Regulação do uso de dispositivo de realidade mista em local de risco
À medida que mergulhamos na era da realidade mista, dispositivos inovadores como o Apple Vision Pro e o Meta Quest 3 estão na vanguarda, redefinindo não apenas a maneira como interagimos com o mundo digital, mas também como nos movemos e vivemos no espaço físico.
Essa fusão entre real e virtual promete revolucionar nossas experiências diárias, oferecendo uma imersão que desafia as fronteiras do possível. No entanto, esse avanço tecnológico traz consigo questões prementes sobre segurança e bem-estar.
Multiplicam-se nas redes sociais os registros (muitas vezes irresponsavelmente orgulhosos) de usuários desses dispositivos em momentos e locais onde sua atenção plena ao ambiente deveria ser crucial — seja atravessando ruas movimentadas, conduzindo veículos, ou mesmo durante atividades físicas intensas.
Essas situações evidenciam a necessidade de uma discussão imediata sobre como podemos salvaguardar a integridade dos usuários e do público em geral, sem coibir a inovação e o entusiasmo que tais tecnologias despertam.
A solução parece residir na implementação de legislações específicas, direcionando os fabricantes a integrar medidas de segurança que previnam o uso impróprio, garantindo que a promessa de um futuro imersivo não se transforme em um vetor de riscos incontornáveis.
Este é o momento de ponderar: como balancear a empolgação da inovação tecnológica com a imperiosa necessidade de proteção ao usuário e ao coletivo, delineando um caminho responsável para o avanço da realidade mista?
Consequências e responsabilidades do uso de tecnologia imersiva em ambientes de atenção plena - À medida que nos aprofundamos na era da realidade mista, com tecnologias imersivas e mistas, redefinindo as fronteiras do possível, emergem desafios significativos relacionados à segurança e ao bem-estar público.
A promessa de imersão e interação sem precedentes, que esses dispositivos oferecem, traz consigo um espectro de riscos de uso em determinados ambientes e locais, evidenciados por uma série de incidentes preocupantes.
E esta desconexão não apenas expõe os usuários a perigos iminentes, como também ameaça à segurança de terceiros, criando uma zona cinzenta de responsabilidades e riscos.
Flagrantes em vídeo de usuários atravessando ruas movimentadas, dirigindo veículos ou engajando-se em atividades físicas enquanto utilizam esses dispositivos, sublinham uma desconexão alarmante com o ambiente real.
Exemplos da utilização inconsequente destes dispositivos se multiplicam. Um caso marcante dessa tendência foi o registro de um vídeo viral onde um homem aparece dirigindo um veículo da Tesla enquanto usava o Apple Vision Pro, ilustrando um nível de imprudência e a potencial gravidade das consequências de tais ações.
São em razão de questões situacionais como essa (que se multiplicam ao longo dos dias) que salientam a imperiosa necessidade de regulamentações específicas que restrinjam o uso de dispositivos de realidade mista em contextos que possam comprometer a segurança dos próprios usuários e de terceiros.
A necessidade de exigir bloqueios no funcionamento de dispositivos de realidade mistas em fora de “zonas seguras” - Os fabricantes, embora pioneiros na criação de mundos virtuais imersivos, devem encarar e assumir o desafio de garantir que essas experiências não obscureçam o senso de presença e responsabilidade no mundo real.
Devem ser deles exigidos o desenvolvimento e aplicação de bloqueios automáticos que detectem quando o usuário estiver fazendo uso destes óculos virtuais quando em movimento ou em áreas de risco, promovendo um uso mais consciente e seguro.
A educação do usuário sobre os perigos potenciais e a promoção de um diálogo sobre a coexistência segura da realidade mista com o cotidiano são relevantes, mas contar apenas com consciência do consumidor é ilusório e temerário.
Será a implementação de legislação que regulamente onde e como esses dispositivos podem ser utilizados é que fará do conselho ou orientação (que muitas vezes não passam de caixas de textos nunca lidas) a efetiva restrição e segurança dos próprios usuários e de terceiros.
