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Precisamos falar dos incentivos fiscais à inovação tecnológica

Por Adolpho Bergamini (*) | 20/03/2024 13:30

O noticiário econômico está a todo vapor com as novidades fiscais e tributárias desde dezembro do ano passado. Primeiro, por causa da aprovação da Emenda Constitucional nº 132, que finalmente trouxe ao país a tão esperada reforma tributária do consumo. Muitos ficaram animados, mas sou cético quanto aos seus reais benefícios.

Depois, vieram alterações que colocaram os contribuintes nas cordas, como a modificação do modo como devem ser reconhecidos os incentivos fiscais de ICMS concedidos para atrair investimentos a estados e ao Distrito Federal, a revogação do Perse, as incansáveis tentativas do governo em reonerar a folha de salários, a taxação dos fundos exclusivos, a restrição à dedutibilidade dos juros sobre capital próprio, o aumento do ITCMD, sem contar algumas promessas futuras já anunciadas, como a tributação de dividendos.

O país precisa de boas notícias, especialmente de ordem tributária. Neste ensaio serão colocados pontos relacionados a um importantíssimo tema, que são os incentivos fiscais à inovação tecnológica concedidos pela Lei nº 11.196/05, a Lei do Bem.

É um mecanismo eficiente que impulsiona a pesquisa e desenvolvimento das empresas nacionais. Pode ser melhorado, e aqui serão colocadas essas possíveis melhorias.

Vamos esquecer por ora a fome de arrecadação do Fisco. Vamos abordar um tema que só pode trazer benefícios às empresas e à sociedade. Sejamos positivos. Vamos falar sobre os benefícios à inovação tecnológica.

Este artigo é inspirado na minha dissertação de mestrado defendida recentemente perante a FGV-SP. Os números aqui colocados são resultados de anos de pesquisa. Vamos lá.

Inovar é preciso - Desde o início das atividades econômicas no mundo, quem inova esteve — e estará — mais habilitado a ter melhores resultados. A partir da segunda metade do século 18, trabalhadores e corporações que não se adaptaram à revolução industrial perderam proeminência em desfavor daqueles agentes que investiram nas novas tecnologias.

No mundo atual, expressões “economia verde” e “economia digital” são cada vez mais recorrentes nos discursos de líderes mundiais e cada vez mais imbuídas na cultura empresarial. Inteligência artificial, robótica, genética e outros temas que eram de propriedade da ficção científica agora já são realidades.

Panorama dos benefícios da Lei do Bem

No Brasil, os maiores incentivos à inovação tecnológica estão na Lei do Bem. Em suma, são os seguintes:

(1) redução do IRPJ e da CSLL devidos nos exercícios, pelas deduções adicionais das despesas incorridas com pesquisa e desenvolvimento, que podem ser de 60% ou 80%, conforme artigos 17 a 19 da Lei nº 11.196/2005;

(2) redução de 50% do IPI incidente sobre máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados a serem utilizados em pesquisa e desenvolvimento;

(3) depreciação integral, no próprio ano de aquisição, para efeito de apuração do IRPJ e da CSLL, de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados a serem utilizados em inovação tecnológica;

(4) redução a zero da alíquota do IRRF devido nas remessas ao exterior para registro e manutenção de patentes.

Mas o levantamento dos dados constantes dos relatórios do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI) dão conta de que os benefícios da Lei do Bem não estão verdadeiramente impulsionando a pesquisa e desenvolvimento no país.

Em 2006 (primeiro ano de vigência da Lei do Bem), apenas 130 empresas solicitaram os benefícios vinculados a pesquisa e desenvolvimento. Em 2022, o número de adeptos cresceu para 3.493. Nesse período, o crescimento se mostrou estável e consistente ano a ano.

Entretanto, considerando o total de empresas existentes no país, o número de empresas participantes do regime de inovação tecnológica da Lei do Bem parece ser baixo.

