Abandonada, empresa é “vila dos rejeitados” com crack, pobreza e muito lixo
Complexo da antiga Constran, há muitos anos desativada, tem lixo de todo tipo, dependentes químicos e muro furado a balas
Entre os bairros Jardim Sayonara e Vila Eliane, em Campo Grande, um portal dá acesso à “vila dos rejeitados”, entre objetos e pessoas que normalmente ficam às margens. No complexo da Constran, empresa desativada desde a década de 1990, dependentes químicos usuários de crack dividem espaço com montanhas de lixo de todo tipo.
Há dois pedidos de socorro por ali: de quem não recusa, mas se deteriora escondido nas ruínas da empresa, e dos moradores dos bairros, que sobem os muros de casa para evitar os furtos e a visão do cenário decadente.
A referência é a rua Teófilo Otoni, entrada da antiga empresa. Por ali os odores competem logo na entrada, uma espécie de portal, com entulho decorando a passagem. Animais mortos em decomposição intensificam o odor e é até arriscado caminhar, em meio ao matagal e as paredes caindo, pela certeza de que ratos e animais peçonhentos rastejam ali.

Dentro, uma casa em ruínas. Quartos de despejo, emprestando da escritora favelada Carolina de Jesus, este nome. Colchões velhos e sujos, latinhas para uso do crack, sofás velhos e uma imagem simboliza o que se pode considerar a morte do viver bem: pedaços de uma galinha, carbonizada, incluindo patas e cabeça, repousam sobre uma “grelha” improvisada, alimento do desespero de quem não tem o que comer.
Em outro local, muro furado de balas dá o tom de que na pobreza, consumo de drogas e violência andam sempre juntos.
Rosana Maciel mora na Vila Eliane, tem 51 anos e não trabalha fora de casa. Vive há cinco anos no bairro junto com os três filhos. Desde que chegou à Vila que a situação é a mesma, conforme relata.
“Desde que moro aqui é assim e ninguém faz nada. Primeira coisa que eu percebi quando mudei pra cá foi isso. Essa fábrica abandonada faz com que juntem lixo, usuários de droga e a prefeitura não faz nada”, critica ela.
Na insegurança, a vigilância comunitária é ativada. Ela e outros vizinhos criaram grupo no Whatsapp para que um cuide da casa do outro quando não há ninguém. Rosana aprendeu com a experiência, já que conta terem entrado no quintal da casa onde vive para furtarem a casa da vizinha.
“A noite é muito comum sairmos e encontrarmos eles fumando, eles pedem dinheiro, comida, não tem o que fazer. A gente já foi atrás, já denunciamos e ninguém resolve”, explica.
“Temos que contar com Deus”, diz Rosana.
A costureira Débora Salles, 40, mora há oito anos na Vila Eliane. “Faz muito tempo que pedimos, mas ninguém se importa. Tem de tudo”, conta ela, sobre o lugar.
“Tudo de ruim as pessoas jogam ali”, afirma Débora.
“Durante o dia é tranquilo, mas a noite é que a gente não tem paz, um vem pede dinheiro, outro vem e pede comida. Eu tenho uma neta, como vou criar uma criança em um lugar desse? Essa situação não tem jeito. A empresa foi destruída e cada dia junta mais usuário, pessoas diferentes. Queremos que o poder público tome uma providência, porque se eu deixo o meu quintal sujo, eles vem aqui e eu levo uma multa, e aí, de quem é a responsabilidade? Quem cuida e quem multa? Eu acho que é uma falta de interesse do poder público, aqui se tornou uma área esquecida”, diz ela.
“A minha proteção são os meus cachorros”, conta a moradora, dona de três.
Escuridão - Marcos Aranda, 40, trabalha como autônomo e mora na região há mais de 20 anos. Ele classifica como “cenário de muita escuridão” o que há anos tem se formado ali. “O cenário é de muita escuridão, é muito nóia. Tive que mudar o percurso, a situação é feita a noite ali”, conta.
“A gente denunciava muito antes, mas nunca ninguém fez nada, sempre ficou na mesma. Temos medo de assalto, de deixar a nossa casa sozinha. Graças a Deus aqui nunca ninguém mexeu, aumentei o muro e tenho cachorros. Eu acho que o poder público tinha que vir aqui limpar, acabar com essa área abandonada, fazer loteamento, área de lazer, alguma coisa. Está muito esquecido”, comenta.
A assessoria de imprensa da Guarda Civil Metropolitana afirmou que agentes da base Imbirussu, localizada no Jardim Panamá, “fazem rondas dia e noite” e que, se necessário “abordam”. A Guarda disse, ainda, que a orientação é ligar para o número 153.
Procurada por meio da assessoria de imprensa, a Prefeitura de Campo Grande não respondeu até a conclusão da reportagem.
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