Leis e regulamentos próprios deveriam definir “zonas de exclusão” para o uso de realidade mista. E se neste momento o leitor acredita que essa sugestão é, deveras, arbitrária, deve este lembrar-se de que regulações semelhantes às restrições como essa já existem para o uso de dispositivos móveis durante a condução, por exemplo.
É fundamental estabelecer diretrizes claras para fabricantes e usuários, equilibrando inovação com segurança pública.
Os exemplos internacionais de regulação - Ao explorar exemplos internacionais de regulação sobre tecnologias de realidade mista, identificamos abordagens inovadoras e considerações importantes que poderiam informar a formulação de políticas neste campo emergente.
Uma discussão relevante realizada no AR/VR Policy Conference de 2021 destacou os riscos legais do uso de tecnologias de AR e VR e sobre como a política pública pode moldar o desenvolvimento e uso responsável dessas tecnologias.
O Deloitte Insights salienta a importância de considerar as implicações únicas de privacidade e governança de dados que surgem com o AR/VR.
A necessidade de coletar grandes quantidades de informações sobre indivíduos e seus arredores para fornecer experiências imersivas levanta questões críticas sobre como esses dados são gerenciados e protegidos. Tal cenário ressalta a responsabilidade dos desenvolvedores e reguladores em assegurar que o público tenha clareza sobre o uso e a gestão de seus dados.
A partir desses diálogos, emerge a recomendação para que políticas abrangentes e leis de privacidade sejam adaptadas para serem tecnologicamente agnósticas, permitindo assim que sejam eficazes não apenas no presente, mas também no futuro, conforme novas tecnologias continuam a evoluir. Essa abordagem não apenas protege os usuários, mas também fornece uma base sólida para que empresas desenvolvam novas tecnologias de forma responsável e ética.
A inclusão de preocupações com segurança, privacidade, acessibilidade e inclusão desde o início do desenvolvimento de tecnologias de realidade mista é fundamental. Isso garante que tais inovações possam beneficiar o maior número possível de pessoas, ao invés de serem adaptadas posteriormente para atender a essas necessidades.
O engajamento com comunidades de stakeholders para alcançar um acesso mais equitativo e a concepção de dispositivos fisicamente utilizáveis por um conjunto diversificado de indivíduos são passos cruciais para fomentar a adoção generalizada e impulsionar a inovação.
Portanto, ao considerar a regulação de tecnologias de realidade mista, é vital buscar um equilíbrio que promova a segurança e a privacidade dos usuários, ao mesmo tempo em que encoraja a inovação e a inclusão.
As experiências internacionais oferecem valiosas lições sobre como abordar esses desafios de maneira eficaz, informando políticas que podem ajudar a moldar o futuro dessa tecnologia promissora.
A harmonia entre os universos “on/off” - A ascensão da tecnologia de realidade mista e a imperiosa necessidade de regulamentação adequada é indispensável para garantir tanto a segurança pública quanto a continuidade da inovação tecnológica.
Neste momento de transformação tecnológica sem precedentes, é fundamental que fabricantes, usuários, reguladores e outras partes interessadas engajem-se em um diálogo aberto e construtivo para que se possa desenvolver um quadro regulatório que assegure a segurança e a privacidade dos usuários, ao mesmo tempo em que se promove um ecossistema de inovação vibrante e inclusivo.
A tecnologia de realidade mista oferece um potencial imenso para transformar nossa maneira de viver, trabalhar e interagir, mas apenas se navegarmos seus desafios com cuidado e a consideração holísticas de todos os seus aspectos, inclusive de seus riscos.
Este é o momento de agir com visão, responsabilidade e um compromisso compartilhado com o bem-estar coletivo, moldando um futuro (cada vez mais presente) em que a tecnologia de realidade mista possa florescer de maneira segura e produtiva para todos.
(*) Cleylton Mendes Passos é advogado, especialista em direito digital pela EBRADI, especialista em proteção de dados e especialista em direito empresarial pela FGV/MMurad.
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