Programa Mais Professores para o Brasil: dilemas e potencialidades
“A crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto” (Darcy Ribeiro)
No dia 14 de janeiro de 2025, foi lançado, oficialmente, pelo Ministro da Educação, Camilo Santana, e pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o “Programa Mais Professores para o Brasil”, instituído pelo Decreto nº 12.358/2025, o qual teria como objetivo: “(..) promover a valorização e a qualificação do magistério da Educação Básica e o incentivo à docência no Brasil”. O programa será desenvolvido a partir de 5 eixos estruturantes que contarão com a realização de Prova Nacional Docente; concessão de Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas; concessão de Bolsa Mais Professores; disponibilização de portal de cursos de formação inicial e continuada para docentes; destinação de benefícios exclusivos por meio de parcerias com Ministérios e Órgãos Públicos.
Conforme informações presentes na nota da Diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) sobre o programa Mais Professores para o Brasil no qual divulgo e problematizo neste meu artigo, “(...) a luta das(os) professoras(es) da Educação Básica pela valorização é uma luta histórica. No entanto, uma política real de valorização docente consiste, em primeiro lugar, no pagamento do Piso Nacional do Magistério, no ingresso por concurso público, na formação inicial e continuada na carreira, no salário e nas condições de trabalho. As ações que constituem o programa não visam à valorização desses aspectos, pois têm caráter provisório e atacam superficialmente o problema da desvalorização e cria mecanismos de implementação de políticas de esvaziamento do trabalho docente e perda da sua autonomia. O verdadeiro incentivo a(aos) jovens para seguir uma carreira se dá pela melhoria desta carreira e não apenas com medidas paliativas. A Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas, no valor de R$1.050 mensal, destinada a estudantes que optarem por uma licenciatura, uma das ações do Programa, não traz nenhum impacto sobre quem já está no exercício profissional da docência, por exemplo”.
Por outro lado, há de se (re)considerar que isso trará benefícios, tanto para o mercado educacional, pois irá criar um nicho para os cursos que, antes tinham vagas ociosas e que serão preenchidas, por meio do Fies e do Prouni, e que terão alunas(os) beneficiadas(os) com a referida bolsa, quanto para especuladoras(es), que ganharão com os juros do dinheiro que ficará, supostamente, na poupança durante o tempo da licenciatura e que só poderá ser sacado com o ingresso do(a) professor(a) na rede pública.
Ao determinar que um dos objetivos da Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas é atrair estudantes que obtiveram alto desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), incentiva-se a ideia meritocrática da disputa individualista, independentemente das condições objetivas de estudo da(o) estudante que concorre à vaga no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e de trabalho da(o) docente que ensina essa(e) estudante e das determinações sociais que envolvem todo o processo que define quem entra e quem não entra em curso superior em nosso País, pois isso não depende, meramente, do esforço individual. Já a Bolsa Mais Professores, que visa a fomentar a atuação de professoras(es) em região com maior carência docente, também tem caráter provisório de dois anos, não ataca o problema de fundo. A carência em determinadas regiões seria resolvida com maior investimento público nas condições de infraestrutura das escolas e na melhoria das condições de permanência, que envolve habitação, transporte, saúde, lazer e segurança.
Além disso, conforme pesquisas que já foram feitas na área da Educação nos últimos 50 anos, e conforme reiterado nesta Nota da ANDES-SN, “(...) seria necessário investir numa política de formação docente nessas regiões para formar um quadro de pessoal para exercer as funções docentes. A proposta de formação docente, a partir de um portal de cursos de formação inicial e continuada para docentes, elege a plataformização como a forma mais eficiente para formar professoras(es), numa perspectiva orientada por uma concepção de formação tecnicista, pragmática, voltada para atender às necessidades do mercado, desconsiderando a educação integral do ser humano, dissociada da concepção de práxis pedagógica e apartada da crítica fundamentada nas ciências humanas, sem considerar o projeto educacional da comunidade. Caracteriza-se, portanto, pelo esvaziamento do trabalho docente, pela retirada da autonomia de escolas e professoras(es), ao não levar em conta a parceria entre escolas e universidades”.
Outro aspecto que chama atenção é o eixo denominado “valorização dos professores” no Programa Mais Professores, mas que, na verdade, se limita a benefícios, como concessão de cartões sem anuidade, descontos em passagens e hotéis pelo Brasil, que poderão incentivar professoras(es) a uma situação de consumo que não corresponde, de fato, às condições salariais, uma vez que o Programa não incide sobre a melhoria do salário. Conceder descontos para docentes em serviços e produtos não tem nenhuma relação com valorização da profissão e reconhecimento social. Tais ações mais parecem, conforme informação presente na Nota da ANDES-SN “(...) estratégias de marketing para captura de clientes do capital financeiro para, por exemplo, fidelização de contas, com brindes e premiação!”.
Diante do que vivenciamos no processo educacional no Brasil, sinto, vejo e percebo que o Ministério da Educação “(...) está cada vez mais distante de enfrentar os problemas reais do sistema educacional. É preciso lembrar que as(os) professoras(es) no Brasil, nos últimos anos, foram vítimas de todo tipo de perseguição e submetidas(os), inclusive, a situações de violência na e fora da escola. Seria necessária uma ampla campanha de conscientização sobre o papel social que professoras(es) cumprem na formação da sociedade e de todas as profissões. A valorização das(os) professoras(es) requer investimento na formação inicial e continuada, na carreira, no salário e nas condições de trabalho. As ações do Programa Mais Professores para o Brasil não incidem sobre esses aspectos e nem constituem políticas permanentes que visem valorizar o exercício da docência. Portanto, não podemos comemorar ações que são meros paliativos para problemas que têm natureza histórica!”.
E para superarmos a crise educacional que estamos imersos e instaurados já por muitos anos, é preciso um projeto de educação que resgate e que vivencie praxiologias na/fora da escola que reflitam/refratem os preceitos ideológicos de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Paulo Freire. Quando isto for feito, colocaremos a educação e a (trans)formação de professores/as no lugar que deveria estar: como um projeto prioritário no Brasil, que pode ter os seus “dilemas”, mas que tem grande “potencialidade”.
(*) Kleber Aparecido da Silva é professor do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas e do Programa de Pós-Graduação em Linguística e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Estudos Críticos e Avançados em Linguagens (GECAL) e o Laboratório de Estudos Afrocentrados em Relações Internacionais da UnB (LACRI).
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