Primeiro bairro pacificado pela PM, Vila Nhá-Nhá tem a “paz” da fronteira
Hoje, o mato ocupa o terreno onde funcionava a base da PM, enquanto a geografia das vielas guarda acordo tácito
De pronúncia sonora e origem pouco conhecida, a Vila Nhá-Nhá, na região do Piratininga, foi há oito anos o primeiro bairro pacificado de Campo Grande. Por lá e nas redondezas, em agosto de 2011, aportaram 300 policiais militares numa investida contra o tráfico de drogas.
Hoje, o mato ocupa o terreno onde funcionava a base da PM (Polícia Militar), enquanto a geografia das vielas guarda um acordo tácito entre os moradores e o tráfico que lembra a paz de cidades fronteiriças, onde resta o entendimento de que é só não mexer com “eles” que a vida segue em paz.
Nos muros do pequeno bairro - onde episódio de execução é comentado em monossílabos e as entrevistas são acompanhadas por muitos ouvidos-, se espalham menções a Deus e marcas de tiro.
Comerciantes relatam uma relação tranquila com “eles”, que, durante a madrugada passada na calçada, podem até cuidar da porta esquecida aberta num descuido. O favor terminou recompensado com latinhas de cerveja.
Episódio de violência só ganha resposta se o entrevistado não der nome nem sobrenome. Uma moradora conta que já viu cena de crime achava ser só na fronteira. Em 27 de dezembro do ano passado, um jovem foi morto na rua numa “chuva” de 22 tiros.
Helton Dutra foi alvo de pistoleiros encapuzados e o carro, possivelmente usado no crime, foi localizado perto da BR-262, na saída para Três Lagoas. A carcaça do Celta está desde então em frente à Depac Piratininga (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário).
O bairro já foi favela e os moradores mais antigos não se esquecem do “Dr Pedro”, no caso, o ex-governador Pedro Pedrossian, que “cortou” os lotes. No mais, predomina o desejo de distância dos políticos, cansados dos bueiros entupidos, falta de creche ou área de lazer para a gurizada.
Mato, pernilongos e “Dr Pedro” - Josué Teutônio, 50 anos, chegou à favela da Nhá-Nhá ainda criança. “Cheguei aos 7 anos e só saí daqui para ir trabalhar”, conta. Na lista de moradores das antigas também está Enedina Maria de Jesus dos Santos, 81 anos.
“Gosto daqui, acho que já me acostumei. Foi onde criei os meninos, filhos trabalhadores”, conta Enedina, mãe oito mulheres e sete homens.
Já as reclamações vão para os bueiros entupidos, que impossibilitam o escoamento da enxurrada e acaba entrando na casa pelos ralos, além de atrair os pernilongos. A situação mais reclamada é a da rua Trigueiro, onde os bueiros estão entupido até à superfície.
Dono de mercearia há 14 anos na Vila Nhá-Nhá, Luiz Carlos da Silva conta que nunca teve problema de ordem de segurança pública, como furto ou assalto. “Graças a Deus, em 14 anos, nunca ninguém pegou uma bala. Nunca tive problema. A questão é a infraestrutura”, diz o comerciante.
Ele pede melhoria na iluminação pública e uma destinação para o terreno onde funcionou a central da polícia durante a pacificação. O local tem mato alto, entulhos, uma pequena construção e uma placa de venda. Para Luiz, o poder público tem condições de assumir a posse do local e lhe dar uso em prol dos moradores.
“O bom é que é perto do Centro, hospital, faculdade, mercados grandes, shopping, posto de gasolina. E é um bairro pequeno, onde é fácil fazer amizade”, cita o comerciante sobre a lista de qualidades do bairro.
Três irmãs - A Vila Nhá-Nhá tem grafia e origem incertas. O fio da meada foi puxado pelo escritor Américo Calheiros.
“São informações bem superficiais. Eram três irmãs de uma família endinheirada. A Nhá-Nhá, a moreninha e a outra irmã não recordo o nome”, diz. Segundo Américo, a cidade vivia a década de 30 e “nhá” era um termo carinhoso, resquícios do Império.
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