Tabela SUS: desafios do financiamento das organizações sociais de saúde
A recente Lei nº 14.820/2024, que prevê a definição anual dos valores de remuneração dos serviços de saúde, traz impactos apenas indiretos sobre as organizações sociais de saúde. Isso porque o repasse de valores por produção, conforme prevê a Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM, conhecida como Tabela SUS, é feito pelo Ministério da Saúde ao ente público titular da respectiva unidade de saúde.
Assim, o estado ou o município é que recebe a transferência federal para, junto de outras fontes de financiamento e de recursos próprios, fazer o repasse mensal à organização social responsável pelo gerenciamento da unidade.
No modelo de gestão por organizações sociais, o financiamento de cada unidade de saúde é global, com base no atingimento de metas assistenciais, de modo que o repasse ocorre em parcela única mensal, suficiente para arcar com todos os custos diretos e indiretos envolvidos.
O valor dos repasses é definido no processo concorrencial de “chamamento público”, que tem seu valor máximo estipulado pelo poder público em seu prévio “Estudo de Vantajosidade e Economicidade”.
Sucesso das OSs
O sucesso das organizações sociais de saúde deve-se, em importante medida, a esse modelo, que permite o equilíbrio nas contas das entidades, possibilitando que seu foco seja direcionado exclusivamente à qualidade dos serviços assistenciais.
Não obstante, esse equilíbrio nem sempre é alcançado. A uma, devido a organizações sociais que, no afã de obter novos contratos, apresentam propostas com valor insuficiente para garantir a qualidade dos serviços.
A duas, porque o poder público nem sempre faz os necessários reajustes e repactuações durante a execução do contrato de gestão. A três, porque são comuns atrasos e repasses a menor do que o pactuado. A quatro, pela falta de controle pelo poder público acerca dos gastos da entidade, que acabam recebendo mais que o devido.
Nos três primeiros casos, a organização social deixa de ter condições de cumprir as metas contratuais ante a falta de recursos, até porque no contrato de gestão é vedado o recebimento de receitas acessórias (os serviços devem ser 100% gratuitos). No quarto caso, a organização social acaba por não repassar a economia gerada em benefício do poder público, de modo que o serviço acaba sendo superfaturado.
Nesse contexto, além da contínua luta contra desvios e superfaturamento, é igualmente imprescindível o adequado sopesamento do quesito preço como fator de avaliação tanto de propostas quanto do desempenho de organizações sociais na gestão de unidades de saúde.
A qualidade do atendimento — princípio magno da Lei de Defesa dos Usuários dos Serviços Públicos (Lei nº 13.469/17), referido nove vezes na Lei Orgânica da Saúde – (Lei nº 8.080/90) — exige investimento de recursos que, no setor de saúde, são elevados, especialmente na média e alta complexidades.
A baixa precificação decorrente de propostas inexequíveis em chamamentos públicos e a falta de reajustes anuais compatíveis com o aumento dos custos impossibilitam a boa gestão de uma unidade de saúde, com prejuízo ao cidadão usuário do SUS.
Controle
A boa notícia é que os órgãos de controle interno e externo, bem como o Poder Judiciário, têm atuado de modo cada vez mais atento, não apenas para evitar e punir desvios, mas também para proteger as entidades em face tanto de problemas nos repasses quanto da não concessão de reajustes e repactuações.
Isso porque, conforme Marçal Justen Filho, “inexiste cabimento para diferenciar controle de legalidade ‘a favor’ da Administração e ‘a favor’ do particular. Condutas ilegais e abusivas são infringentes da ordem jurídica, independentemente da identidade do sujeito lesado”.
Por isso, prossegue o autor, é necessário que os Tribunais de Contas protejam também os diretos fundamentais dos particulares, de modo a protegê-los contra o arbítrio estatal, mesmo que em face do interesse financeiro da administração [1]. Em relação às organizações sociais de saúde tal necessidade é premente.
Que o equilíbrio econômico-financeiro seja observado pelo Ministério da Saúde na atualização anual da Tabela SUS e que os gestores estaduais e municipais tenham condições de garantir tal equilíbrio nos contratos de gestão — com repasse integral, pontual e correlato ao custo dos serviços. E que as organizações sociais façam propostas factíveis e tenham condições de focar sua atuação naquilo que mais interessa — a qualidade do atendimento.
(*) Fernando Mânica é doutor em Direito pela USP e presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-PR.