A menos de dois meses para volta às aulas, incidência da covid dobra em crianças
Infectologista avalia que vacinação e abertura de leitos têm de ser priorizadas para proteger público infantil
A menos de dois meses para que as aulas presenciais retornem, os casos de covid-19 têm crescido expressivamente no Estado e tiveram aumento entre o público infantil. Especialista avalia que a vacinação de crianças e a rápida abertura de leitos hospitalares pode proteger estes pacientes, especialmente, para que não sofram sintomas respiratórios mais graves.
Já foi verificado que a maioria das internações com SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) ocorrem em leitos infantis, em Mato Grosso do Sul. Este conjunto de sintomas é provocado por uma série de vírus, especialmente, coronavírus e influenza - causadores da covid e gripe, respectivamente.
Além disso, há uma corrida de pais e mães que levam os filhos à rede básica de saúde de Campo Grande, relatando sintomas gripais, como tosse, febre alta, coriza, dentre outros. Segundo a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), de sexta-feira a ontem, cerca de 38% dos atendimentos de pacientes respiratórios foram pediátricos.
Levantamento feito pelo Campo Grande News indica que nos últimos meses, as crianças, menores de 12 anos, têm representado cerca de 8% dos casos confirmados de coronavírus em Mato Grosso do Sul. Anteriormente, elas eram aproximadamente 4% do total - ou seja, próximo ao fim do ano passado, o índice praticamente dobrou.
Os alunos da Rede Municipal de Ensino, na Capital devem retornar no próximo mês, em 14 de fevereiro. A Semed (Secretaria Municipal de Educação) informou que oito escolas servirão também como ponto de imunização, a fim de incentivar a proteção dos alunos.
Já a rede estadual deve retomar aulas presenciais em 3 de março, mas a SED (Secretaria Estadual de Educação) ressalta que vai considerar "orientações dos órgãos de saúde de Mato Grosso do Sul".
Um dos fatores que gera preocupação, sobretudo a pais ou responsáveis, é o aumento de infecções em meio a este retorno.
Para o pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Julio Croda, vacinar o público infantil deve ser prioridade para conter casos graves da doença, além de preparar o sistema público para ampliar, se necessário, estruturas hospitalares.
A onda de Ômicron, principalmente, é uma onda muito rápida, que dura de 30 a 60 dias, e a gente tem que entender que pode aumentar internações, principalmente na faixa pediátrica de cinco a 11 anos. A gente tem que se preparar com leitos hospitalares para essa população, que já são escassos em todo o Estado.”
Isto porque quando houve redução nos casos de covid, que vinham superlotando hospitais públicos, muitos leitos foram desativados, já que exigem recursos humanos e insumos para se manterem. Esta desativação fez com que a Capital tivesse, nesta semana, menos da metade de estruturas ativadas, na comparação com o primeiro semestre de 2021.
Segundo Croda, o mapeamento de tais estruturas e um planejamento para que sejam reativadas serão fundamentais para evitar um eventual colapso. “É necessário sempre acompanhar a taxa de ocupação e programar essa expansão já neste momento em relação ao crescimento dessa ocupação. A gente já sabe que está havendo um aumento nas internações e é necessário uma expansão muito rápida.”
"Sempre há risco de colapso do sistema de saúde, principalmente, se há uma redução no número de leitos e uma explosão do número de casos. Então, é necessário entender os cortes de leitos hospitalares que foram realizados e se a abertura de novos leitos em tempo oportuno será possível.”
O infectologista avalia que o passaporte vacinal, por exemplo, seria mais eficaz que medidas restritivas como o lockdown. Quanto ao público infantil, ele ressalta que a vacinação será determinante para que crianças adoeçam e morram com menor frequência.
Outras medidas, acredito que sejam ineficazes. Neste momento, principalmente com elevada transmissão, seria mais eficaz, justamente, aumentar a cobertura vacinal, para prevenir o colapso do sistema de saúde."
Segundo ele, o lockdown possui pouca chance de garantir redução nos casos, já que a variante Ômicron é mais transmissível e seria praticamente ineficaz restringir a mobilidade urbana de moradores. "Medidas como lockdown são inefetivas, porque a transmissibilidade dessa nova variante é muito elevada."
