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Rumo à COP 27: como a precificação de carbono pode auxiliar o Brasil e o mundo

Debora Sotto e Tatiana Tucunduva P. Cortes (*) | 08/11/2022 08:30

Até o dia 18 de novembro, na cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito, acontecerá a 27ª Conferência de Partes (COP 27) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Neste novo encontro climático, iniciado ontem, 6, os representantes dos Estados signatários da UNFCCC discutirão que medidas serão tomadas para avançar na implementação do Acordo de Paris.O cenário, entretanto, é extremamente desafiador. Em 2021, a COP 26, realizada em Glasgow, na Escócia, foi concluída com um apelo contundente para que os Estados-parte aumentassem suas ambições climáticas, dada a constatação de que seria necessário ao MENOS quintuplicar os compromissos assumidos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs para manter o aumento global de temperatura abaixo de 1,5ºC. Um ano depois, às portas da COP 27, apenas 24 Estados atualizaram suas metas de mitigação, com projetos de menos de 1% de redução das emissões de gases de efeito estufa para 2030.

O Emissions Gap Report 2022, publicado pelo Programa do Meio Ambiente das Nações Unidas (Unep), alerta que as NDCs incondicionadas – ou seja, os compromissos climáticos que os países têm condição de implementar com seus próprios recursos, sem auxílio internacional – levarão a um aumento global da temperatura de cerca de 2,6ºC, muito além dos níveis estimados como seguros pelo Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima – IPCC. Para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, o relatório aponta que as emissões globais de gases de efeito estufa precisam ser cortadas em 45% até 2030, o que só poderá ser alcançado mediante uma transformação “ampla, em larga escala, rápida e sistêmica”.

No mesmo sentido, o relatório The State of Nationally Determined Contributions: 2022, publicado pelo WRI, avalia que o chamado “mecanismo de catraca” do Acordo de Paris – que determina a revisão e renovação periódica das metas climáticas globais – tem se mostrado razoavelmente eficiente em promover o incremento de ambição das NDCs, mas não no ritmo e amplitude necessários para alcançar a meta do 1,5ºC.

Após um curto período de redução das emissões nos anos de 2019 a 2020, em razão da pandemia de covid-19, as emissões globais de carbono em 2021 voltaram a crescer, superando os níveis de 2019. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, de 2020 para 2021, os níveis de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso na atmosfera aumentaram a taxas médias de crescimento anual superiores às registradas na última década.

Para promover a transformação sistêmica necessária de modo a manter a temperatura global em níveis seguros, é preciso que todos os setores da sociedade – setor público, setor privado, organizações da sociedade civil, academia, movimentos sociais e cidadãos – somem seus esforços à transição para uma economia zero-carbono. Entre as medidas a cargo das partes interessadas (non-Parties stakeholders), capazes de aumentar a ambição das NDCs e viabilizar reduções massivas de emissões, incluem-se as técnicas de precificação de carbono, expressamente referidas pelo artigo 137 do Acordo de Paris.

A precificação do carbono permite diminuir emissões e direcionar investimentos públicos e privados para o desenvolvimento “limpo”, ou seja, neutro em carbono. Promove a internalização das externalidades negativas associadas às emissões de carbono que, sem intervenção, seriam suportadas pela comunidade em geral. Com a precificação, esses custos negativos das emissões de carbono são “devolvidos” às suas fontes, ou seja, são arcados pelos próprios poluidores, numa aplicação direta do princípio “poluidor-pagador”. Entre as várias técnicas possíveis de precificação de carbono incluem-se a tributação de carbono e os mercados de carbono.

Na tributação de carbono, define-se diretamente um preço sobre o carbono, recolhido na forma de um tributo incidente sobre as emissões de GEE. Trata-se, no caso, de um tributo essencialmente extrafiscal, que visa realizar objetivos de política pública e não só promover o carreamento de recursos financeiros aos cofres públicos. A redução de emissões é obtida indiretamente, na medida em que os diferentes atores econômicos se organizam no intuito de pagar menos tributos. O mercado de carbono (ou emissions trading system), por sua vez, viabiliza-se por meio de duas sistemáticas possíveis: o sistema cap-and-trade e o sistema de linha de base e crédito. Pelo sistema cap-and-trade, define-se um limite absoluto às emissões dentro do sistema (cap), e as permissões ou licenças de emissões são distribuídas gratuitamente aos diferentes atores ou vendidas por meio de leilões, observando sempre a quantidade equivalente ao limite absoluto previamente estabelecido. No sistema de linha de base e crédito, são definidos níveis ou linhas de base de emissões para as entidades reguladas pelo sistema: as entidades que lograrem reduzir suas emissões abaixo da linha de base recebem créditos de carbono, que podem então ser vendidos às entidades que excederem a linha de base.

A estruturação de sistemas regulados de precificação de carbono dá-se em âmbito internacional, regional, nacional e subnacional. A precificação internacional de carbono compreende as iniciativas reguladas no quadro jurídico trazido pela UNFCCC. No âmbito do Protocolo de Kyoto, vigente até 2015, destacam-se os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL, que permitem a compensação de emissões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil foi o primeiro país a desenvolver um projeto financiado pelo MDL em 2004, e chegou a ocupar a terceira posição no ranking mundial de projetos no ano de 2017, com o registro de 342 atividades no Conselho Executivo do MDL. Em 29 de novembro de 2021, o recebimento de solicitação de cartas de aprovação para novos projetos foi suspenso pela Autoridade Nacional Designada do Brasil para o MDL, no aguardo da regulamentação do mecanismo de desenvolvimento sustentável instituído pelo artigo 6º do Acordo de Paris. Estima-se que a implementação dos mecanismos de compensação de carbono instituídos pelo artigo 6º do Acordo de Paris poderá reduzir o custo total de implementação das NDCs em mais da metade ou, alternativamente, facilitar a remoção de 50% mais emissões sem custo adicional para os Estados-parte.

