Um dia após início de prioridade para crianças, adultos não conseguem consulta
Unidades de saúde têm usuários sem conseguir marcar consulta com clínico e mães reclamam da falta de pediatras
Mães que procuram atendimento nas unidades de saúde para as quais foi anunciado atendimento de médicos pediatras reclamam da falta do profissional especialista e atraso no atendimento. Funcionários informam que as crianças podem consultar com clínicos generalistas, que trabalham com saúde da família, o que vale para 3 das 15 unidades visitadas pela reportagem na manhã desta terça-feira (4), mas explicam que não se tratam de pediatras.
Os especialistas em saúde da família são profissionais que já fazem parte desse tipo de posto. De outra parte, abriu-se um novo problema, de adultos que não conseguem marcar consulta sob alegação de que o posto está priorizando as crianças.
Na segunda-feira (3), o secretário Municipal de Saúde, Sandro Benites, disse que 15 unidades básicas estavam com pediatras para atender sem agendamento e evitar que as crianças fossem levadas às UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), em função da epidemia do vírus sincicial respiratório e dengue, que causam superlotação na rede. Também informou que a prefeitura fará contratação de mais 30 leitos em hospitais.
No Jardim Noroeste, algumas moradoras também saem da USF (Unidade de Saúde da Família) sem agendamento para clínico geral. Elas contam que a informação é de que não estão sendo agendadas consultas com clínico geral para adultos, porque o posto está com alta demanda de crianças.
A auxiliar de limpeza Rosângela Barém, de 41 anos, conta que estava tentando consulta para a filha que está com bronquite asmática há um mês. Na segunda-feira (3), a menina de 9 anos foi atendida, porém com um clínico geral.
Primeiro fui à UPA (Unidade de Pronto Atendimento), há uma semana. Lá não fizeram exames e mandaram para cá, onde eu já estava tentando consulta desde o mês passado. É um descaso. Hoje, vim vacinar e esperei um tempão, só me vacinaram porque falei que ia embora sem vacinar. Quando venho consultar, tem que passar por enfermeiro primeiro que faz pouco caso. Nunca vi isso, ser consultado por enfermeiro primeiro”, reclama Rosângela.
Sem conseguir marcar consulta, a do lar Maria Aparecida Vital dos Santos, de 61 anos, diz que recepcionistas informaram que não é possível porque o posto está “lotado” no atendimento de crianças.
Minha mãe está adormecendo e já tive princípio de infarto. Estou tentando marcar consulta há quatro meses. Da outra vez falaram que o médico estava de férias e agora que não pode marcar porque o posto está lotado de crianças e é para eu voltar mês que vem para marcar. Como assim? É uma pouca vergonha”, conta Maria Aparecida.
Na USF do Jardim Itamaracá, o movimento é mais fraco. A recepção explica que não há pediatras, mas garante que a equipe é multiprofissional e não precisa de pediatra em casos de doença respiratória. O atendimento é imediato.
No Bairro Tiradentes, a USF também informa que não há pediatra, mas as crianças são atendidas de pronto por clínico da família e há no local, inclusive, teste de covid-19 para diagnóstico antes de passar pelo médico. Por lá, o atendimento vai até as 22h, conforme os atendentes, mas é preciso chegar até as 19h.
Especialistas em medicina da família - Questionada sobre o número de pediatras em atendimento, hoje (4), a Sesau voltou atrás e, por meio de nota, limitou-se a informar que “as unidades referenciadas contam com equipe multiprofissional, médicos generalistas e especialistas em medicina da família e comunidade aptos a fazer o atendimento de todas as faixas etárias”.
Cabe esclarecer que estas unidades receberão pacientes com quadro respiratório leve e de dengue, sem a necessidade de agendamento dentro do horário de funcionamento. Essa medida entrou em vigor nesta semana, desta forma, ainda não há como mensurar o quantitativo de atendimento”, diz a nota.
A Sesau não informou se consultas para adultos e outros atendimentos dessas unidades ficam suspensos ou alterados em função do atendimento às crianças.
Caos - A situação é classificada com um "caos" que "não é de agora", na avaliação do SinMed/MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul). O presidente do SinMed/MS, o médico Marcelo Santana, demonstra preocupação com as medidas adotadas, pois acredita que não são suficientes para resolver o problema e critica o anúncio de reforço de pediatras diante da constatação de que os especialistas não estão no atendimento.
"Para anunciar que um determinado local atende com especialistas pediatras, é preciso que este especialista atenda de fato, pois não é correto colocar qualquer outro médico para atendimento que não seja aquele anunciado como especialista (no caso, pediatra)", diz Marcelo.
Mais leitos - Marcelo reforça que 15 equipes médicas a mais podem ajudar, mas não vão resolver o problema atual, já que a dificuldade maior não é o acesso à saúde e sim o encaminhamento destes pacientes após este acesso, para instâncias de maior complexidade dentro do sistema de saúde (leitos hospitalares).
O presidente do sindicato pontua que nestes casos são extremamente necessários o aumento do número de leitos, tendo em vista que a demanda só tende a aumentar, visto a emergência de várias epidemias/pandemias nos últimos anos.
Marcelo destaca ainda que, devido ao grande potencial de crescimento econômico do estado de Mato Grosso do Sul nos próximos anos, a tendência é de um grande aumento populacional na Capital e no Estado, o que demonstra a necessidade iminente de se organizar um incremento da disponibilidade de vagas no setor público de saúde de Campo Grande
É muito importante contratar ou fazer parcerias com o serviço privado, para que seja ampliada esta oferta de leitos, emergencialmente, já que não há tempo hábil para se estruturar um serviço de saúde do zero no presente momento. Outra opção é decretar estado de emergência em saúde para que tenhamos um maior auxilio do Governo Federal, e também do Governo Estadual, tem que haver uma soma de esforços”, explica o presidente.
Com relação ao setor público, Marcelo explica que a Capital não tem gestão direta sobre os hospitais existentes. "A Santa Casa é um hospital privado e filantrópico, o HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul) é um hospital estadual e o HU (Hospital Universitário) um hospital escola federal. A governabilidade direta da gestão municipal fica bastante prejudicada. Há necessidade de estruturação de uma rede hospitalar que esteja sob jurisdição direta da Secretaria Municipal de Saúde”, diz.
O médico acrescenta que este é um problema que não surgiu agora, já acontece há muitos anos em nossa Capital. “Precisamos compreender que este caos não surgiu agora, isso já vem de muito tempo, porém se não for resolvido, o caos vai se tornar rotina e a situação cada vez mais calamitosa”, explica.