Ainda assim, ele reforça que a realização de eventos que promovam grandes aglomerações pode ser revista, a fim de reduzir danos. "O que a gente pode fazer é evitar eventos de massa, de aglomeração, que reúnam mais de 100, 200 pessoas. Isso reduz, de certa forma, a transmissão e pode impactar o número de possíveis casos graves."
“O retorno das aulas presenciais vai ocasionar mais transmissão, mas as crianças apresentam menor risco de evoluir para hospitalização e óbito. Então, sim, vai aumentar transmissão, mas o ideal é que a gente possa ter iniciado a vacinação neste grupo para proteger as crianças e para proteger os trabalhadores da Educação, principalmente, os mais vulneráveis."
Variante - A variante Ômicron do coronavírus ainda não teve confirmação oficial em Mato Grosso do Sul, mas pode estar em circulação há algumas semanas, de acordo com o secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende.
O titular da SES afirmou que o cenário de "aumento exponencial" da infecção pode ser responsabilizado pela chegada da mutação do vírus. Estudos preliminares avaliam que esta seja mais infecciosa, ainda que a letalidade não seja a principal característica.
O infectologista Julio Croda avalia que a Ômicron pode sobrecarregar o SUS (Sistema Único de Saúde) em um período de 30 a 60 dias, assim como ocorreu em outros países afetados anteriormente pela cepa.
Em locais como a África do Sul ou Reino Unido, vive-se uma explosão de casos e, consequentemente, um aumento no número de internações e óbitos - mesmo que em menor proporção.
Em Mato Grosso do Sul, tem sido registrados recordes do número de infecções por coronavírus dia após dia, desde o fim de dezembro, índice que pode crescer e se tornar o maior em toda a pandemia da covid-19. Atualmente, há mais de 1,1 mil registros diários.
O impacto da Ômicron é justamente esse. A taxa de transmissão é de 10 - cerca de duas a três vezes maior que outras variantes. A gente está tendo menos casos graves - menos hospitalização e óbito -, mas por conta de todo mundo estar se infectando ao mesmo tempo, mesmo com o menor número de hospitalização e óbito, essa nova onda, mais intensa, pode levar ao colapso por um período curto de tempo".
Prevenção - Autoridades sanitárias do Estado, do País e do mundo têm feito esforços para conscientizar a população de que as vacinas são benéficas e promovem proteção individual e coletiva. Croda reforça que o processo de imunização tem reduzido casos graves e avalia que gestores poderiam exigir comprovação do esquema vacinal completo, por meio do "passaporte da vacina", como forma de incentivar a busca.
"A gente sabe que as vacinas têm prevenido, principalmente formas severas, de hospitalização e óbito. Então, quanto maior a cobertura, menor a chance de ter colapso em unidades hospitalares e unidades de terapia intensiva. Neste sentido, talvez, o passaporte vacinal seja a medida mais importante para aumentar a adesão à vacinação em toda a população."
Segundo ele, a maioria dos indivíduos hospitalizados por conta do coronavírus não tinham tomado vacina e as demais doses de reforço. Conforme a SES, em Mato Grosso do Sul, cerca de 95% das internações ocorrem em quem não está em dia com o processo de imunização.
“Atualmente, o principal público que está se hospitalizando são pessoas que não tomaram vacina ou que não tiveram seu esquema vacinal completo. Cerca de 90% a 95% das pessoas no Brasil e no mundo, que estão se hospitalizando e eventualmente indo a óbito, são pessoas que não tiveram seu esquema vacinal completo."
Levantamentos diários feitos pelo Campo Grande News mostram uma corrida aos locais de testagens e há um recorde, já em todo o período pandêmico, no número de notificações de casos - isto é, quando um paciente realiza algum tipo de teste para a doença. Isso indica que muitos pacientes têm sentido sintomas da covid e buscado o diagnóstico.
De acordo com dados levantados pela reportagem, Mato Grosso do Sul tem, atualmente, a maior demanda de exames em toda a pandemia da covid-19 - ou seja, desde março de 2020. A média de testes em todas as unidades de saúde e laboratórios particulares é de aproximadamente 5 mil por dia. Antes do fim do ano, chegou a ser próxima a mil.