“Como isso dói”, dizem mães sobre exclusão de filhos autistas nas escolas
Situação é vivenciada tanto no interior quanto na capital de Mato Grosso do Sul
“Como isso dói. Toda vez ele é visto com um autista, não como uma criança. O autismo sempre está acima dele”. Essa é uma das falas de Silvia Vilalva Mercado, de 36 anos, mãe de Gabriel Vilalva, de 10. Os dois moram em Corumbá, município a 428 quilômetros de Campo Grande.
Há quase 6 anos, ela diz se revoltar com o tratamento oferecido ao filho nas escolas da cidade. Ao telefone, emocionada, Silvia relata a situação que presencia periodicamente desde 2017.
Desde os quatro anos Gabriel estuda na mesma escola. ”Ele não fala. Infelizmente, no primeiro dia de aula, ele estava inquieto e chorando. A diretora disse que esse tipo de criança não era pra estar ali. Naquele dia em diante, a minha vida dentro da instituição virou um verdadeiro inferno”.
Silvia revela à reportagem que tanto as professoras auxiliares quanto a diretora pediam que o filho fosse medicado constantemente. “Nesse período, estava investigando o autismo dele, ainda não tinha o laudo. Ela [diretora] sempre me cobrava, sabendo que ele ainda não tinha e perguntava o porquê dele não estava sendo medicado”.
Em 2019, quase dois anos depois, quando saiu o laudo de TEA (Transtorno do Espectro Autista) do menino e ele começou a ser medicado, a mãe conta que a direção passou a exigir que a dosagem fosse maior, pois, segundo eles, a criança não estava se adequando às normas da escola. Silvia acusa a unidade escolar por assédio moral, visto que era constrangida na frente de terceiros com a exposição preconceituosa sobre o transtorno do filho.
“Sempre perguntava na frente de qualquer pessoa se ele tinha sido medicado ‘Mãe, tem que aumentar a dose dele’. Seja quem fosse. Ao me ver, a escola sempre quis que ele fosse dopado. Em 2017, procurei o Ministério Público pra falar sobre isso. Em 2021, estive na procuradoria do município porque envolveram o nome do meu filho em um processo administrativo.”
O relato parece simples, trivial, mas para o coração de uma mãe que assiste ao filho ser excluído foi um golpe difícil.
A mãe revela que o primeiro episódio de tratamento diferenciado foi durante a pandemia de covid-19. As professoras mandavam diariamente a lista de alunos que iriam para a escola. A mãe conta que o nome de Gabriel aparecia sempre separado das outras crianças e destacado. “O nome do meu filho estava sempre separado dos demais, sublinhado”. Nesse momento, Silvia chora ao telefone.
Em outra ocasião, Silvia conta que a professora auxiliar enviou uma foto em que Gabriel aparece sentado, voltado para a parede. “Quando vi aquilo, nem acreditei que estava acontecendo isso. Outra coisa, falaram que na sala dele tem banheiro exclusivo pra ele. A diretora disse que era adaptado. Pra mim, uma forma covarde de excluir ele, de evitar o circular pela escola e até mesmo socializar com as outras crianças”.
Escola - Gabriel é gêmeo, a irmã também estuda na escola. Mais um motivo para Silvia não mudar o garoto de lá. “Não sou eu que sempre tem que ficar mudando de instituição, é um direito dele estudar onde ele quiser. Eles que tem que incluir. Falamos muito de inclusão, de direto, mas na prática não vivemos isso. Talvez alguém só sinta essa dor quando ela passar por isso”.
A mãe afirma que, apesar do transtorno, nunca trocou o filho de escola porque acredita que a inclusão adequada deve acontecer e que não é obrigada a mudá-lo de um lugar onde ele tem amigos.
“Ele tem uma rotina, ele gosta dos amiguinhos dele, eles são muito de rotina, qualquer tipo de alteração provoca muitas coisas nele. Tem dias que quando está doente ele gosta de ir, pega a mochila querendo ir pra escola”, pontua.
Esclarecimento - Procurada pelo Campo Grande News, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) de Corumbá disse que o caso é dado como encerrado. Confira a nota na íntegra.
“Na última quinta-feira (21), foi realizada mais uma reunião com a mãe, o advogado dela, os gestores da pasta e a equipe do Núcleo da Educação Especial, onde a responsável relatou que tudo estava transcorrendo normalmente na unidade de ensino.
Inclusive, uma ata foi assinada durante a reunião. A criança sempre foi atendida por um profissional de apoio e continuará sendo. Os fatos relatados pela mãe já foram avaliados pela Secretaria de Educação e até pelo Ministério Público Estadual”.
Campo Grande - Luciana Albuquerque, de 44 anos, tem uma filha de 9 anos. Ela também viveu na pele e exclusão da menina que tem síndrome de Down e TEA e hiperatividade. À reportagem Luciana fala que até para a festa junina a filha não foi convidada. Os relatos são referentes ao ano de 2022.
“Eu questionei a escola, porque não sabia que ia ter, ninguém chamou minha filha, não recebi nenhum recado. Como pode uma criança com deficiência ficar de fora. Aí a auxiliar falou e disse que não sabia e ia perguntar. Resumindo: a festa aconteceu e ela ficou de fora, não ensaiou pra festa.”
A mãe também acrescenta que a criança foi mal compreendida na escola. “Foram muitas reclamações na época. É uma coisa que me dói muito. Começaram a mandar minha filha embora mais cedo”. A menina estudou na escola por seis meses. “Eu sofri demais com essa indiferença com ela, tive taquicardias até".
A escola também alegou que a menina não estava se comportando, por isso ofereceram a Luciana o atendimento domiciliar. “Eu neguei, ela não é doente, não tem problema de mobilidade. Aí acabaram desistindo. Eu tirei ela da escola que ficava no bairro Guanandi”.
Depois de meses de revolta, Luciana enfim teve paz. Hoje, a menina estuda no Aero Rancho. Lugar onde ela foi devidamente acolhida e incluída.
“A escola não tenho o que reclamar, o pessoal acolheu muito bem, promoveram a inclusão dela, a equipe…ela ama a escola, os colegas. Ela ganha presente dos amigos, todo dia tem presente pra ela. Parece que a gente tem que passar por essa provação pra poder ficar bem", finaliza.