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Interior

Juiz manda PF “confinar” indígenas em área de propriedade ocupada

Magistrado federal também determinou destruição de barracos montados fora do espaço reservado

Por Helio de Freitas, de Dourados | 26/08/2024 15:51
Indígenas quando montavam barraco em uma das áreas de retomada em Douradina (Foto: Divulgação/Cimi)
Indígenas quando montavam barraco em uma das áreas de retomada em Douradina (Foto: Divulgação/Cimi)

O juiz federal Rubens Petrucci Junior, da 1ª Vara Federal em Dourados, revogou a liminar de reintegração de posse de uma das propriedades rurais ocupadas por indígenas no município de Douradina, palco de confrontos com produtores rurais e ataques armados.

Na mesma decisão, no entanto, o magistrado estipulou medidas cautelares a serem cumpridas pelos guarani-kaiowá, entre as quais o “confinamento” dos acampados em área a ser determinada pela Polícia Federal e a derrubada dos barracos existentes fora desse espaço.

Concedida pelo juiz de Dourados em 24 de julho, a reintegração de posse do Sítio José Dias Lima foi suspensa no dia 5 de agosto pela desembargadora federal Audrey Gasparini, do TR3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região). Na mesma decisão, ela determinou que o acampamento ficasse em uma pequena área da propriedade, que no total tem 147 hectares.

No dia 8, o advogado das proprietárias, Wellington Morais Salazar, propôs que o acampamento fosse transferido para uma porção de terra de 17 hectares, nos fundos do sítio, mas a proposta foi rejeitada pela comunidade indígena.

Na sexta-feira (23), embora tenha revogado a liminar de reintegração de posse, Rubens Petrucci Junior determinou cinco medidas cautelares a serem cumpridas pela comunidade indígena.

O juiz determinou delimitação de área adequada a ser reservada para a comunidade indígena, até decisão em sentido contrário ou julgamento final da ação. A escolha deve ser feita na presença obrigatória das lideranças, de representantes das proprietárias, do Ministério dos Povos Indígenas, da Funai e do Ministério Público Federal.

A delimitação será coordenada pela Polícia Federal, em data e hora a ser designada diretamente pelo órgão, “na maior brevidade possível”. Caberá à PF zelar pela efetivação da diligência, “bem como agir com devidas cautelas para garantir a segurança, preservação da integridade física e da vida de todos os envolvidos”.

Rubens Petrucci Junior determinou ainda que no Sítio José Dias Lima fica proibida a edificação de novas construções fora da área delimitada, assim como nas áreas vizinhas ao conflito.

Barracos - “Edificações indígenas já existentes no sítio, fora do perímetro delimitado, ou em áreas lindeiras, que impossibilitem ou sejam ameaça ao normal exercício do direito de propriedade pelas autoras, devem ser destruídas. Ficam autorizadas as forças de segurança pública a adotarem as providências necessárias para a imediata destruição ou demolição de referidas edificações”.

O magistrado continua: “em caso de desobediência, havendo novas edificações, ficam desde já as forças de segurança pública presentes no local, autorizadas a promover a imediata destruição, devendo tudo ficar registrado em vídeo”.

Em caso de impossibilidade de destruição imediata, determinou que a medida seja feita no tempo necessário, com planejamento. “Na medida do possível, os responsáveis devem ser devidamente identificados e suas identidades encaminhadas para as autoridades competentes, para apuração de eventuais crimes de desobediência”.

Outra determinação visa garantir a entrada dos atuais proprietários e arrendatários para cultivo de lavouras: “fica proibida a interferência em toda e qualquer atividade ordinária tanto na propriedade invadida (fora da área delimitada em que os indígenas estão autorizados a permanecer), assim como nas propriedades vizinhas. Em caso de interferência, ficam desde já as forças de segurança autorizadas a intervir e garantir o efetivo cumprimento desta decisão, sem prejuízo de responsabilização por crime de desobediência”.

Identificação e revista – Rubens Petrucci Junior determinou ainda que pessoas que desejem acessar a área do conflito deverão ser devidamente identificadas e revistadas, a critério das forças de segurança pública presentes no local, devendo ser apreendidos artefatos e outros petrechos que eventualmente possam vir a ser utilizados como arma em um eventual conflito.

“Pessoas encapuzadas, com máscaras e/ou com o rosto coberto de forma a impedir a sua identificação, devem ser instadas a apresentarem seus rostos, a fim de permitir a sua identificação. A recusa configurará desobediência à presente ordem e, por conseguinte, o cometimento do crime previsto no artigo 330 do Código Penal Brasileiro”, estipulou.

O juiz federal também proibiu a distribuição, na área de conflito, de materiais e instrumentos que fomentem a construção de novos barracos.

“Implementadas as medidas, com a urgência que o caso requer, ficará a cargo da Polícia Federal informar os limites/coordenadas do espaço no qual permanecerão os indígenas que não optarem por voluntariamente deixar o Sítio José Dias Lima e a identificação civil de todas as lideranças do movimento de retomada. Não sendo civilmente identificados, que sejam submetidos à identificação criminal”, afirmou.

Rubens Petrucci Junior atribuiu à Polícia Federal, com o auxílio da Força Nacional de Segurança Pública, o dever de fiscalização do cumprimento das cautelares, “reportando diretamente a este juízo quaisquer intercorrências, descumprimentos ou mesmo a necessidade de adaptações ante o surgimento de fatos novos”.

Tenda montada pela Força Nacional em área de conflito em Douradina (Foto: Direto das Ruas)
Tenda montada pela Força Nacional em área de conflito em Douradina (Foto: Direto das Ruas)

Entenda – O Sítio José Dias Lima é uma das sete propriedades de posse de produtores rurais ocupadas pelos indígenas nos últimos anos – quatro entre 2010 e 2022 e três em julho deste ano. Segundo os guarani-kaiowá, as áreas de posse dos sitiantes fazem parte do Território Panambi Lagoa Rica, de 12 mil hectares, identificado pela Funai em 2011. Entretanto, o processo de demarcação foi suspenso pela Justiça Federal.

Em julho deste ano, afirmando estarem cansados de esperar a demarcação, os indígenas retomaram as ocupações. Houve reação dos produtores, que montaram acampamento perto dos barracos indígenas.

Em pelo menos três ocasiões, os guarani-kaiowá denunciaram ataques armados promovidos pelos proprietários e seguranças privados contratados por eles. Ao menos 12 indígenas ficaram feridos, alguns deles com tiros de munição letal. Os sitiantes afirmam que dois apoiadores da resistência também ficaram feridos.

A Força Nacional de Segurança Pública montou acampamento no local para evitar novos ataques. O efetivo foi reforçado após a visita da ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara, no dia 6 deste mês.

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