Greve no HC agrava colapso no tratamento de câncer
Sem referência na rede pública, 70% dos procedimentos de pacientes do Estado são realizados no HC
Médicos do HCAA (Hospital de Câncer de Campo Grande Alfredo Abrão), que fazem atendimentos oncológicos para 70% dos pacientes de Mato Grosso do Sul, entraram em greve nesta quarta-feira (22) alegando um déficit de R$ 770 mil por mês com o Governo do Estado e Prefeitura de Campo Grande.
Os profissionais cobram a regularização dos pagamentos, dos contratos dos integrantes do corpo clínico, dos serviços de patologia e exames de imagens (ressonância magnética e cintilografia óssea), que são essenciais aos diagnósticos e segmentos de tratamentos.
A ruptura expõe a urgente necessidade de rediscutir as formas de financiamento dos serviços prestados por instituições privadas, uma vez que o HCAA (Hospital de Câncer de Campo Grande Alfredo Abrão) é uma instituição privada filantrópica, mantida com doações e principalmente com parcerias, convênios e políticas públicas. Os recursos repassados pelo governo são responsáveis por quase a totalidade de receita, despesas e investimentos para atender os pacientes.
De acordo com a direção, o Hospital de Câncer atende 99% dos pacientes oriundos do SUS (Sistema Único de Saúde). Além disso, realiza 70% dos atendimentos oncológicos públicos de todo o Estado de Mato Grosso do Sul. Apenas em 2022 foram realizados mais de 180 mil procedimentos, entre eles: cirurgias, quimioterapias, radioterapias, consultas dentre outros atendimentos.
Com o anúncio da greve, deixarão de ser realizadas em torno de 1.000 consultas e 300 cirurgias eletivas ao mês. Até que seja feito um acordo com os entes públicos, serão realizados somente os atendimentos e cirurgias de urgência e emergência no PAM e UTI e os tratamentos nos setores de quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia já em andamento.
Médico clínico geral, com experiência em atendimentos pelo SUS, Ronaldo de Souza Costa questiona a falta de unidades de referência administradas pelo governo para o tratamento de câncer em Mato Grosso do Sul. No entendimento do profissional, casos de greve, como o atual, colocam a população em situação de calamidade deixando os pacientes com câncer à mercê das negociações entre o setor privado e poder público.
“Política para tratamento de câncer tem que ser pública, estão usando o orçamento público para entregar ao setor privado. As pessoas que não tem condições de pagar pelo tratamento fica em situação de calamidade enquanto o câncer avança. As pessoas estão à mercê da chantagem, para tirar dinheiro aumentando os repasses públicos. Não seria melhor o Estado retomar a administração do Hospital do Câncer?”, questiona o médico.
Apesar de ser uma instituição privada filantrópica, o Hospital de Câncer foi erguido e mantido sob alicerces do poder público de Mato Grosso do Sul. Iniciada em 2009, a obra do prédio do HCAA, na Rua Marechal Rondon, no centro da cidade, foi paralisada por falta de recursos próprios do hospital. Em 2012, o governo do Estado assinou convênio com a instituição garantindo R$ 9 milhões de recursos próprios para a construção dos outros sete andares do edifício e R$ 550 mil de aditivo para as instalações elétricas. Além disso, o governo repassava R$ 380 mil mensais para auxiliar nas obras.
Em 2015, início da gestão do governador Reinaldo Azambuja, cerca de R$ 15 milhões de recursos próprios do Estado foram investidos no término de dois pavimentos do hospital, sendo o subsolo e o térreo do prédio, que entraram em funcionamento no final do ano de 2016. Além do aporte de mais de R$ 15 milhões para a obra física, o Estado enviou R$ 6 milhões em 2021 para o hospital comprar aparelhos de ar-condicionado.
No ano passado, em seu último ano de gestão, o governador Reinaldo Azambuja assinou termo de compromisso para transferência de R$ 16 milhões do Estado para a conclusão do prédio de sete andares do Hospital, que começou a ser levantado em 2009.
Já a Prefeitura de Campo Grande, em parceria com o Governo do Estado, inaugurou 18 novos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensivo) adulto no Hospital de Câncer Alfredo Abrão para atendimento de pacientes com covid-19. Para a estruturação dos leitos foram disponibilizados nove respiradores pelo município e outros nove pelo Governo do Estado.
O alto investimento público destinado ao Hospital de Câncer e a falta de estrutura em unidades administradas pelo Estado para o tratamento de câncer dificultam uma nova relação com os prestadores privados.
“Para o Estado assumir as demandas oncológicas, ele teria que disponibilizar alguma unidade hospitalar, mas a gente sabe que hoje existe a situação de falta de leitos. Então você colocar um serviço e demandar esse serviço numa unidade hospitalar que já está sobrecarregada, talvez fosse uma situação desfavorável”, observa Marcelo Santana, presidente do SinMed (Sindicato dos Médico de Mato Grosso do Sul).
Na avaliação do profissional, o consenso para evitar novas greves e aprimorar o atendimento oncológico no Estado passa pelo diálogo essencial e criterioso entre o hospital e os gestores públicos.
“Penso que tem que ter uma forma criteriosa, somando esforços dos governos federal, estadual e municipal com ajuda do Ministério Público e demais entidades sociais, para se fazer um levantamento correto de quanto é necessário para manter o bom funcionamento do Hospital de Câncer de uma forma que seja justa tanto para o hospital como para os cofres públicos”, pontuou o presidente do Sindicato.
A reportagem aguarda resposta da SES (Secretaria de Estado de Saúde) e da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande) com posicionamentos sobre o assunto.
Previsão até 2025 – Enquanto o imbróglio segue em MS, o Inca (Instituto Nacional de Câncer), órgão ligado ao Ministério da Saúde, trouxe um panorama preocupante quanto à evolução do câncer em Mato Grosso do Sul.
Nós próximos três anos devem surgir quase 30 mil novos casos. Entre os principais tipos estão: próstata, câncer de mama, cólon e reto. Ao todo, são esperadas 4.800 novas ocorrências entre os homens a cada ano, já entre as mulheres o número deve chegar a 5.050 novos casos. Nacionalmente, a projeção é de 704 mil novos casos, anualmente, no mesmo período.