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Capital

Na favela, "distanciamento zero" e frio comprometem luta contra a covid-19

Em Campo Grande, barracos a um braço de distância e frio que provoca aglomeração familiar são desafios contra doença

Silvia Frias e Clayton Neves | 27/05/2020 16:54
Com o braço, Yasmin mostra o distanciamento entre os barracos na Favela do Mandela: "coisa de TV" (Foto: Henrique Kawaminami)
Com o braço, Yasmin mostra o distanciamento entre os barracos na Favela do Mandela: "coisa de TV" (Foto: Henrique Kawaminami)

Sentada em uma das duas camas acomodadas na unica peça do barraco, cercada pelos quatro filhos, Yasmin Aparecida, 28 anos, resume a realidade vivida por ela e as outras famílias da Favela do Mandela, em Campo Grande. “Esse negócio de distanciamento parece coisa de TV ou para quem tem casa bonita; esqueceram de nós”.

Em época de baixas temperaturas, o que já era precário, torna-se ainda mais insalubre e elimina qualquer chance de combate eficaz contra disseminação da covid-19. Com poucas opções de roupas de frio, o jeito é aproveitar ao máximo os cobertores doados, nem que para isso todo mundo se junte ainda mais para se esquentar. “Não é porque a gente quer, é porque a gente precisa”, disse Yasmin.

A jovem mãe integra o grupo de moradores do Mandela, comunidade que se formou precariamente há quatro anos e assim se mantém. A líder Greicieli Naiara Argilar Ferreira contabiliza 168 famílias residentes no local, sendo 280 crianças e quatro idosos. O censo informal ajuda na hora da distribuição das doações.

Yasmin coloca máscara em um dos 4 filhos (Foto: Henrique Kawaminami)
Yasmin coloca máscara em um dos 4 filhos (Foto: Henrique Kawaminami)

Greicieli diz que o envio de doações é regular, mas acaba centrando-se em itens como arroz, feijão e óleo de cozinha, por exemplo. “Máscara a gente recebe algumas, mas, álcool, é muito raro chegar e vêm numa quantidade que não abastece a comunidade”. Na divisão dos produtos, são entregues até dois sabões por família, uma forma de fazer com que todos sejam atendidos minimamente.

Greicieli diz que doações ajudam, mas é raro receber álcool (Foto: Henrique Kawaminami)
Greicieli diz que doações ajudam, mas é raro receber álcool (Foto: Henrique Kawaminami)

Na comunidade, Greicieli fica de olho e tenta monitorar como pode. “Quando eu vejo que o pessoal tá relaxando, já puxo a orelha da galera”, diz, quando vê alguém sem máscara.

Mas, a capacidade de ação da líder comunitária para na estrutura física da favela. Os barracos foram construídos a distância de um braço esticado e não há como evitar que os moradores se esbarrem nas vielas estreitas. Dentro das moradias precárias, a aglomeração é inevitável. “Tem família de 9, 10 pessoas dentro da casa, numa área que caberia uma casa tem três barracos, então, é distanciamento zero”.

O barraco de Yasmin é um exemplo. Na única peça, usada para quarto, sala e cozinha foram colocadas duas camas, divididas entre ela, o marido Luis Antônio, e os filhos Richard (9), Carlos (8), Ícaro (7) e Aisha (4) e, mais recentemente, a sogra, Ivaneide, 57 anos.

“Ficam quatro numa cama, quatro na outra, como que vai manter distanciamento se aqui é uma favela?”.

Tudo muito parecido na comunidade do Linhão, região do Jardim Noroeste, onde vivem 98 famílias na área que começou a se formar em 2011. O líder comunitário Giuliano de Souza Ramos, 38 anos, diz que álcool em gel é “item de luxo”. Ele mesmo mostra o potinho que comprou no início da quarentena, em março, a R$ 15 e usa somente quando precisa ir sair. “A gente não tem condições de comprar, sabão é bom porque dura mais, mas não dá para sair com sabão na bolsa, não é?”.

Giuliano mostra o fraco de álcool em gel comprado há meses e que só usa quando sai de casa (Foto: Henrique Kawaminami)
Giuliano mostra o fraco de álcool em gel comprado há meses e que só usa quando sai de casa (Foto: Henrique Kawaminami)

A exemplo do Mandela, as famílias também recebem várias doações de alimentos e, mais recentemente, de agasalhos e cobertores. Porém, na divisão, nem sempre é possível atender a todos os moradores. Fátima Toledo, 54 anos é ponto de referência na comunidade e para onde as doações chegam e, depois, distribuídas.

A nora de Fátima, Fabiana Cristina de Souza, 36 anos, diz que é comum que cada família recebe apenas um cobertor. Em períodos em que a temperatura na madrugada já chegou a 9,4ºC (com sensação de 5ºC), o jeito é unir forças na tentativa de se aquecer. “A gente tem que se virar, às vezes só com aquele, aí a gente dorme junto, vai fazer o quê?”.

Fátima e álcool usado na distribuição de doações (Foto: Henrique Kawaminami)
Fátima e álcool usado na distribuição de doações (Foto: Henrique Kawaminami)

As doações ajudam, mas ainda não atendem a demanda em tempos de pandemia. Chegam algumas máscaras, mas poucos produtos de limpeza e quase nenhum álcool em gel. O que tem, Fátima usa entre os voluntários que a auxiliam na divisão e entrega das doações.

“Aqui as condições já eram mínimas, aí piorou com a covid”, disse Fabiana. Ela conta que o auxílio emergencial veio para ajudar quem ficou sem trabalho, soma-se às doações, mas não completa o mês. Por isso, os cuidados sanitários acabam relegados em segundo plano. “A gente não vai deixar de comprar um leite para comprar álcool em gel, a criança não espera”.

Giuliano diz que as favelas vivem em realidade diferente daquela em que se é possível se respeitar o distanciamento social.

Ele fala com conhecimento de causa. Há uma semana foi liberado do isolamento, depois que apresentou sintomas da covid-19. Há cerca de 15 dias, a esposa foi ao mercado e poucos dias depois apresentou sintomas característicos da doença.

Na Favela do Mandela, barracos colados e ruas estreitas, a antítese do distanciamento sanitário (Foto: Henrique Kawaminami)
Na Favela do Mandela, barracos colados e ruas estreitas, a antítese do distanciamento sanitário (Foto: Henrique Kawaminami)

Vivendo em um barraco em que a cozinha e o quarto fazem parte da mesma peça e uma divisão foi improvisada para dar alguma privacidade à filha, que dorme na “sala”, o contágio foi praticamente imediato. “Eu peguei e minha filha também, um passou para o outro”. Giuliano apresentou os sintomas mais preocupantes, como dor de cabeça e falta de ar. Logo que a mulher ficou doente, foi ao posto e a família foi monitorada e orientada em ficar em isolamento.

Giuliano diz que não fez o exame, até porque não tinha como ir ao posto indicado por meio do Disk-covid para agendamento. (UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Coronel Antonino ou CRF Coophavilla). “A verdade é que gente não se sente protegido; se um pega, todos pegam”, disse.

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