Agrotóxicos fazem 'caminho inverso' da Bioceânica e contrabando cresce
Apenas pelo DOF, apreensões cresceram 472%; PRF enfatiza problema nacional e também aponta para aumento substancial
Caminhões lotados de entorpecentes, como maconha em formato de tijolos, deixaram de ser a única rotina de apreensões de enormes quantidades dos agentes de segurança pública nas rodovias sul-mato-grossenses. Os cigarros trazidos do Paraguai ganharam recente destaque no Estado, agora dividindo atenções com outro produto: os agrotóxicos.
A logística usada pelos contrabandistas é a mesma do cigarro, armas e drogas ilícitas: passando pelo solo paraguaio, estados como Paraná e Mato Grosso do Sul - que fazem fronteira com o país vizinho - são as principais portas de entrada no Brasil.
Segundo dados divulgados pelo DOF (Departamento de Operações de Fronteira) no começo deste ano, o aumento no número de apreensões de agrotóxicos em Mato Grosso do Sul, comparando 2020 a 2019, foi de 472,4%.
Em 2019, as apreensões somaram mais de uma tonelada, chegando ao total de 1.032,5 kg em todo o ano. Já em 2020, o departamento fechou o ano com cerca de 5,9 toneladas apreendidas. Em apenas dois meses do ano passado, a porcentagem de apreensões já tinha passado em 182% ao total realizado no ano anterior.
"A fragilidade das fronteiras brasileiras, porém, expõe a agricultura nacional ao uso indiscriminado desses produtos, uma prática de efeitos econômicos presumíveis, mas de consequências nocivas ainda imensuradas", frisa o presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), Luciano Stremel Barros.
O relato de Luciano consta em estudo feito pelo instituto ainda em 2019 e que trata da questão ano a ano mais preocupante. "É comum que os contrabandistas e falsificadores usem a mesma logística utilizada no transporte de drogas, porém a sofisticação das quadrilhas de agroquímicos se mostra cada dia mais elaborada", conclui o estado.
Já dados nacionais da PRF indicam que o problema vai além de ser algo intrínseco ao Mato Grosso do Sul. Além do Paraná, o Rio Grande do Sul também é afetado pelo modus operandi dos contrabandistas, que fazem a entrada pelo Uruguai.
Enquanto em 2019 a corporação conseguiu apreender 60 toneladas de agrotóxicos entrando ilegalmente no Brasil durante todo o ano, em 2020 esse valor já era, em outubro, 50% superior, com 90 toneladas. Apenas o tráfico de maconha observou dm aumento de tamanha grandeza, inclusive sendo superior - saltou de 322 toneladas para 634.
Ao que tudo indica, os índices não devem apresentar queda durante 2021. Com apenas 11 dias deste novo ano, uma apreensão de 3,5 toneladas de agrotóxicos chamou a atenção. Tudo aconteceu em Maracaju e a carga foi avaliada em R$ 6,7 milhões. O local de fabricação dos produtos ilegais era a China.
Bioceânica inversa - Curiosamente, o contrabando usa uma rota inversa da tão aguardada Rota Bioceânica, conforme constata o Idesf. A China é uma das principais fornecedoras de produtos ilegais que entram no Brasil, fazendo com que grande parte desses itens cheguem de navio no Chile, onde desembarcam para distribuição no Brasil.
Paraguai e Bolívia são alguns dos países que servem como ponto de entrada no Brasil, afetando assim diretamente os estados que fazem fronteira com tais países. Outra rota alternativa é via o Uruguai, com entrada dos produtos via Rio Grande do Sul.
Coincidentemente, a rota usada a partir de desembarques nos portos chilenos de Antofagasta e Iquique fazem o caminho inverso da Bioceânica, que pretende elevar a exportação brasileira para a Ásia e sequer ainda saiu do papel. No mapa abaixo, constam a logística de transporte identificada pelo Idesf.
"A maior parte dos defensivos que chega por essa fronteira é consumida no próprio estado de Mato Grosso do Sul e no vizinho Mato Grosso, grandes produtores de grãos. Mas eles abastecem também o estado de São Paulo e Goiás e outros", revela o estudo ao falar sobre o quantitativo que entra pelo solo sul-mato-grossense.
Motivação econômica - Se na época da pesquisa, 2019, a superintendência da PF (Polícia Federal) local tinha cerca de 50 toneladas de defensivos agrícolas ilegais apreendidos e aguardando destruição, atualmente a situação se agravou.
Como é costumeiro de produtos ilegais, eles são mais baratos por não pagar impostos e não obedecer normas que encarecerem custos na produção. Anualmente, o Brasil perde aproximadamente R$ 20 bilhões por crimes de descaminho e contrabando.
Assim, naturalmente tais produtos chegam às mãos do consumidor final mais baratos que os defensivos legalizados. Além disso, a recente alta do dólar e aumento da demanda agrícola encareceu ainda mais os produtos legalizados, que vem de fora do país. Isso abre portas para a ilegalidade, facilitada pela fragilidade fronteiriça.
Além dos prejuízos de não arrecadação de impostos, os produtos ilegais ainda podem acarretar problemas ambientais de difícil reversão. Além de diferenças na composição do defensivo, há a questão do recolhimento das embalagens onde estavam os materiais.
Representando praticamente um quarto do total do mercado nacional, os produtos ilegais ainda são responsáveis por redução de 39,7 mil postos de trabalho, perda de R$ 1,4 bilhão em renda que poderia ser convertida aos trabalhadores, R$ 0,8 bilhão em ICMS perdido pelos governos estaduais e R$ 2 bilhões em tributos federais.