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Cidades

Com 156 casos de violência contra idosos, promotora alerta: "atenção aos sinais"

Promotora Cristiane Nogueira fala sobre o "Junho Prata" e a dinâmica que envolve agressões e maus-tratos

Mylena Fraiha | 11/06/2023 11:19
Idosa de 74 anos afirmou que prefere continuar vivendo com o filho, apesar dos maus-tratos (Foto: Henrique Kawaminami).
Idosa de 74 anos afirmou que prefere continuar vivendo com o filho, apesar dos maus-tratos (Foto: Henrique Kawaminami).

A idosa de 74 anos, resgatada após ser agredida e acorrentada pelo filho, de 35 anos, em Campo Grande, traz em sua própria pele e corpo as marcas da violência, muitas vezes silenciosa, sofrida pela população idosa. O caso ocorrido em novembro de 2022 chocou a Capital e direcionou os olhares para um grupo vulnerável, que por vezes se torna alvo de agressões.

Em janeiro de 2023, outro caso de maus-tratos contra idosos na Capital veio à tona. Trata-se do casal de 79 e 73 anos, que vivia em situação de maus-tratos. Na casa, foi constatado acúmulo de lixo e falta de móveis. Durante vistoria de uma equipe da Polícia Civil, também foi evidenciado que os idosos estavam com higiene precária, insuficiência de mobília, colchão de cama com resíduos de urina e sem peças de roupas limpas.

Idosa mostra marcas da violência. (Foto: Henrique Kawaminami)
Idosa mostra marcas da violência. (Foto: Henrique Kawaminami)

De acordo com a promotora de justiça Cristiane Barreto Nogueira, a violência contra pessoas idosas em MS ainda é um tema pouco discutido. O relatório do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) aponta que, entre janeiro e junho deste ano, cerca de 156 crimes previstos no Estatuto da Pessoa Idosa chegaram ao conhecimento da Promotoria do Idoso e resultaram em inquérito policial.

Entre os casos, 19 se configuram como maus-tratos, 7 como apropriação indébita, 6 como ameaça, 5 abandono de incapaz e 4 de apropriação indébita previdenciária.

Para prevenir a recorrência de casos semelhantes, é necessário romper o silêncio em relação à violência contra os idosos. No estado de Mato Grosso do Sul, a Lei nº 5.215/2018 estabeleceu o "Junho Prata" como o mês de conscientização sobre esse tema. Essa iniciativa visa realizar campanhas anuais para manter a atenção sobre a questão e evitar que ela seja esquecida ou permaneça negligenciada.

Cristiane Nogueira atua na promotoria especializada no direito da pessoa idosa do MP-MS (Foto: Paulo Francis)
Cristiane Nogueira atua na promotoria especializada no direito da pessoa idosa do MP-MS (Foto: Paulo Francis)

Em Campo Grande, a 44ª Promotoria de Justiça do MPMS assume a responsabilidade pela proteção dos direitos e garantias constitucionais das pessoas idosas. Sob a liderança de Cristiane, a promotoria especializada no direito da pessoa idosa atua tanto na esfera coletiva quanto individual.

O Campo Grande News conversou com Cristiane para comentar mais sobre a campanha "Junho Prata” e explicar a dinâmica que envolve os quadros de violência contra pessoas idosas em Mato Grosso do Sul.

O que é o Junho Prata?

O Junho Prata é uma campanha instituída no mês de Junho que tem o objetivo de gerar na sociedade uma reflexão sobre as formas de violência praticadas contra uma pessoa idosa. A campanha serve para estimular as pessoas a perceber esses tipos de violência e denunciar. Considerando que a omissão também causa prejuízo às pessoas idosas.

Quais são as principais formas de violência cometidas contra uma pessoa idosa?

Existe a violência física, manifestada em agressões. A violência psicológica, que surge por meio dos xingamentos e do isolamento. Também há a violência sexual e a violência financeira e patrimonial, que é quando a pessoa utiliza os bens e dinheiro do idoso para uso próprio.

