Kaiowás que perderam casa sagrada insistem que incêndio foi criminoso
Boletim de ocorrência registrado por indígena da comunidade afirma que briga terminou em incêndio
A comunidade de indígenas guarani-kaiowá que vive no tekoha Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, a 163 km de Campo Grande, insiste que o incêndio que destruiu a casa de reza na madrugada do dia 1 foi criminoso. Boletim de ocorrência registrado por indígena da comunidade afirma que o fogo foi causado por briga entre vizinhos.
A área em questão é chamada de retomada pelos indígenas, pois é território ainda em litígio e não demarcado pelo governo federal, apesar de ser reivindicado como tradicional pelo grupo. Segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), o local foi ocupado em outubro de 2018, na sede da Fazenda Santo Antônio da Nova Esperança, sob a posse dos guarani-kaiowá desde 2007. A partir de então, índios e proprietários travam queda de braço na Justiça.
Lileia Pedro de Almeida, 31, vive no tekoha há 12 anos, local onde hoje vivem 80 pessoas. Ela conta que passava o réveillon na casa da mãe, mas a casa onde vive dentro da comunidade, fica a 10 metros da Casa de Reza. Ela afirma que não foi possível localizar quem teria iniciado o incêndio, mas acredita que foi criminoso.
“Foi bem no dia da virada do ano, meia noite, a gente estava na casa da minha mãe, passando a virada. Pensei que era a minha casa que estava queimando, quando a gente chegou a gente não viu ninguém, ninguém que pudesse apontar o dedo. A gente correu aqui para apagar o fogo, mas já estava alto”, disse.
Ela ainda relata a presença de dois jagunços armados no dia seguinte, por volta das 7h, que vasculharam as casas e ameaçaram as pessoas. “Foi horrível mesmo, eu fico triste, eu que consigo arame, prego, meu esposo conseguiu sapé, a minha família que estava construindo, era para gente terminar depois do dia 4, a gente colocou em plano para construir tudo de novo, aqui é tudo coletivo”, garante.
A estrutura, diz, é uma tentativa de fortalecer cosmologia tradicional entre os Kaiowá, que enxergam no espaço local sagrado para comunicação com as entidades tradicionais. A Casa já estava erguida com 15 metros de comprimento e 7 de largura. “Os meninos salvaram um pedaço”, comentou.
O incêndio, disse, foi apagado com uso de água do poço perfurado pelos indígenas e que abastece toda a comunidade, e cobertores molhados. O poço, contou, fica distante, aproximadamente, 300 metros da Casa de Reza.
“Várias vezes já aconteceu [ataques], agora já passou do pior”, disse Lileia.
Boletim de ocorrência – Boletim de ocorrência foi registrado pelo indígena Djalma Pedro, de 48 anos. À polícia ele contou que estava com familiares em uma festa com consumo de álcool.
Segundo ele, Mauricio Jorge Aquino, de 32 anos, genro da tia de Djalma, teria ateado fogo na própria cabana e acusou Djalma de ter sido o autor do incêndio. Djalma disse à polícia que não sabia o motivo do crime.
A indígena nega a história relatada por ele e afirma que Djalma é pastor evangélico e que, por isso, não aprova a Casa de Reza. “Ele estava contra a Casa de Reza, ele é pastor pentecostal, tem raiva da sua própria cultura, da crença, falam que a Casa de Reza faz mal para a comunidade, mas a nossa cultura ainda está viva, ainda está permanente”, disse ela.
Ela afirma que policiais civis e o delegado em Rio Brilhante estiveram no local, além da Polícia Federal e representante do MPF (Ministério Público Federal) , que os indígenas foram ouvidos e que a investigação agora está com a PF.
“Nós temos rezado para Nhanderu, rezamos para levantarmos de novo. Quando entra na Casa de Reza, tem que colocar urucum na cara. Tem que respeitar a cultura, foi com ritual que foi construído, vamos reconstruir de novo. A maioria das crianças tem que saber qual é sua cultura”, disse.
Além da Polícia Civil, o Minitério Público Federal também acredita que o fogo foi causado por uma das pessoas da comunidade. Em nota, o MPF comenta apenas que "quanto ao incidente em Laranjeira-Ñanderu, que resultou na queima da casa de reza da comunidade, investigação preliminar aponta conflito interno à própria comunidade".