Nos locais onde a despedida é eterna, luto não espera o feriado
Cemitérios da Capital registram poucas pessoas na véspera do feriado de finados, mas histórias do adeus preenchem todos os espaços
Nesta quinta-feira (2) o Brasil simboliza o luto por meio de um dos feriados mais tradicionais da cultura nacional: o dia de finados. Em Campo Grande, nos locais onde a despedida é sempre eterna, o movimento ainda é tímido, mas não as histórias. Um dos cemitérios mais conhecidos da cidade, o Cruzeiro, está preenchido por histórias de um adeus sem fim.
O silêncio em meio aos túmulos da região norte acompanha a vontade de dizer as palavras exatas, sem excesso. Por isso, durante esta tarde (1), as lápides guardam os corpos de quem, em parte, se foi. Mas ali, também, guarda-se as dores de quem fica.
Ela se foi quando nem podia vê-la, mas não a esqueci
Fablini Amante Ferreira, 37, é gerente comercial. O trabalho pragmático fica para trás nesta quarta. Há seis anos ela viu ir embora um amor que só teve tempo de olhar por três dias: a filha recém-nascida. "Não vou esquecer da minha Maria Cecília".
"Venho com a minha família todos os anos visitar no Cruzeiro. Não é por isso que vou esquecer dela".
Junto com ela, o filho de oito anos experimenta o ritual de luto na infância. Por isso a união também contempla a avó das crianças, Ermínia Amante Ferreira, aposentada de 76 anos. Hoje, a família realiza uma 'via crucis' e carrega sentimentos entre dois cemitérios. Ermínia, além da netinha despede-se do companheiro de vida no Santo Amaro.
Na outra ponta da cidade, o cuidado de despedir-se é diferente do cuidado dos túmulos. São desconhecidos os motivos que fizeram com que a ponte da lembrança fosse levada: roubaram a fotografia que ilustrava a lápide.
Eles se foram e o adeus foi grande
É grande o adeus da família de Sônia Inácia Diniz, aposentada, 58. Sônia, nesta tarde, cuida do luto por meio da criação: ao lado do sobrinho, mais calado, fazia pinturas nos túmulos e colocava flores nas lápides. Ali no Cruzeiro vivem parte da mãe, do pai e do marido. O adeus, ainda assim, tem mais uma linha, contínua, e a despedida é dividida com o sobrinho. O pai da criança também se foi.
A linha do despedir-se é contínua porque foi como se a vida quisesse levar tudo. Levou quem se ama, um atrás do outro. Quando a mãe se foi, o tempo ofereceu sete meses para o luto, e então veio o adeus ao marido. Dois meses depois do duplo despedir-se, foi o pai do sobrinho.
"A ferida ainda não se curou. Foi a união da nossa família que fez com que todos sentissem forças para superar esse momento", relatou.
Seis meses te amando dentro de quem eu já amava
A pensionista Sirlene Aparecida Oliveira Santos, 54, dava adeus ao neto de seis meses que ela pode tocar apenas por meio do filho que ajudou a criá-lo. O bebê nasceu prematuro e faleceu na terça-feira (31). O desperdi-se ali não tinha exaltação. A mãe da criança, cadeirante, conduzia um movimento simples. Transportar-se pela pelo luto e pelos túmulos é o guardar para si da dor de não ter podido amar quem se amou desde que o nome era apenas 'uma vida em mim'.
Compartilho para sobreviver ao adeus
Honora Cravina de Castro Pinheiro, 53, é dona de casa e também de um pedido incomum e compreensível. Há meses ela visita a mãe. Nesta tarde, no entanto, ela compartilha o adeus para sobreviver melhor ao luto, para sentir, com outros familiares, a despedida. Ela pediu a exumação para compartilhar os ossos e restos mortais com outras pessoas da família.
O compartilhamento do adeus, ali, não combina com o descaso de quem cuida do lugar onde despedir-se é um ato eterno. Falta manutenção onde guarda-se parte de quem se ama. "Hoje até que está bonito, mas há alguns meses vim e não estava assim. Imaginei que fosse chegar, que estaria limpo, mas estava largado".