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Interior

Condomínio de luxo e até obra pública exploram trabalho de adolescentes

Crianças são exploradas em obras, lanchonetes, mecânicas e serviços de limpeza e chefe da Gerência do Trabalho diz que até pai pede autorização para o filho menor trabalhar

Helio de Freitas, de Dourados | 15/05/2015 15:34
Empresa de paisagismo contratou menores para plantio de grama em canteiros da Avenida Guaicurus (Foto: Eliel Oliveira)
Empresa de paisagismo contratou menores para plantio de grama em canteiros da Avenida Guaicurus (Foto: Eliel Oliveira)

A chefe da Gerência Regional do Trabalho Auzenir Jesus Caetano, alerta: o Brasil não vai conseguir cumprir a meta de erradicar toda e qualquer forma de trabalho infantil até 2020. O compromisso, firmado no ano passado durante conferência global, estabelece ainda a erradicação das piores formas de trabalho infantil até 2016.

Em Dourados, a 233 quilômetros de Campo Grande, falta pessoal para a fiscalização e falta principalmente responsabilidade de pais que permitem, e muitas vezes até incentivam o filho menor a trabalhar por achar que o trabalho é “melhor que a rua”, quando na verdade a criança deveria estar na escola.

O que tem de sobra na segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul é a ganância de empregadores que visam apenas vantagem financeira ao contratar uma criança e pagar para ela 30, 40 reais por semana, sem precisar bancar nenhum encargo trabalhista.

Números do Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil, do Ministério do Trabalho e Emprego, revelam que os casos de flagrantes de crianças trabalhando persistem em Dourados, principalmente em atividades noturnas – lanchonetes, restaurantes, bares e trailers de lanche.

Condomínio de luxo – Mas não são apenas estabelecimentos comerciais da periferia que exploram o trabalho infantil. Entre os vários casos flagrados, dois chamam a atenção: garotos trabalhando no plantio de grama no Ecoville Dourados Residence & Resort, um condomínio de luxo localizado na região norte da cidade, e na duplicação da Avenida Guaicurus, obra executada por empreiteiras contratadas pelo governo do Estado.

No dia 29 de outubro do ano passado, auditores foram ao condomínio, localizado a menos de dois mil metros da reserva indígena, e flagraram um menino índio de 14 anos trabalhando no local. A associação dos condôminos foi autuada pela infração e teve que pagar todos os direitos trabalhistas do menor.

Antonio Zeferino, um dos diretores do condomínio, informou ao Campo Grande News que o Ecovile contratou uma pessoa para fazer o paisagismo e esse prestador de serviço estaria com o menor “e nos causou esses problemas”. Zeferino pediu para a reportagem procurar o presidente do condomínio, mas ele não foi encontrado.

Obra pública – Recentemente, após denúncia feita por uma pessoa que passava pela rodovia, auditores do Ministério do Trabalho flagraram dois menores indígenas trabalhando no plantio de grama de um dos canteiros da Avenida Guaicurus. Um tinha 17 anos e o outro era menor de 16, mas segundo Auzenir Caetano, nenhum deveria estar trabalhando nesse tipo de serviço. “A lei até permite o trabalho de menor de 18 e maior de 16, mas não nessas condições”.

O relatório dos auditores ainda não foi entregue para a chefe da Gerência Regional, por isso não foi possível levantar mais informações sobre esse episódio, mas Auzenir diz que nesses casos o procedimento é o mesmo: a contratante é autuada e tem que pagar os direitos trabalhistas do adolescente.

A chefe da Gerência Regional do Trabalho em Dourados, Auzenir Caetano; sociedade não enxerga trabalho infantil (Foto: Eliel Oliveira)
A chefe da Gerência Regional do Trabalho em Dourados, Auzenir Caetano; sociedade não enxerga trabalho infantil (Foto: Eliel Oliveira)

Números preocupantes – Pesquisa feita pelo Campo Grande News no Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil comprova o aumento nos dois últimos anos de flagrantes de menores trabalhando, principalmente à noite e com menos idade ainda.