É que, de acordo com dados oficiais informados pelo governo brasileiro, ao final do ano de 2022 o país contava com cerca de 20 milhões de empresas, mais precisamente 20.191.290.

Tomando-se o fato de que, no mesmo ano, 3.493 empresas praticaram atividades de pesquisa e desenvolvimento oficialmente reconhecidas como tais, então o que se tem é que apenas 0,02% das empresas brasileiras se empenham em inovação tecnológica.

Lucro real, Simples e lucro presumido - Há inúmeros fatores que podem explicar a situação acima apontada. Mas, do ponto de vista fiscal, há uma possível razão ao baixo número de corporações que fazem inovação. Essa possível razão está relacionada à condição imposta pela legislação, no sentido de que apenas podem participar do programa de inovação os contribuintes que apurarem o IRPJ e a CSLL pelo regime do lucro real. Parte significativa das pessoas jurídicas brasileiras não é optante pelo lucro real.

De acordo com informações divulgadas pela Receita Federal, 444.927 empresas receberam instruções para facilitar o preenchimento da Escrituração Contábil Digital (ECD) do ano de 2023, exercício 2022.

Considerando que apenas empresas do lucro presumido e do lucro real estão obrigadas à entrega da ECD, é factível concluir que, em 2022, 444.927 empresas estavam em um desses dois regimes, ou o equivalente a apenas 2,2% dos contribuintes. Há de ser concluído, por exclusão, que os 97,8% restantes estão sujeitos ao regime do Simples Nacional.

Mais ainda, considerando que o limite para opção do lucro presumido, de R$ 78 milhões, é expressivo, é factível assumir parcela significativa dos mencionados 2,2% estão no lucro presumido. Ou seja, não seria errado estimar que, hodiernamente, menos de 1% das empresas estariam sujeitas ao lucro real.

Aliado a isso, e seguindo a tendência de tais dados, se for considerado que, segundo as regras atuais, a fruição dos benefícios fiscais da Lei do Bem está condicionada à apuração de lucro, o índice de pessoas jurídicas sujeitas ao lucro real que são elegíveis aos incentivos fiscais à inovação pode ser inferior a 0,5% do total de empresas.

Para superar o reduzido número de empresas que acessam os benefícios fiscais da Lei do Bem, é importante que empresas optantes pelo Simples e pelo lucro presumido também possam fazê-lo. Afinal, as pequenas empresas, as startups, são responsáveis pela inovação no Brasil.

Considerando que cerca de 98% das empresas (do lucro presumido e Simples) são ignoradas pelo sistema, essa medida poderá ampliar significativamente o número de entidades participantes do programa e, em decorrência, aumentariam muito os investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

A ideia seria refletir os gastos com inovação nas frações de IRPJ e CSLL que compõem a alíquota única do Simples, ou mesmo na base presumida das empresas desse regime.

Não é só. Segundo dados dos relatórios do MCTI, em 2006 os gastos com pesquisa e desenvolvimento quantificaram cerca de R$ 2 milhões. Já em 2022 esse valor foi em torno de R$ 36 milhões.

O incremento do valor nominal é expressivo, entretanto, considerando que nesse mesmo período também houve aumento do número de participantes do programa da Lei do Bem, é de se concluir que o aumento dos investimentos não está relacionado ao apetite dos contribuintes em inovar, mas sim ao aumento do número de empresas que inovaram.

Essa afirmação tem base nas informações trazidas também pelo MCTI. Segundo ele, entre 2010 e 2015 os gastos com inovação giraram em torno de 0,5% da receita líquida auferida pela pessoa jurídica no exercício. Não há dados adicionais relativos a 2016 em diante, entretanto, os valores verificados entre 2010 e 2015 tendem a se repetir. Ou seja, os recursos empregados individualmente pelas empresas não são expressivos.

Números do exterior - Empresas estrangeiras investem mais em inovação quando comparadas às corporações brasileiras. Não foram localizadas informações a respeito da relação entre receitas e investimentos em inovação realizados por corporações mundo afora, mas, há indicativos de que as empresas nacionais realizam aportes menores em pesquisa e desenvolvimento se comparadas às estrangeiras.

