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Capital

Agredido até quase morrer, Clayton Jonas renasceu da força de vontade de Elena

Clayton fala da importância da mãe na recuperação, após ter sido agredido e passado 62 dias em coma

Silvia Frias | 08/05/2022 09:13
Clayton credita à mãe a força de retomar estudos e recuperação: "ela é super demais mesmo" (Foto: Henrique Kawaminami)
Clayton credita à mãe a força de retomar estudos e recuperação: "ela é super demais mesmo" (Foto: Henrique Kawaminami)

O portão de ferro da casa no Jardim Batistão se abre e surge o rapaz de sorriso largo e aberto, sua marca registrada. Desde 2009, Clayton Jonas Torres de Freitas, começou batalha pessoal de superação: vítima de brutal agressão física, que o deixou 62 dias em coma e no limiar da morte, teve que reaprender a falar, pensar e viver. A força de vontade para sair do zero e, hoje, estar quase terminado uma faculdade, se personifica na pequena figura que surge logo atrás dele: a mãe, Elena Brites Torres, 56 anos.

“Minha mãe é super demais mesmo”, resume Clayton, 31 anos. Na recuperação do filho, Elena teve que abrir mão do trabalho, correr atrás de tratamento, de doações e até frequentou à noite, com ele, o EJA (Ensino de Jovens e Adultos) para que o rapaz pudesse estudar e relembrar o que as agressões haviam levado. Também recorreu à Justiça para que os agressores arcassem com os danos causados, ação que hoje está em R$ 670 mil e com chances remotas de ser paga.

Clayton passou a andar de muletas a partir de fevereiro (Foto: Henrique Kawaminami)
Clayton passou a andar de muletas a partir de fevereiro (Foto: Henrique Kawaminami)

A história de Clayton Jonas foi tema de várias reportagens em Campo Grande a partir de 13 de fevereiro de 2009, quando foi vítima de agressão no Jardim Canguru: ele estava em uma conveniência quando foi agredido por dois jovens de 18 anos e um adolescente de 14. Enquanto era imobilizado, um deles tentou atirar e, quando a arma falhou, passou a usá-la dando coronhadas na cabeça da vítima. Os outros rapazes davam chutes e socos, até deixar Clayton desacordado.

A denúncia alega que o motivo do crime era inveja. Os agressores, vizinhos dele, viam a evolução do rapaz: aos 18 anos, Clayton era estagiário de um banco e havia sido aprovado no vestibular para curso de Ciências Contábeis.

"Sei que sou assim e não era assim", diz Clayton (Foto: Henrique Kawaminami)
"Sei que sou assim e não era assim", diz Clayton (Foto: Henrique Kawaminami)

Clayton ficou em coma até abril de 2009 e, quando abriu os olhos, foram quase três anos vivendo em estado vegetativo. Quando retornou a consciência, não se lembrava da agressão, tinha sequelas graves e perda parcial de memória. Também desaprendeu a falar, escrever e ler. O diagnóstico era de lesão medular, paraparesia (perda da função motora), traumatismo raqui medular e “totalmente dependente de terceiros”, segundo laudo médico.

“Da confusão, da briga, não consigo ter memória, sei porque está documentado. Sei que sou assim e que não era assim”, diz Clayton Jonas,

Em 2012, conheci mãe e filho, ele, ainda em processo de recuperação. Era dependente dela para ir e voltar da escola à noite, tinha fala deficiente e confusa em sentença maiores. Há 5 anos, consegue “se virar sozinho”, diz. A fala também evoluiu, sendo mais fluente e compreensível. “Nossa, mas ele conversa”, entrega Elena.

Mãe e filho, em foto tirada em maio de 2012: sorriso largo e aberto (Foto: Silvia Frias)
Mãe e filho, em foto tirada em maio de 2012: sorriso largo e aberto (Foto: Silvia Frias)

Somente em fevereiro, 13 anos depois das agressões e com mudança no tratamento fisioterápico, Clayton está conseguindo usar muletas e se movimentar com mais liberdade. Está no curso de Administração à distância, mas vai até a faculdade uma vez por semana. E sozinho.

