Vida para muitas das vítimas de acidentes de trânsito nunca mais será igual
Acidentes graves deixam sequelas, obrigam pessoas a mudarem completamente rotina e encarar tratamento por anos
Acidente, conforme o dicionário, é um evento inesperado que causa sofrimento ou dano. Para alguns, sobreviver no trânsito é o início de um desafio: reaprender a viver com sequelas.
Todo ano de 2021, somente em Campo Grande, ocorreram 8.187 acidentes, com 33 óbitos e ainda 11.715 vítimas que não faleceram, mas que ficaram feridas. Entre elas, está o mecânico de automação industrial, Samuel Pereira Santos, de 28 anos. Atropelado por motorista que acelerou para entrar na garagem de casa, no Bairro Coronel Antonino, em fevereiro do ano passado, desde então a vida dele não foi mais a mesma e provavelmente, nunca mais será.
Ele se diz conformado com a condição e que o sentimento de condenação sobre quem o atropelou diminuiu, mas é custoso pensar que a rotina mudou tanto em apenas um ano. “Eu culpei muito quem me atropelou, eu tinha acabado de fazer 27 anos, com toda uma vida pela frente e de repente, me vejo prestes a perder um membro”, sustentou.
Samuel teve prognóstico de ter que amputar a perna esquerda depois do acidente, já que houve esmagamento da fíbula e fratura completa da tíbia. Entre fevereiro do ano passado e março deste ano, ele passou por 13 cirurgias, mas só começou a sentir avanços após a sétima. “Desde o acidente, eram idas e vindas ao hospital, uma cirurgia para poder fazer a outra”, comentou.
Sobre trabalho, ele fala que nunca mais pôde atuar e como não era registrado – trabalhava na empresa da família – não conseguiu auxílio-doença e batalha para poder se aposentar pelo Loas (Lei Orgânica de Assistência Social).
Até seis meses depois do acidente, eu não conseguia fazer nada, nem levantar da cama. Perdi 23 quilos, tive que sair da minha casa, onde morava sozinho e voltar pra casa dos meus pais, nunca mais voltei a trabalhar, tive que vender meu veículo (moto) e nunca mais pude dirigir. Fora os problemas de mobilidade. Hoje, eu ando com dificuldade e com auxílio de muleta e ainda um fixador envolvendo minha perna”, enumerou.
O jovem afirma que nunca mais vai “voltar ao normal”, até porque perdeu totalmente o movimento do pé. A expectativa, segundo o médico que o atende, é que ele retorne entre 60% a 70% da normalidade, “mas 70% seria assim, o máximo do máximo”, explica. Samuel faz fisioterapia até hoje.
Superação – Também sobrevivente, Lauriane da Silva Rodrigues, de 30 anos, não é a mesma e nem leva a mesma rotina desde 7 de dezembro de 2020. Voltando para casa à noite, depois do trabalho, ela foi fazer conversão em rua perto de casa, no Bairro Estrela Dalva e acabou se assustando com carro que vinha na pista contrária, perdeu o controle da moto e chocou-se contra poste.
Em testemunho, ela lembra que teve a mandíbula e a clavícula quebradas, hemorragia pulmonar, corte e lesões pelo corpo, estenose traqueal, paralisia da corda vocal, estresse pós-traumático com bloqueio de memórias e dificuldade muscular. No acidente, ela bateu o rosto e o tórax e passou por duas cirurgias e três internações.
Depois de 14 dias em coma, até hoje, ela faz tratamento tanto de fonoaudiologia e fisioterápico quanto psicológico. “Tive que colocar um grampo de aço na mandíbula, e fiquei 14 dias em coma na Santa Casa. Em janeiro de 2021, internei de novo com problemas respiratórios e identificaram estenose traqueal, que não souberam dizer se era fruto do acidente ou do uso da traqueostomia”, comenta.
Para ela, que é professora, voltar a escrever ajudando a filha nas tarefas ou mesmo lavar uma louça são uma vitória. Falar é outra habilidade que ela precisou reaprender. “Eu não conseguia respirar e falar ao mesmo tempo. Só sussurrava. Deus me deixou sobreviver e eu já aprendi tanta coisa nesse tempo”, desabafa.
Lauriane também agradece à equipe da Santa Casa, que a tratou com carinho e cuidado em todas as internações. “Não tenho como agradecer”, afirma.