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Interior

Prioridade em vacina, índios são alvos de ódio e chamados de "peste"

Com direito à imunização por serem do grupo de risco, índios foram chamados de “pestes”, “cachaceiros” e “bandidos”

Helio de Freitas, de Dourados | 19/01/2021 16:54
O cacique Catalino Aquino, primeiro índio vacinado em Dourados (Foto: Helio de Freitas)
O cacique Catalino Aquino, primeiro índio vacinado em Dourados (Foto: Helio de Freitas)

Os índios viraram alvos de discursos raivosos e ataques carregados de preconceito por serem incluídos nos grupos prioritários para a vacinação contra a covid-19. Em Dourados, a 233 km de Campo Grande, onde existe a mais populosa reserva indígena do País, as críticas de pessoas que se sentem menosprezadas foram parar na Polícia Federal.

A denúncia foi feita pelo promotor de Justiça João Linhares Júnior com base em comentários feitos em reportagem publicada pelo site Dourados News sobre a destinação de boa parte das primeiras doses à comunidade indígena.

As declarações, inseridas abaixo da matéria através da rede social Facebook, já foram excluídas, mas o promotor fez print das postagens e encaminhou para a delegacia da PF. “Isso mesmo, imuniza essa peste que não produz nada... bando de cachaceiro”, escreveu um internauta.

Internauta chamou índios de “pestes” e “cachaceiros” (Foto: Reprodução)
Internauta chamou índios de “pestes” e “cachaceiros” (Foto: Reprodução)

Outra afirmou: “eu acho um absurdo isso. Para nós que saímos todos os dias para trabalhar e produzir, pagamos impostos, temos que ser os últimos da fila. Agora, índio e bandido que só dão despesa têm que ser os primeiros. Isso é Brasil!”. Os nomes dos autores dos comentários foram borrados, mas aparecem nos prints encaminhados à Polícia Federal.

Comentário em reportagem sobre vacinação de índios gerou denúncia à PF (Foto: Reprodução)
Comentário em reportagem sobre vacinação de índios gerou denúncia à PF (Foto: Reprodução)

“Em Dourados, há várias aldeias indígenas com grupos muito vulneráveis à covid-19. Os indígenas estão entre aqueles que primeiro receberão a imunização, junto com profissionais da saúde e idosos. Contudo, algumas pessoas se indignaram e perpetraram discriminação nefasta contra os índios”, afirmou João Linhares Júnior, titular da 4ª Promotoria criminal.

Na condição de promotor de Justiça, Linhares Júnior encaminhou o material à Polícia Federal para apuração de discurso de ódio mediante a prática de racismo, crime previsto no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei n. 7.716/1989, cuja pena é de 2 a 5 anos e multa.

“Trata-se da discriminação de raça/etnia, por meio da internet. É importantíssimo inibir uma escalada desse tipo de comportamento deletério contra os hipossuficientes/vulneráveis que terão prioridade na vacinação”, declarou.

Segundo ele, os internautas promoveram depreciação étnico-racial de toda a comunidade indígena, “concedendo-lhe tratamento odioso, calcado na falsa premissa de que não mereceriam o mesmo status e proteção jurídica conferido a quaisquer outros brasileiros”.

Linhares Júnior lembra: “estão entre os primeiros a vacinar-se por conta da situação precária de higiene, aglomeração e miserabilidade das aldeias, bem como pelo alto índice de contaminação e de letalidade entre eles”.

Para o promotor, as pessoas podem debater os critérios de vacinação e até não concordar com eles. Entretanto, ninguém tem direito de depreciar, menosprezar, vilipendiar toda uma comunidade por sua origem étnica e cor da pele, tratando-a com inferioridade e desprezo. “O racismo, em todas as suas formas, revela a pequenez de quem o comete. Há que combatê-lo sempre”.

O promotor de Justiça João Linhares Júnior (Foto: O Progresso)
O promotor de Justiça João Linhares Júnior (Foto: O Progresso)

Prioridade – Das 29 mil doses da CoronaVac que chegaram hoje a Dourados, 22 mil irão para a reserva indígena, onde vivem 18 mil índios. Serão 11 mil vacinados, cada um com duas doses do imunizante chinês.

O primeiro a receber a vacina de forma simbólica nesta terçpa-feira (19) foi o cacique guarani Catalino Aquino, de 78 anos, morador na Aldeia Jaguapiru. Segundo a Saúde pública, todos os índios acima de 18 anos são considerados do grupo de risco.

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