Essa evolução chegou a ser interrompida. Depois do EJA Fundamental, cursou o Ensino Médio e parou por um ano os estudos, até entrar na faculdade de Administração. Mas, novamente, abandonou tudo em 2018, por cerca de um ano e meio “Ele ficou meio deprimido, fala que não, mas parou, não fazia nada”.

O retorno, segundo Clayton, foi como se “recobrasse a consciência”, conta. “Percebi, realmente, minha mãe faz tudo por mim, não me deixava quieto, mesmo com fralda e com sonda, ela conseguiu fisioterapia, cadeira que virava maca, tudo, tudo; eu meio que me toquei, 'poxa, ela não tem mais 15 anos', não vale ela se forçar tanto, eu tava vendo isso”.

O rapaz voltou a frequentar o curso e deve se formar em 2023. “O caminho é esse, é o estudo, escolhi essa área para trabalhar em empresa grande, quem sabe, né? Já fui estagiário do Bradesco, você começa por baixo e vai subindo”, planeja. Embora tenha retomado a vida estudantil, a mãe o recrimina por não querer sair mais. “Eu sou recluso mesmo, me sinto constrangido ainda, de andar assim, sei lá”. A mãe retruca e ele responde, rindo, com a frase que mais usa quando não quer falar sobre algo. “Calado, papai”.

Elena diz que tenta fazer com que filho saia mais de casa: "Calado, papai" (Foto: Henrique Kawaminami)
Elena diz que tenta fazer com que filho saia mais de casa: "Calado, papai" (Foto: Henrique Kawaminami)

Ação – Elena conta que logo depois do ocorrido contou com ajuda de muitas doações. Conseguiu comprar cadeira de rodas, aparelho de musculação, instalar a barra para exercícios e, há 8 anos, se mudaram para casa que dá mais liberdade de movimentação para Clayton. O estudante é aposentado, recebe salário mínimo com acréscimo de R$ 300 pela invalidez. A dona de casa voltou a cozinhar em eventos há cerca de seis meses para complementar a renda. Desde que o caçula saiu de casa, a vida é entre os dois. "Hoje sou eu e ele".

Em junho de 2011, orientada pela Defensoria Pública, entrou com ação de indenização por danos materiais e morais com pedido de pensão alimentícia vitalícia de dois salários mínimos. Naquele período, o cálculo era de R$ 53.315,70. Depois de recursos o processo teve acórdão publicado em setembro de 2017 e determinação de cumprimento de sentença em janeiro de 2019. O valor atualizado chega a R$ 670.491,43.

“Conseguir que paguem tudo seria inesperado, bem utópico”, admite a defensora pública Anna Clara Rodrigues Santos. “Se a pessoa não tem nada, não tem o que ser feito”.

Agora, a Justiça mantém as diligências à caça de bens dos réus. Para isso, é feito pedido regular para checar os dados nos sistema Renajud (busca de veículos), Sisbajud (contas bancárias) e InfoJud (declaração do Imposto de Renda). Tudo que possa indicar qualquer patrimônio que possa ser minimamente vinculado e depositado para a vítima, abatendo a dívida. No último andamento da ação, os réus tiveram nomes inscritos no Serasa.

“Ah, eles não tem nada, né? Não tenho esperanças não”, diz Elena. Criminalmente, já foram sentenciados, em julgamento ocorrido no dia 8 de julho de 2010: os dois de 18 anos foram condenados a 9 anos e 4 meses de prisão, em regime fechado. O menor chegou a fugir da Unei (Unidade Educacional de Internação), mas cumpriu medida socioeducativa por seis meses e foi liberado. Hoje está com 27 anos.

Dos outros dois réus, o que Elena e Clayton sabe é que um deles morreu. O óbito consta no processo. Depois da sentença, o agressor foi transferido para o presídio de Aquidauana, em 22 de dezembro de 2012, onde morreu no dia 9 de junho de 2014. O outro rapaz foi condenado também em outro processo por homicídio qualificado e, até 2019, cumpria pena no Presídio de Segurança Máxima.

Clayton diz que não pensa no que aconteceu. “Perdoar, não perdoei, eu acredito que não depende de mim. Mas, não me importa, eles lá, e eu aqui, eles foram presos, teve a justiça dos homens, que paguem. Tento continuar, tocar minha vida”.

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