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Capital

Afrontando a lei, guias rebaixadas “privatizam” vagas de estacionamento na rua

Legislação manda rebaixar até limite de 60% do total da frente do imóvel

Por Aline dos Santos e Murilo Medeiros | 12/03/2025 09:15
Afrontando a lei, guias rebaixadas “privatizam” vagas de estacionamento na rua
Calçada 100% rebaixada e com faixa amarela na Rua Rio Grande do Sul. (Foto: Henrique Kawaminami)

Ignorando as leis municipais, a guia rebaixada, em que o proprietário do imóvel abocanha todas as vagas de estacionamento da fachada, é uma epidemia em Campo Grande. Na Rua 15 de Novembro, prédio comercial tem toda a frente pintada de amarelo.

RESUMO

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O artigo aborda a prática ilegal de rebaixamento de guias em Campo Grande, onde proprietários "privatizam" vagas de estacionamento em vias públicas. A legislação local permite rebaixar apenas 60% da fachada, mas muitos ignoram essa regra, afetando a mobilidade urbana e a acessibilidade. A fiscalização é feita pela Agetran, com multas que variam de R$ 9 mil a R$ 18 mil. A prática prejudica a rotatividade de vagas e a circulação de pedestres, especialmente pessoas com deficiência. O Ministério Público arquivou uma investigação sobre o tema, mas a prefeitura continua a notificar irregularidades.

“Mas a gente não tem o poder de exigir que a pessoa não estacione. Por exemplo, às vezes, o pessoal estaciona tudo aqui e quem é atendido por nós não consegue nem estacionar. Aí eu fico sem espaço para receber um cliente. Essa parte rebaixada já era assim quando pegamos o prédio. Também já era pintado de amarelo”, justifica Igor Alisson, 35 anos, assistente administrativo.

Gerente de loja na Rua 15 de Novembro, Marcos Martins, 51 anos, rebate que a situação do estacionamento, que classifica como “semi privativo” é regular, ignorando a guia totalmente rebaixada.

“Tem uma demanda muito grande de prédios vizinhos. Estacionam aqui e em todo o entorno, não sobra vaga para os clientes da região. Como comerciante, eu preciso da vaga para atender meu cliente. Esses vizinhos já denunciaram, mas não conseguiram nada. O que ia acabar com esse problema é se a prefeitura implementasse o parquímetro aqui”.

Na Avenida Mato Grosso, Douglas Regis, 28 anos, gerente da loja, conta que o prédio foi alugado há dois anos e o imóvel já tinha todo o meio-fio rebaixado. “Com esse estacionamento na frente e a faixa amarela. Seria exclusivo da loja, né? Mas o pessoal direto estaciona aqui e vai pra outros lugares. Mas a gente nem reclama. Prefiro evitar discussão. Nem ligo”.

Na Antônio Maria Coelho, Lorena Bezerra, proprietária de clínica, afirma que seguiu todas as orientações e desconhece irregularidade na faixa amarela no entorno do local. Obtendo autorizações para o estacionamento.

Afrontando a lei, guias rebaixadas “privatizam” vagas de estacionamento na rua
Rua vira estacionamento privativo na Rua Antônio Maria Coelho. (Foto: Henrique Kawaminami)

De acordo com a Lei 2.909, de 28 de julho de 1992, que Institui o Código de Polícia Administrativa de Campo Grande, é vedado rebaixar o meio-fio sem autorização prévia do órgão municipal competente.

Já a Lei Complementar 74/2005 é ainda mais específica. O proprietário pode rebaixar até 60% do total da frente do lote e, além disso, cada rebaixamento não pode passar de 12 metros de extensão. Ou seja, se a fachada for grande, ele pode rebaixar 12 metros e tem que dar um espaço de 4,8 metros entre o primeiro e o segundo rebaixamento. Abrindo vagas para os demais condutores.

A legislação trata do ordenamento do uso e da ocupação do solo em Campo Grande.

Produção de vagas - “Vamos supor que eu tenha um imóvel de 100 metros, onde pode rebaixar 60 metros. Nesse caso, não pode fazer os 60 metros de uma única vez. Tem que fazer 12 metros e, depois, 4m80 de guia levantada. Para que produza vagas na via pública. Se faz o rebaixamento de uma única vez, acaba com o estacionamento público”, afirma a diretora adjunta da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Andréa Figueiredo, que é especialista em planejamento e gestão urbana.

Atualmente, só há possibilidade de rebaixar 100% da guia em imóveis vizinhos ao corredor de ônibus, com na Rua Rui Barbosa, desde que tenha 4m80 de profundidade. Nesse caso, não há justificativa de manter a vaga na rua se não pode estacionar.

Afrontando a lei, guias rebaixadas “privatizam” vagas de estacionamento na rua
Andréa Figueiredo é diretora adjunta da Agetran. (Foto: Marcos Maluf)

“Há uma busca incessante pela cidade para regularização desses imóveis. Denúncias podem ser feitas pelo 156 ou com protocolo físico na Agetran”. A fiscalização é em parceria com a Semades (Secretário de Meio Ambiente, Gestão Urbana e Desenvolvimento Econômico, Turístico e Sustentável). A multa varia de R$ 9 mil a R$ 18 mil.

