Moradores do Mandela contam os dias para ter a casa própria
Ocupação surgiu há 6 anos à margem do Córrego Segredo, na região norte
Os moradores da comunidade do Mandela, um região de fundo de vale às margens do Córrego Segredo, no norte de Campo Grande, contam os dias para finalmente sair do cenário insalubre em que vivem e ter a casa própria. Com a notícia de que o conjunto habitacional que os receberá começa a ser construído, muitos já foram checar se há movimentação de obra no novo local, a cerca de 2 quilômetros em linha reta, no fundo do Nova Lima.
Lá, serão construídas 220 casas para receber as 186 famílias já cadastradas do Mandela e o excedente a outras pessoas na fila pela casa própria, com a promessa de remoção em novembro de 2024.
Uma espera ansiosa para quem está há mais de seis anos convivendo com a falta de infraestrutura, dificuldade que se agrava no verão, com as chuvas constantes. Alguns moradores conseguiram recursos para fazer uma base de uns centímetros de tijolo e a partir dali subir paredes de madeirite e lonas de outdoors, como é o caso de uma das primeiras a chegar e hoje a líder da comunidade, Greicieli Naiara, de 28 anos. Para os demais, toda vez que chove vem o drama da enxurrada correr pelas vielas de terra e entrar nos barracos.
Greiciele já foi personagem de reportagens do Campo Grande News antes. Ela disse que foi para a margem do córrego porque não tinha onde viver com os dois filhos, o terceiro chegou quando ela já morava ali. Sua moradia é uma das mais próximas ao asfalto. Ela foi estendendo a casa com a ajuda dos homens da família, avô, tio, que subiram e ampliaram a casa, assentaram o piso cimentado.
Ela trabalha na prefeitura e à noite estuda Assistência Social. Conta com a presença da mãe, Márcia, para ajudar na rotina. Quando a reportagem chegou, no domingo, ao mesmo tempo lavava roupas e fazia o almoço.
Franciele Aguilar, de 27 anos, também é mãe solo, igualmente com três filhos. Também precisou arrumar o próprio canto e sair da casa da família, onde vivia com duas crianças. A irmã também veio. Ela trabalhava de camareira e não conseguia pagar moradia. Francieli e Greicieli brincam que na ocupação há muitas mães solo, mas somente dois pais com esse desafio.
A preocupação das mães é com as crianças seguirem sozinhas até à escola mais próxima, Kamê Adania. Elas andam em grupos, porque atravessam um local tomado pelo mato e ponto de encontro de usuários de drogas.
O medo do córrego - Mas na ocupação outro temor aflige pais de crianças menores. Um grupo mora colado à margem do córrego. Além do medo de que os pequenos saiam sozinhos e caiam no curso d’água, ainda convivem com o risco de bichos e da subida das águas. Andreza Romeiro Ramão mora sua bebê de 11 meses e a irmã. Ela se questiona como vai proteger a criança quando ela começar a andar para não chegar ao córrego, que está a poucos metros da porta da moradia.
Ao lado dela vivem Flávio Lúcio Pereira, a esposa e o filho de 2 anos. Ele diz não ver a hora de sair dali. Jardineiro, funcionário de uma empresa, quando se mudou ganhou caminhões de terra e fez um aterro para nivelar o solo antes de construir sozinho sua casa com placas de madeirite e lona. Ele conta que comprou os materiais, recebeu doações, encontrou objetos na rua, como a janela. Conseguiu fazer um cercado na varanda, mas não fica em paz. “Não posso nem piscar os olhos”, diz, sobre o filho. Ele mostra à reportagem o piso que ele mesmo assentou, mas começou a ceder com a enxurrada e a proximidade do córrego.
Luciano Aparecido de Oliveira é outro que teme pelos filhos, tem uma criança de 11 meses. Também fez um cercado para proteger a casa. Ele conta que a erosão na margem do córrego foi se aproximando da moradia com o passar dos anos. Estão há 3 anos ali.
Embora em frente à ocupação haja contêiner para o despejo do lixo, não é incomum as margens do córrego estarem cheias de saco de lixo, até sofás e outros entulhos. O que seria transtorno, os moradores chegam a sugerir que tem uma utilidade, funcionando como uma barreira de contenção do córrego.
Enquanto cada um convive com suas adversidades, os moradores alimentam o espírito de comunidade. Não é incomum eles receberem doações, pessoas deixarem sacolas, com roupas e alimentos, no salão que funciona como centro comunitário, na margem da rua Elmira Ferreira de Lima. O que chega ali, eles deixam para que cada um leve um pouco. A ideia é ninguém ganhar sozinho.
Há mais de uma placa nas moradias próximas à rua pedindo doações. Para doações, o contato de Márcia, mãe de Greiciele, é 99205-6047.