Então existem várias formas de violência, que precisam ser reconhecidas. O isolamento dentro da família, por exemplo, é uma forma de violência silenciosa e muitas vezes normalizada.

O idoso às vezes se encontra em uma situação em que é isolado e não consegue se comunicar. Desprezar e ignorar também é uma violência", explica Cristiane.

Quem é o agressor?

Geralmente, é uma pessoa da família. Caso a pessoa não viva com a família, é a pessoa que assumiu esse papel, ou seja, um cuidador. Entretanto, vemos que a agressão é geralmente praticada por filhos e netos.

Em Mato Grosso do Sul, é possível saber qual é o tipo de violência mais comum?

Eu não tenho a informação sobre o tipo de violência que mais ocorre no Estado, mas sei dizer o que mais chega para nós, da Promotoria do Idoso. No caso, é a violência patrimonial e financeira. Nesses casos, normalmente, o filho ou neto usa o dinheiro do idoso e o deixa vivendo em uma situação de penúria. Muitas vezes esse idoso passa necessidade, porque não consegue ter acesso à própria renda.

A violência patrimonial pode ocorrer quando um idoso assina uma procuração e tem um bem vendido, sem nem mesmo saber do que se tratava. Ele acaba não tendo consciência sobre o que assinou e acaba perdendo uma casa, por exemplo. Também notamos com frequência a agressão feita por filhos que são usuários de drogas.

Além disso, notamos que há vários casos de abandono. Hoje, nós enfrentamos um problema bem grave, que é o problema de abandono de idosos em hospitais. Geralmente, são pacientes que ficam com sequelas de doenças e a família não assume os cuidados pós-alta. Claro que existem famílias que não têm condição, por causa da situação financeira, mas outras abandonam por não querer cuidar mais da pessoa.

Como as denúncias chegam à Promotoria do Idoso?

Os casos de abandono em hospitais são feitos por denúncias dos próprios funcionários e direção da instituição. No entanto, temos também o Disque 100, que é um canal de denúncias de violação de Direitos Humanos, muito utilizado, uma vez que garante o anonimato.

Então, se é um vizinho ou parente que denuncia a situação, ele não precisa se identificar e isso estimula a denúncia. O único efeito colateral desse anonimato é a possibilidade de trote.

Após a denúncia, qual é o próximo procedimento?

Normalmente, é registrado um procedimento aqui na Promotoria. Esse procedimento abre uma investigação dos fatos, no qual iremos entrar em contato com os parentes, pedir um estudo social e verificar o que está acontecendo. Se é verdade ou não que há um quadro de violência.

É preciso ver o que direito que esse idoso precisa. Às vezes é um acompanhamento de saúde. Então a gente pode direcionar esse atendimento também, por meio da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde). Mas, normalmente, as denúncias chegam por vizinhos, parentes ou o próprio idoso.

Abrimos procedimentos administrativos ou judiciais, se necessário, para atender essas demandas, sejam elas apresentadas pessoalmente ou virtualmente. Nosso objetivo é lidar com as denúncias e oferecer suporte adequado às vítimas.

Como o Estado atua para garantir a segurança das vítimas de violência no ambiente familiar?

Existem várias opções. Uma delas é encaminhar um processo judicial que pede o afastamento do agressor com uma medida protetiva. Entretanto, existem casos em que o idoso é que precisa ser acolhido em alguma instituição. Só que isso é analisado a partir de cada caso. Não existe uma fórmula pronta para resolver todos os casos.

É preciso ter uma equipe de assistência social e de psicólogos que vão analisar a situação e sugerir o melhor encaminhamento para que o idoso tenha seus direitos garantidos", esclarece Cristiane.

Quais são os outros recursos que estão disponíveis para ajudar as vítimas de violência em Mato Grosso do Sul?

A denúncia é essa primeira ferramenta, que faz o Poder Público tomar conhecimento. A partir disso podemos encaminhar para assistência social, para a rede de saúde. Também temos a Defensoria Pública, que auxilia na garantia desses direitos por meio do NUDEDH (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos).

