidas para proteção dos sambaquis. É notável nessa cidade o Parque Sambaquis da Marambaia, inaugurado em 2020, que conta com um museu e uma passarela para observação dos sambaquis. Infelizmente esses nobres esforços para proteção dos Sambaquis da Marambaia não têm sido suficientes para impedir sua depredação. Uma situação que não é exclusiva: muitos sambaquis pelo Brasil que possuem até cercamento continuam passando por adversidades.

Nesse sentido, os sambaquis precisam ter a importância que merecem e, quanto mais pesquisas forem feitas, mais informações poderão ser descobertas; por conseguinte, serão ainda mais notados para consolidar sua preservação.

(*) Anna Clara Arboitte de Assumpção é bióloga marinha, mestre em Geociências – Paleontologia e aluna de doutorado do Programa de Pós-graduação em Geociências (PPGGeo) da UFRGS.
(*) Matias do Nascimento Ritter é professor do Departamento Interdisciplinar do Câmpus Litoral Norte e orientador do Programa de Pós-graduação em Geociências (PPGGeo) da UFRGS.

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