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Cidades

Índios tentam manter vírus longe, mas reclamam de Funai paralisada

Comunidades denunciam falta de ação ou resposta do novo coordenador, e grupo aguarda decisão judicial sobre pedido de afastamento

Izabela Sanchez | 23/04/2020 11:55
Um dos grupos que cuidam da barreira sanitária na aldeia Lalima, em Miranda (Foto: Divulgação)
Um dos grupos que cuidam da barreira sanitária na aldeia Lalima, em Miranda (Foto: Divulgação)

Conhecido pelo estrondo do megafone, o coordenador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Campo Grande, o Capitão reformado do Exército José Magalhães Filho, segue silencioso diante da covid-19. É o que denunciam lideranças de aldeias atendidas pela coordenação da região norte. Enquanto organizam o próprio sistema de segurança sanitária para manter o novo coronavírus longe, dizem que a Funai está "paralisada".

O órgão destinou apenas R$ 117 mil à coordenação de um total R$ 10,8 milhões para todos os estados brasileiros, mas os caciques afirmam que até agora nenhuma comunicação sobre a aplicação do dinheiro foi feita. Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país. Em entrevista ao Campo Grande News quando a fatia do recurso de emergência foi anunciada, Magalhães disse que a prioridade era a aquisição de cestas básicas. “Vamos pedir apoio do Exército pata fazer a distribuição destes itens quando chegarem”, afirmou.

A nomeação do capitão da ala bolsonarista incomoda os indígenas atendidos pela coordenação. Grupo de lideranças protocolou pedido de afastamento do novo coordenador na segunda vara da Justiça Federal. Na ação, Lindomar Ferreira, Terena de Miranda, consta como autor e o doutor em antropologia Luiz Henrique Eloy atua como advogado.

A última movimentação é do dia 7 de abril, uma contestação, depois que a juíza Janete Lima Miguel pediu “mínimo de contraditório” antes de decidir sobre o pedido de afastamento. Além disso, lideranças de aldeias têm procurado o MPF (Ministério Público Federal) para denunciar o que consideram decisões arbitrárias do coordenador.

É o caso de uma comissão formada por indígenas Kadiwéu da Terra Indígena Kadiwéuu. A T.I é a maior porção demarcada pelo governo federal do centro-oeste e têm diversas aldeias desde a região de Bodoquena até Porto Murtinho. O grupo pediu providências contra a exoneração do coordenador local da Funai em Bonito, Miguel Jordão. Eles acusam Magalhães de “ameaçar” transferir a coordenação de Bonito para outro lugar se as comunidades não aceitarem novo coordenador indicado por ele “deixando aquela comunidade, composta por seis aldeias e uma vasta extensão territorial sem a assistência local da FUNAI”, conforme documento protocolado pelo grupo no MPF em Campo Grande em março.

Para Lindomar, autor do pedido de afastamento do coordenador, a situação ficou pior com a chegada do coronavírus. “Ele desapareceu do mapa, nós não precisamos de uma pessoa dessa, que não conhece a realidade indígena, à frente de uma instituição como essa. A gente estava conversando com outras lideranças porque a gente sempre teve alguma pessoa indígena na coordenação, mas não há nada contra um branco assumir desde que faça cumprir o que prevê a Constituição”, disse.

“Seria papel articular recursos para a regional de Campo Grande, nem isso ele tem feito, agora infelizmente a própria natureza parece que está se encarregando de atender um desejo de ver os povos indígenas à mercê. Como é que R$ 117 mil vai atender as aldeias da região norte do estado? É uma situação muito complicada, é uma perda para nós enquanto com comunidade indígena ter alguém despreparado para estar à frente de uma instituição política, uma pessoa que não conhece o povo”, comenta Lindomar.

A liderança Terena afirma que as aldeias têm enviado pedidos e visitado a Funai em Campo Grande, sem sucesso de diálogo. “Na verdade a gente tem encaminhamento demandas via funcionários porque ele se fechou para todo tipo de demanda, ele não fala com ninguém, trata os funcionários com truculência. É um velho mimado à frente da instituição”, critica.

Além disso, Lindomar afirma que as aldeias de Miranda esperam uma assinatura para que a região intensifique o combate aos incêndios florestais, que castigaram as terras indígenas no ano passado. O Ibama, segundo ele, autorizou a criação de um grupo do prevfogo na aldeia Babaçu. Para finalizar o projeto, é necessário autorização da coordenação regional.

“Ele diz que não quer assinar, não dá pra entender porque, o documento está pronto, tem um prazo, se não assinar a comunidade vai perder. Ano passado teve muito incêndio, pelo levantamento do Ibama houve a necessidade de instalação. Vamos ter que falar com a assessoria jurídica e MPF para agir”, diz.

"Favor manter fechada", diz a porteira que simboliza a barreira sanitária em Lalima (Foto: Divulgação)
"Favor manter fechada", diz a porteira que simboliza a barreira sanitária em Lalima (Foto: Divulgação)

Impacto econômico – Lindomar classificou como “muito grande” o impacto econômico da crise de isolamento social. Conforme levantou o Campo Grande News, as aldeias estão monitorando barreiras sanitárias na entrada. A única ajuda têm sido cestas básicas do governo do estado. A organização dos turnos para cuidar das barreiras, distribuição dos materiais de higiene enviados pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e a busca de maneiras de driblar a crise, ficam a cargos dos índios.