Em âmbito regional, destaca-se o mercado europeu de carbono, vigente para os países integrantes da União Europeia. Introduzido em 2005 para os setores de geração de energia e calor, indústrias com alto consumo energético e aviação comercial – que juntos respondiam por 41% das emissões de GEE da UE – o mercado europeu de carbono logrou obter cortes de emissões de cerca de 43%. A Lei Climática Europeia, publicada em 9 de julho de 2021, contemplou uma série de medidas voltadas a aumentar a ambição do mercado europeu de carbono e ajustá-lo à meta de neutralidade de carbono até 2050, inclusive por meio da introdução de mecanismos de compensação transfronteiriça que, uma vez implantados, incidirão sobre mercadorias e serviços importados pela UE.

Em âmbito nacional e subnacional, um relatório publicado pelo Banco Mundial identificou 68 iniciativas de precificação de carbono já em operação, com uma receita total estimada de US$ 84 bilhões. Entre os mercados regulados de carbono já em operação, destacam-se, além do mercado de carbono europeu, os ETS dos Estados Unidos, China, Reino Unido, Canadá e Coreia do Sul.

No Brasil, o primeiro mercado de carbono regulado foi introduzido pela Política Nacional de Biocombustíveis – RenovaBio, editada em 2017 para dar suporte aos compromissos assumidos pelo governo brasileiro sob o Acordo de Paris. Em linhas gerais, a Renova Bio compreende a imposição de metas anuais de redução de emissões de GEE aos distribuidores de combustíveis que, para atingi-las, devem adquirir, em bolsa de valores, créditos de descarbonização (CBios) emitidos pelos produtores de biocombustíveis. Desde a implementação da RenovaBio até agosto de 2022, foram emitidos mais de 67 milhões de CBios, dos quais aproximadamente 24 milhões ainda se encontravam em circulação no mercado, sendo negociados pelo valor médio de R$ 90,87 por certificado.

A Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, editada em 2009, prevê, por sua vez, a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE como o instrumento adequado para negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas. Entretanto, esta previsão da PNMC restou pendente de regulamentação e implementação por mais de uma década.

Em maio de 2022, foi editado o Decreto nº 11.705, instituindo o Sistema Nacional de Redução das Emissões de Gases com Efeito Estufa – Sinare, uma central única para o registro de emissões, remoções, reduções e compensações de GEE e dos atos de comércio, transferência, transações e aposentadoria de créditos de carbono. O regulamento também tratou dos Planos Setoriais de Mitigação, dedicados a fixar metas gradativas de redução de emissões antrópicas e remoções por sumidouros de GEE, mensuráveis e verificáveis, por setor econômico. A implementação do Sinare e dos Planos Setoriais de Mitigação depende, todavia, da edição de regras suplementares pelos Ministérios da Economia e do Meio Ambiente. Paralelamente, tramitam no Poder Legislativo brasileiro diferentes projetos de lei voltados a regular o MBRE, como o Projeto de Lei nº 528/2021, em andamento na Câmara dos Deputados, e o Projeto de Lei nº 412/2022, em apreciação no Senado Federal.

Os mercados voluntários de carbono, a seu turno, reúnem as iniciativas de entidades que decidem voluntariamente reduzir suas emissões de carbono por meio de compensações. Segundo o Banco Mundial, o valor dos mercados voluntários de carbono superou US$ 1 bilhão no ano de 2021, com notável crescimento da demanda por créditos de carbono baseados na natureza, cujas transações mais que dobraram entre 2020 e 2021. Para a Consultoria McKinsey, as oportunidades de desenvolvimento do mercado voluntário de carbono no Brasil são significativas, pois o País apresenta, concomitantemente, grande potencial de oferta (sobretudo de créditos de origem florestal) e de demanda, além de custos inferiores à média global para desenvolvimento e implementação de projetos. Nas estimativas da consultoria, a demanda por créditos de carbono no mercado voluntário pode chegar a 7 milhões de toneladas em 2030, totalizando cerca de US$ 200 milhões.

Por fim, as medidas de precificação interna de carbono são adotadas internamente pelas instituições – empresas, governos, instituições financeiras – no âmbito de iniciativas ESG – Environmental, Social, Governance, para orientar a tomada de decisão e fazer gestão de risco, inclusive de caráter climático. Há uma expectativa de que, no curto prazo, os órgãos regulatórios – Bancos Centrais, Comissões de Valores Mobiliários e Agências Reguladoras de Seguros – venham a estabelecer a obrigatoriedade da precificação interna de carbono segundo padrões legalmente estabelecidos, na esteira da oportuna regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris. Para o momento, as corporações têm seguido indicadores voluntários, recomendados por organizações como a Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), a Sustainability Accounting Standards Board (SASB) e a International Sustainability Standards Board (ISSB).

Espera-se que o novo governo federal, a iniciar-se no próximo ano de 2023, retome os esforços de implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima e explore as valiosas oportunidades que a precificação de carbono oferece para acelerar a transição do País para a neutralidade de carbono no horizonte temporal de 2050.

(*) Debora Sotto e Tatiana Tucunduva P. Cortes são pesquisadoras do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP

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