A diretora explica que os multados tendem a regularizar a situação. “É difícil ser uma multa só por rebaixamento.  Porque faz a combinação do Código de Trânsito Brasileiro junto com a 2909 [Código de Polícia Administrativa de Campo Grande]. Mas, normalmente, regularizam. Porque é mais barato do que ficar pagando R$ 9 mil. Se você reincidir, é três vezes mais o valor. E quando regulariza, ele não perde a vaga. Apenas adequa a via pública e a vaga também pode ser para o cliente dele. Cria uma rotatividade naquele espaço”, afirma Andréia.

A guia rebaixada de forma irregular também pode levar à notificação por obstruir a calçada, caso o recuo não seja de 4m80 e veículo fique na área da caçada destinada à circulação dos pedestres.

Cultura da comodidade – Coordenadora do curso de engenharia civil da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) e pesquisadora sobre mobilidade urbana, Rocheli Carnaval Cavalcanti destaca os impactos na fluidez do trânsito.

“Essa prática impacta diretamente a mobilidade urbana, pois reduz a quantidade de vagas de estacionamento nas vias públicas, especialmente em áreas com grande fluxo de veículos. Muitas dessas edificações comerciais, ao adotarem essa prática, acabam sinalizando suas vagas como ‘privativas’, o que é indevido, uma vez que a legislação municipal não permite essa ocupação do espaço público”.

A pesquisadora reforça que a situação contraria as normas técnicas brasileiras e as leis municipais de uso e ocupação do solo, prejudicando a locomoção segura e eficiente para todos os cidadãos.

“Além disso, a acessibilidade nas calçadas é comprometida, pois os desníveis e inclinações irregulares, gerados por essas adaptações, dificultam a circulação de pedestres, especialmente para pessoas com deficiência”, diz Rocheli.

A busca do condutor campo-grandense para estacionar bem perto do destino final também estimula o rebaixamento irregular das calçadas.

De forma geral, muitos preferem frequentar comércios que ofereçam conveniência no estacionamento, e, em muitos casos, se o veículo não puder ser estacionado diretamente em frente ao estabelecimento, isso pode desmotivar a ida até o local. Em tom mais informal, podemos dizer que, se fosse possível, muitos estacionariam dentro do próprio comércio. Esse comportamento reflete uma cultura de comodidade que, por vezes, ignora os impactos no espaço urbano e na mobilidade da cidade”.

Algumas capitais se projetam no cenário nacional pelo estacionamento rotativo, como Curitiba, São Paulo e Porto Alegre. “O modelo de Curitiba é considerado bem-sucedido, pois, além de garantir a rotatividade das vagas, utiliza a cobrança de tarifas para garantir que as vagas sejam ocupadas de forma mais eficiente e que os motoristas não estacionem por longos períodos nas mesmas localizações, permitindo que mais pessoas possam usufruir desse serviço”.

Afrontando a lei, guias rebaixadas “privatizam” vagas de estacionamento na rua
Após reforma em imóvel na Rua Canadrina, vaga foi pintada de amarelo. (Foto: Marcos Maluf)

O engenheiro Riverton Barbosa Nantes também enfatiza os impactos das vagas irregulares na mobilidade urbana.

“Considerando que fica difícil estacionar, principalmente no Centro de Campo Grande, onde muito das vezes o cidadão acaba tendo que estacionar em estacionamentos privados ou em lugares muito distantes, imagina as pessoas com deficiência. Por isso, deveria fazer um estudo para a volta dos parquímetros, eles realmente obrigavam a rotatividade no Centro, nosso transporte público é ruim. A população que tem condições de adquirir um veículo prefere a condução própria”, diz Riverton.

Ele é vice coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Civil e Agrimensura do Crea-MS (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso do Sul).

"Campo Grande possui um código de obras, nele é possível observar que o rebaixamento da guia é somente de no máximo de 7 metros, quando os acessos tiverem aberturas de entrada e saída separados, no qual o rebaixamento deverá ter distância mínima de 6 metros da esquina", diz o engenheiro.

Investigação arquivada – Em novembro de 2023, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) chegou a abrir procedimento para fiscalizar a prefeitura sobre o rebaixamento do meio-fio sem autorização do poder público. Mas o desfecho foi o arquivamento, conforme registrado em agosto do ano passado.

"Verificou-se que não há inércia da administração pública em relação às reclamações relacionadas ao rebaixamento de guia para acesso ao estacionamento. Ainda, quando verificada alguma irregularidade a Agetran atua para que o empreendedor adeque-se à legislação e caso haja alguma resistência emitem auto de infração e acompanham via procedimento administrativo”, afirma a promotora Andréia Cristina Peres da Silva.

Segundo a promotora, não existia fundamento para a propositura de medidas judiciais pertinentes ao direito fiscalizado.  De acordo com a prefeitura, em 2023, foram notificadas 119 irregularidades, das quais 59 foram regularizadas.

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