Os números são menores que de 2012, mas ainda preocupam. Outro fato alarmante é que em Dourados a fiscalização não é feita exclusivamente sobre o trabalho infantil e os casos registrados foram descobertos durante fiscalização de rotina.

Em 2012 foram encontrados 38 menores em situação de trabalho infantil, sendo 24 com idade de 10 a 15 anos e 14 com 16 ou 17 anos. Apenas um caso se tratava de atividade noturna.

Das 13 crianças encontradas trabalhando em 2013, dez estavam em atividades noturnas. No ano passado foram 16 flagrantes e apenas duas trabalhavam à noite. Em contrapartida, 13 delas tinham idade de entre 10 e 15 anos.

Os números deste ano ainda não foram lançados no sistema. Neste mês de maio os auditores estão concentrados em fiscalizar o trabalho infantil no ramo de alimentação. Segundo Auzenir Caetano, nas primeiras 40 empresas fiscalizadas foi encontrado apenas um menor, mas nas outras 30 seguintes havia três adolescentes trabalhando. A fiscalização continua e não existe previsão de quando os dados serão fechados.

“Filho de pobre” – A chefe da Gerência Regional do Trabalho afirma que ainda existe muita dificuldade para acabar com o trabalho infantil, por isso o prognóstico feito por ela e citado no início desta reportagem. “A sociedade não enxerga o trabalho infantil, porque quem trabalha é filho de pobre. O filho de família de classe média está estudando, fazendo curso de inglês enquanto o filho de pobre tem que trabalhar. Essa concorrência é muito desleal. Um tem todas as chances e o outro, nenhuma”.

Auzenir conta histórias de pais que procuram a Gerência Regional do Trabalho para pedir uma autorização para que o filho menor de 16 anos possa trabalhar. “Eles contam que não conseguem mais controlar o filho, que então é melhor ele trabalhar do que ficar na rua. São pais que querem transferir a responsabilidade do filho para um empregador. A melhor coisa é essa criança estar na escola e não trabalhando”.

Segundo ela, nestes casos o pai é orientado sobre a ilegalidade do trabalho infantil e recebe informações sobre programas governamentais de aprendizagem, que permitem ao adolescente, mesmo o menor de 16 anos, a trabalhar, desde que frequente um curso de capacitação e o ensino regular. O Ministério do Trabalho não tem poder para autorizar a criança a trabalhar e a decisão cabe ao Judiciário.

Vantagem financeira – Para Auzenir Caetano, por parte do empregador o motivo da contratação de crianças é apenas um: obter vantagem financeira. “Não podemos mais aceitar que isso seja falta de informação. É muito fácil contratar uma criança e pagar para ela 30, 40 reais por semana. Para um adolescente isso está muito bom e para o contratante melhor ainda porque essa contratação é ilegal, não precisa registrar carteira, nem pagar os encargos”.

“Sempre tem uma desculpa: o pai implorou para o empregador contratar o menor, ele estava lá só para aprender, mas no fundo não é nada disso e sim ter vantagem. Já o pai está transferindo a obrigação sobre o filho para o contratante e dividindo com o menor a responsabilidade do sustento da família”, afirmou a auditora.

Para mudar essa situação, segundo Auzenir, é preciso aumentar a fiscalização. “Só a autuação faz o empregador deixar de usar trabalho infantil. Não adianta fazer palestra ou qualquer outro tipo de orientação. Só quem já foi autuado deixa de contratar crianças”.

Condomínio de luxo também foi autuado por contratar adolescente de 14 anos; diretor culpa pessoa terceirizada para fazer jardinagem (Foto: Eliel Oliveira)
Condomínio de luxo também foi autuado por contratar adolescente de 14 anos; diretor culpa pessoa terceirizada para fazer jardinagem (Foto: Eliel Oliveira)
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