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Cidades

Burocracia deixa médicos formados no Paraguai "encostados" durante pandemia

Sem validação de diploma, profissionais formados no vizinho não podem atuar no próprio País

Tainá Jara | 13/05/2020 13:36
Médicos formados no exterior poderiam incrementar mão de obra durante a pandemia (Foto: Marcos Maluf)
Médicos formados no exterior poderiam incrementar mão de obra durante a pandemia (Foto: Marcos Maluf)

Nem mesmo o caráter excepcional da pandemia afrouxou a burocracia para colocar médicos formados no exterior para atuar na linha de frente no combate ao novo coronavírus. Cruzar a fronteira do Brasil com o Paraguai é comum entre jovens sul-mato-grossenses que sonham em cursar Medicina, porém, a frustração toma conta diante de impossibilidade de atuar em cenário de superlotação de hospitais e contrações de emergência.

O IMeFE (Instituto dos Médicos Formandos no Exterior) estima que no País tenha mais de 15 mil profissionais formados, sem poder atuar em território nacional, durante a situação de calamidade pública imposta pela covid-19. Os três anos sem a realização do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos), pelo Ministério da Educação, deixam os médicos estacionados, enquanto já foram enterrados mais de 12 mil mortos.

Unidades de saúde e hospitais de Mato Grosso do Sul poderiam ser contemplados com boa parte destes profissionais, especialmente no interior, onde a mão de obra é limitada. Bons preços e proximidade levam muitos jovens a estudar no país vizinho e, por isso, teriam mais facilidade para se estabelecer profissionalmente no Estado.

Para se ter ideia, até o ano passado,  o governo do departamento de Amambay, no Paraguai, contabilizava 15 mil estudantes brasileiros matriculados em oito faculdades de Medicina somente de Pedro Juan Caballero, vizinha à Ponta Porã.

O sonho que virou frustração – Cruzar a fronteira seca entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero foi rotina para Silva Cardoso, de 33 anos, durante quase seis anos, enquanto estudava na Universidad María Auxiliadora, em Assunção.

Já formado em Enfermagem, ele foi atrás do sonho de pegar o diploma de médico. Formou-se em 2018, mas teve de recorrer a antiga profissão para se sustentar, no retorno para cidade de Dourados, município distante 235 quilômetros de Campo Grande. Atualmente, ele trabalha com cuidados de paciente em domicílio.

Silvano conta que chegou a participar de seleção para atuar no Mais Médicos, mas não atendeu requisitos referente a faixa etária. Desde então, ele espera por uma nova edição do Revalida e pela oportunidade de ser útil em situações extremas, como a de pandemia. “Na verdade, se torna um pouco frustrante isto. Você tem o documento na mão, está apto para trabalhar e não pode”,  desabafou.

Marília formou-se em Medicina em universidade de Pedro Juan Caballero (Foto: Arquivo pessoal)
Marília formou-se em Medicina em universidade de Pedro Juan Caballero (Foto: Arquivo pessoal)
Marília partipando de aula com as colegas de sala enquanto estava na faculdade (Foto: Arquivo Pessoal)
Marília partipando de aula com as colegas de sala enquanto estava na faculdade (Foto: Arquivo Pessoal)













Situação semelhante vive a campo-grandense, Marília Campos Camargo, 31 anos. Até o ano passado, ela esperava poder atuar na área em Mato Grosso do Sul. A necessidade fez ela mudar de cidade no final do ano passado. No entanto, em Curitiba, onde vive atualmente, também não teve condições de trabalhar como médica, já que depende dos resultados do Revalida.

“Estamos dispostos a trabalhar. Mesmo que seja temporário. Não queremos facilidade, só queremos que a lei seja cumprida para podermos ajudar nesse momento”, afirmou se referindo ao fato do MEC ter obrigação de realizar duas edições do exame por ano.

Voltada para atenção básica – Dayane Esser, presidente do IMeFE, culpa também o corporativismos presente entre as entidades de representação dos médicos pela situação. “A medicina no Brasil tem um caráter elitista, do tempo do Império”, afirmou.

Segundo ela, espaço para trabalhar não falta. Além disto, o Brasil é carente de médicos para atuar na atenção básica do SUS (Sistema Único de Saúde). Os cursos de medicina de universidades  de outros países da América Latina tem justamente a grade curricular voltada para este setor.

“No Brasil, a cada 10 médicos, seis possuem um título de especialista. Temos 381 mil títulos de especialidades, mas apenas 288 mil especialistas. Ou seja, temos 100 mil médicos com dois títulos”, explicou.  A maioria destes profissionais atua na rede privada, a prova são as longas filas para atendimento com ortopedistas, oculistas e psiquiatras, na rede públicas.

Atualmente, Dayane (atrás) atua como médica no Espírito Santo, onde passou por processo seletivo sem a necessidade do Revalida (Foto: Arquivo Pessoal)
Atualmente, Dayane (atrás) atua como médica no Espírito Santo, onde passou por processo seletivo sem a necessidade do Revalida (Foto: Arquivo Pessoal)

De Dourados, e formada em Medicina em Assunção, Dayane sentiu na pele as dificuldades para atuar como médica. Sem conseguir realizar do Revalida, ela precisou ir para o Espirito Santo, onde vive há dois anos e meio, para atuar no Programa Mais Médico, em processo que exigiu outro tipo de avaliação.

O Estado, aliás, possui uma taxa de 12 médicos para cada 1 habitante, quando o recomendado é de 1 para cada 1 mil. “Ainda assim tive que ser deslocada para a grande Vitória, porque não tinha médicos suficientes para atender a comunidade durante a pandemia”, afirmou.

A Câmara dos Deputados analisa uma série de propostas que permitem que médicos formados no exterior e que ainda não revalidaram seus diplomas no País atuem durante a pandemia de covid-19. Outras propostas preveem a realização em caráter emergencial do Revalida.

Alguns dos projetos de lei são baseados em carta encaminhada por governadores do Nordeste ao governo federal solicitando a contratação dos profissionais estrangeiros como forma de incrementar o número de médicos durante a pandemia.

Enquanto os projetos tramitam, o sistema de saúde entra em colapso em vários estados. “A gente se sente meio que incapaz, de mãos atadas, porque somos mãos de obra. Há um certo preconceito, mas a nossa não de obra é tão boa quanto”, analisa a médica Marília Campos.

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