Um estudo realizado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO) em 2012 listou o número de patentes registradas por países. De acordo com ele, EUA (2,2 milhões), Japão (1,6 milhão), China (875 mil), Coreia do Sul (738 mil), Alemanha (549 mil), França (490 mil), Reino Unido (459 mil) foram os países com maior número de patentes válidas em 2012.

Os países com menor número de registros foram Rússia (181 mil), África do Sul (112 mil), México (96,9 mil), Itália (68 mil), Finlândia (46,9 mil), Índia (43 mil), Brasil (41,5 mil) e Polônia (41,2 mil). Esse ranking em torno das patentes denota que os gastos em pesquisa e desenvolvimento por empresas brasileiras estão abaixo da média mundial.

Outro levantamento, de 2017, apurou que, naquele ano, a empresa que mais investiu em inovação foi a Amazon, direcionando US$ 16,1 bilhões de suas receitas para esses fins, seguida pela Alphabet (US$ 13,9 bilhões), Intel (US$ 12,7 bilhões) e Samsung (US$ 12,7 bilhões). Entre as empresas brasileiras a melhor colocada foi a Petrobras que, com US$ 600 milhões investidos, ficou em 238º lugar no ranking mundial.

Conforme a publicação, esse valor representa apenas 0,7% do faturamento da empresa. A Vale vem em seguida, com US$ 300 milhões investidos em inovação tecnológica, na 346ª posição, valor esse que representa queda de 25% em relação aos investimentos do ano anterior. A Embraer ficou na 510ª posição, com investimentos na ordem de US$ 200 milhões.

Já para o ano de 2018, segundo dados públicos que circulam na internet, a Samsung foi a empresa mais inovadora, investindo cerca de 13.440 bilhões de euros, e esses investimentos implicaram a ela um aumento de 19% em seus lucros anuais. A empresa brasileira mais bem posicionada no ranking mundial daquele ano foi a Embraer, em 323º lugar, seguida de Vale (387º lugar), Petrobras (449º), Totvs (1.010º), Weg (1.283º), CPFL Energia (1.699º) e Brasken (1.768º).

Comparativo e sugestões - Essas informações dão conta de que os investimentos em inovação por empresas brasileiras são pequenos quando comparados a corporações de outros países. Tendo-se em conta que, como verificado por meio da reportagem do jornal Folha de S.Paulo de 2015, o ímpeto à inovação tecnológica no Brasil está umbilicalmente relacionado aos benefícios fiscais da Lei do Bem, há a possibilidade de que os baixos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tenham relação com os limites de tais benefícios verificados na própria legislação, especialmente a impossibilidade de se apurarem “saldos negativos” de IRPJ e CSLL em função da utilização dos incentivos da Lei nº 11.196/2005.

Para tornar a Lei do Bem mais atrativa, de modo a incrementar mais ainda a inovação tecnológica no país, é necessário que os benefícios fiscais não tenham como limite o lucro apurado pelo contribuinte, conforme preconiza o artigo 19, § 5º, da Lei nº 11.196/2005, de modo a permitir que a utilização dos incentivos possa extrapolar o lucro tributável e dar origem a “saldos negativos” de IRPJ e CSLL.

Nessa medida, uma vez apurados os referidos saldos negativos, os valores poderão ser utilizados ao abatimento de outros tributos administrados pela Receita Federal, na forma estabelecida pelo artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, inclusive de contribuições previdenciárias, conforme o artigo 26-A da Lei nº 11.457, de 16 de maio de 2007.

Caso ainda reste saldo após as compensações, a proposta é que seja permitido aos contribuintes alienar o saldo credor a terceiros, desde que decorrente exclusivamente da utilização dos benefícios fiscais dos artigos 17, 19 e 19-A da Lei nº 11.196/2005.