Existem advogados que são especializados em atender pessoas idosas que estão tendo os direitos negados. É importante lembrar que não se trata apenas de idosos carentes com direitos violados, também lidamos com casos envolvendo idosos com uma boa situação financeira. Existem casos em que filhos tentam desviar o patrimônio dos idosos, além das diversas formas que mencionei anteriormente.

Portanto, não se restringe apenas a pessoas financeiramente necessitadas, pois até mesmo idosos com recursos podem enfrentar violações de seus direitos. Nesses casos, eles têm a opção de buscar assistência jurídica por meio de um advogado para pleitear seus direitos legalmente.

Quais são os sinais que podem ajudar a identificar um quadro de violência contra uma pessoa idosa?

Primeiro de tudo é preciso estar sempre atento. Se um idoso reclama, é preciso escutá-lo de fato. Às vezes, um idoso vai ao médico e faz uma reclamação. Outras vezes, ele vai a um posto de saúde e a violência é notada pelos atendentes.

Várias denúncias chegam por meio da assistência social de postos de saúde. O idoso chega sozinho ao posto de saúde, sendo que em alguns casos chega sem saber como chegou lá. Então a assistente social do posto de saúde nos envia um relatório dizendo: 'Olha, chegou aqui com marcas, com roxos no braço, indicando agressão.'

Hospitais também nos enviam denúncias de suspeita de maus-tratos. Eles informam quando um idoso chega com escaras, aquelas feridas de contato; se chegou urinado, sem trocas de fraldas. Então, pode estar ocorrendo uma negligência familiar, que é uma forma de violência.

Em outros casos, são os vizinhos que notam. Por vezes eles percebem que o idoso não está saindo de casa, está preso lá dentro. Então é importante observar o que está ao seu redor e também o que eles contam. É claro que existem casos de idosos com condições cognitivas imperfeitas e coisas que são fantasiosas, mas muitas vezes não, são coisas verdadeiras. Portanto, é importante aprender a perceber esses detalhes.

Às vezes, os parentes também vão a casa e percebem que o idoso não tem comida na geladeira. A pessoa idosa até recebe o benefício da LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), que é o benefício da prestação continuada, mas não tem nada para comer. Há alguém morando com aquele idoso? Para onde está indo esse benefício?

Decoração da sala da promotora Cristiane Barreto Nogueira, da 44ª Promotoria de Justiça do MP-MS (Foto: Paulo Francis)
Decoração da sala da promotora Cristiane Barreto Nogueira, da 44ª Promotoria de Justiça do MP-MS (Foto: Paulo Francis)

Então, é importante observar os sinais ao seu redor. Se esses idosos aparecem sujos, se a casa está suja, se a pessoa parece trancada em casa. A campanha do Junho Prata vem com esse intuito, de trazer essa "luz" sobre esse tema, mostrando que existem várias formas de violência para as quais devemos ficar alertas. Além disso, é uma forma de estimular a denúncia.

É importante discutir essas diferentes formas de violência, algumas das quais muitas vezes passam despercebidas. A sociedade tende a normalizar essas situações, fechando os olhos para elas, como acontece com a violência doméstica contra as mulheres. Xingamentos, menosprezo, críticas à aparência física, humilhações são formas de violência que podem ocorrer.

Com os idosos, é comum vermos pessoas zombando deles, rindo ou fazendo piadas. Infelizmente, isso também pode acontecer no âmbito familiar. Acredito que essa seja uma realidade muito presente.

O que o Ministério Público preparou para a campanha do Junho Prata deste ano?

Estamos desenvolvendo um programa para conscientizar sobre a importância das instituições filantrópicas que acolhem os idosos. Além disso, estamos planejando campanhas visuais para apoiar essa causa.

Serviço - A legislação garante que nenhuma pessoa idosa pode sofrer qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, sendo que qualquer descumprimento aos direitos da pessoa idosa será punido na forma da lei.

Os casos de violação a esse direito devem ser denunciados ao Disque 100 ou Disque Direitos Humanos. O serviço funciona diariamente, 24h, inclusive nos finais de semana e feriados.

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