Amanhã já é ano-novo... e eu vou ganhar bastante cueca
Amanhã já é ano-novo... e eu vou ganhar bastante cueca. Amanhã já é ano-novo... e eu vou ganhar bastante cueca. Amanhã já é ano-novo... e eu vou ganhar bastante cueca.
Estava no ônibus indo para o trabalho, acho que o ano era 2017, quando um rapaz esguio, com seus 30 e poucos anos, moreno, alguns dentes faltando, provavelmente autista, subiu e ficou repetindo essa frase.
Na verdade, primeiro era só o “Amanhã já é ano-novo”.
Era abril. Algumas pessoas riam e ele continuava. O motorista o conhecia e interagia. Amanhã já é ano-novo. “Amanhã já é ano-novo”. “Amanhã já é ano-novo”. Algumas pessoas sorriam, abaixavam a cabeça. Um ou outro não gostava. Aquela frase quebrava o silêncio barulhento da viagem.
“Amanhã já é ano-novo”. Alguém respondia do fundo: “falta muito ainda!”. Mas ele não se abalava: “Amanhã já é ano-novo”...e eu vou ganhar bastante cueca. Ouviram-se gargalhadas. E ele continuava: eu vou ganhar presente, vai ter comida, vai vir parente. “Amanhã já é ano-novo”. Viu, não esqueçam. “Amanhã já é ano-novo”. Cheguei ao meu destino.
Passaram-se uns meses, virou o ano. Entrei no mesmo ônibus e ele reapareceu. E lá estava ele lembrando a todos do “Amanhã já é ano-novo”.
Antes de ser mãe do Yuri eu desconhecia completamente, total ignorante, de como são as pessoas autistas. Alguns autistas tem hiperfoco em países, línguas, trens, carros, ou seja, é uma fixação na qual eles repetem e repetem à exaustão um tema de que gostam. O Yuri ama rock e robôs. O foco do meu colega de viagem era “ano-novo”. E neste segundo encontro, tive aquela epifania Claricenesca no ônibus. Ele estava coberto de razão.
Hoje, setembro de 2022, correndo pra resolver assuntos médicos, esperando o Uber em frente a Giga (nada mais campo-grandense) lá estavam as famigeradas bolas natalinas e enfeites. Acabou o ano, “amanhã já é ano-novo”. Não é que ele estava certo?
Aliás, na vida adulta uma forma de medir a velocidade do tempo e o passar dos meses é o mercado. “Putz, montaram o túnel de ovos de páscoa (abril), putz, montaram a barraquinha com pipoca, chegou festa junina (junho). Estou na loja e começaram as músicas natalinas (Olá Simone), então é Nataaaal. Chegou dezembro.
A vida passa assim e acaba mais rápido ainda. Um dia você é filho, no outro casa, no outro tem filho, daqui a pouco vem netos, doenças, e pufff....lá se foi a sua juventude. Se você viveu ou não, problema seu. E você envelheceu, a aurora da vida se aproxima, você vai descansar, não vai escolher nem a própria roupa às vezes.
Gastou a vida, game over. Se você deixou bens, é a hora do advogado da família e das pessoas brigarem por algo que sequer trabalharam para conquistar e você vai virar uma plaquinha com a data de chegada e de ida.
Talvez nos primeiros anos alguém te leve flores no dia de finados, acenda velas. Se tiver sido uma boa pessoa, aí não, vai continuar vivo dentro das lembranças de quem te ama e vai viver por muitos e muitos anos. Por isso o amor é eterno.
“Amanhã já é ano-novo”. “Amanhã já é ano-novo”. “Amanhã já é ano-novo”. Quando estou p... da cara com alguma coisa eu lembro disso, vou me desgastar com coisas pequenas não. E eu lembro daquela viagem de ônibus que ficou na minha memória: “Amanhã já é ano-novo”. “Amanhã já é ano-novo”.
Viva porque “Amanhã já é ano-novo”. Viaje porque “Amanhã já é ano-novo”. Ame porquê “Amanhã já é ano-novo”.
E se você for amado, vai ganhar bastante cueca.
(Danieli Bezerra, 22 de setembro de 2022).