O mesmo raciocínio pode se aplicar às empresas do Simples Nacional e do lucro presumido, que, na proposta já colocada acima, poderão usufruir dos benefícios da Lei do Bem.

Logo, também a elas ficará garantido o direito de apurar saldos credores, tanto do IRPJ e da CSLL, como também do PIS e da Cofins, em função da aplicação dos benefícios da Lei do Bem, e, do mesmo modo, a sugestão é que as empresas possam utilizar tais saldos na compensação com outros tributos administrados pela Receita, nos termos do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, inclusive com contribuições previdenciárias, conforme disposto no artigo 26-A da Lei nº 11.457, de 16 de maio de 2007.

Na hipótese de ainda haver saldo após as compensações, sugere-se que também seja permitido aos contribuintes alienar o saldo credor a terceiros, desde que decorrente da hipótese aqui prevista.

Outro ponto nevrálgico diz respeito ao desenvolvimento regional. Conforme os dados fornecidos pelo MCTI, a distribuição das empresas que realizam inovação tecnológica, bem como os valores investidos e benefícios concedidos, é muito desigual.

Mesmo com o aumento de empresas das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste ao longo dos anos no regime da Lei do Bem, sua participação nunca ultrapassou 10% do número total que realizam pesquisa e desenvolvimento.

Não há informações conclusivas sobre a origem da desigualdade na distribuição regional da pesquisa e desenvolvimento, mas, há algumas hipóteses. A primeira diz respeito ao próprio desenvolvimento econômico das regiões brasileiras, que historicamente é desigual e se deve a traços sociológicos, geográficos, climáticos e outros elementos que não se relacionam à temática do presente trabalho.

A segunda hipótese, que pode justificar o agravamento da desigualdade dos incentivos fiscais relativos à Lei do Bem, está no fato de que as empresas instaladas nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) recebem outros benefícios que não demandam nenhuma contrapartida relacionada à inovação, basta que tenham projetos de instalação e ampliação protocolados e aprovados até 31 de dezembro de 2023.

Em suma, para que empresas tenham redução de expressivos 75% do IRPJ pelo prazo de dez anos, precisam apresentar, e ter aprovados, projetos de instalação, ampliação, modernização ou diversificação de seus empreendimentos nas áreas de atuação da Sudam e da Sudene.

Não há nenhum elemento indicando a necessidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento, nos termos da Lei do Bem e com escrutínio do MCTI para atestar se a dita ampliação/modernização realmente se trata de inovação tecnológica.

Nesse contexto, com a expressiva redução dada à apuração do IRPJ, não há nada que incentive essas empresas a realizarem investimentos adicionais que diminuam ainda mais o imposto a pagar, como, por exemplo, gastos com pesquisa e desenvolvimento.

As diferenças regionais do país são históricas, culturais e de difícil resolução. Entretanto, do ponto de vista fiscal, as propostas para induzir mais atividades de inovação nos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são as seguintes:

(1) vincular o gozo dos benefícios da Sudam e Sudene à aplicação de, no mínimo, 0,5% da receita líquida dos contribuintes em pesquisa e desenvolvimento;

(2) conferir aos estados da região Centro-Oeste, bem como o Distrito Federal, benefícios semelhantes aos da Sudam e Sudene, vinculando-os também aos investimentos em inovação tecnológica.

Enfim, o debate político fiscal deve sofrer uma guinada. A sociedade e os órgãos constituídos devem mudar o foco, falar menos de aumento de arrecadação e aumento de gasto público e falar mais sobre medidas que invariavelmente levam ao crescimento do país. Japão, Coreia do Sul e China são exemplos de países arrasados por fome, pobreza e guerra. Mas, hoje imprimem excelentes índices de educação e inovação, a ponto de as maiores empresas de tecnologia serem produtos de seus esforços. Fica uma sugestão de tema para debates sérios.

(*) Adolpho Bergamini é advogado, professor e mestre em Direito Tributário pela FGV-SP.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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