Os Terena são famosos por praticarem agricultura familiar e Lindomar relata que o isolamento voluntário, orientado por decreto da Funai e do município de Miranda, têm prejudicado a venda dos produtos na cidade. Além disso, muitos clientes deixaram de ir até as aldeias com a quarentena.

“Cada família vende x coisas, compra mistura, a gente vai vivendo graças a deus. Temos orientado do perigo de andar pela cidade e o nosso povo tem atendido o pedido dos caciques, mas vamos passar por dificuldade. O governo do estado mantém as cestas básicas, é o que tem. A gente estava tentando ver com a Funai de tentarmos viabilizar um termo de cooperação Funai e Conab e outras autoridades para abastecer as famílias em situação mais precárias pela cestas da Conab por dois, quatro meses, até passar essa situação”, explica.

“Quando pensávamos que a gente já tinha visto tudo, percebemos que não vimos nada”, comenta, sobre o cenário em meio à nova coordenação e ao coronavírus. “Mas a gente vai resistir”, pontua.

Messias Basques é doutor em antropologia e viveu durante os últimos anos entre os Kadiwéu, etnia que estudou, mas entre os indígenas da região ele também se tornou amigo próximo. Procuradas, algumas lideranças entre os Kadiwéu disseram temer a exposição e indicaram o antropólogo para comentar a situação. Messias cita o desconhecimento de Magalhães sobre as questões indígenas e sobre a legislação brasileira que versa sobre o assunto.

“Nesse sentido, a exoneração do servidor Miguel Jordão, indígena do povo Terena, do cargo de coordenador técnico local em Bonito viola o direito do povo indígena Kadiwéu à consulta prévia. Miguel Jordão tem uma vasta experiência no atendimento da comunidade kadiwéu, sendo graduado e pós-graduado na área em que atua. O coordenador tem se recusado a dialogar e afirma que não recuará em sua decisão”, disse.

Índios tentam organizar a entrada da aldeia Lalima para monitorar quem entra e quem sai (Foto: Divulgação)
Índios tentam organizar a entrada da aldeia Lalima para monitorar quem entra e quem sai (Foto: Divulgação)

Estamos organizados – Cacique da aldeia Lalima em Miranda, João Batista Pires da Silva disse que ainda não teve oportunidade de conhecer o novo coordenador, que assumiu o posto no início de fevereiro. “Eu não tive contato com ele ainda não, não visitou até o momento. Na verdade ninguém foi consultado, não tenho nada contra pessoalmente porque não conheço, mas foi sem consulta”, diz.

“Na minha opinião a gente precisa de apoio, a Funai sumiu das comunidades, não visita e não deu apoio, não apoiou em nada. A gente se reúne entre a gente, somos em 15 grupos para permanecer na barreira sanitária devido à aglomeração. Então ficam 10 pessoas na barreira durante o dia e 10 a noite”, comenta.

O cacique afirma que o grupo tem conseguido se organizar. A aldeia Lalima fica a mais de 40 km da cidade de Miranda. “A gente está trabalhando a prevenção, estamos no isolamento social, a gente tem um decreto da Funai e do município que a gente está seguindo. A gente fica mais dentro da aldeia mesmo e o pessoal que é o grupo de risco não está saindo de casa”, conta.

“Eu não vejo nenhuma ajuda, eles mandam sementes uma vez por ano, seria bom ter acompanhamento constante da Funai na parte da agricultura, um engenheiro agrônomo para o pessoal da lavoura. Plantamos mandioca e as pessoas da cidade que vão na aldeia comprar. Alguns entregam pra mercado, restaurante. Diminuiu, não estão entrando na aldeia”, disse.

Procurado para comentar sobre a aplicação do recurso de emergência, o coordenador regional disse que há uma diretriz nacional para que apenas a assessoria de imprensa em Brasília comente o assunto. Questionado sobre a ação judicial, Magalhães disse que “a Funai que deve responder por isso e é um direito das pessoas entrarem na Justiça para alcançarem aquilo que acham que é certo”.

Procurado, o MPF afirma que ainda avalia se irá instaurar procedimento.  "A comunidade indígena kadiweu encaminhou carta ao MPF, em março, exigindo a exoneração do atual coordenador regional da Funai. O procurador responsável vem tentando realizar uma reunião entre as partes envolvidas (lideranças indígenas e coordenador da Funai) para tratar do assunto, mas a reunião acabou sendo desmarcada por um imprevisto por parte do representante da comunidade indígena", cita o comunicado enviado pela assessoria de imprensa.

"Considerando a crise relacionada à pandemia de coronavírus e tendo em vista a própria segurança dos indígenas, que integram o grupo de risco, não é segura a realização de uma reunião presencial. Tampouco é simples a realização de uma reunião por videoconferência. Somente após o resultado da reunião é que o MPF avaliará a necessidade de instauração de procedimento sobre o assunto", finaliza.

A reportagem procurou a Funai por meio da assessoria de imprensa em Brasília, mas não recebeu resposta até a conclusão da matéria.

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