Rezadeira, Sheila faz sopão para matar fome de crianças em aldeia
Líder espiritual reclama da falta de apoio e diz que sabe remédio contra covid
Lucila Guinche, 84 anos de idade, chamada desde criança pelo apelido de Sheila, é uma das líderes espirituais dos kaiowa da Aldeia Jaguapiru, a mais populosa de Dourados e onde vivem pelo menos 13 mil dos quase 20 mil habitantes da reserva federal.
Fiel às crenças indígenas e defensora do tratamento precoce contra a covid, mas com medicamentos naturais produzidos por ela própria, Sheila não esconde a tristeza por tantas mortes durante a pandemia e defende a vacina para salvar “os brasileiros”, como se refere à população “não índia”.
“Eu choro quando vejo tanta morte, morreram médicos, enfermeiros e agora estão morrendo pessoas mais novas. Nós índios já tomamos a vacina, mas os brancos ainda não tomaram e todo mundo precisa tomar”, disse ela.
Além de líder espiritual de boa parte dos kaiowa da Jaguapiru, Sheila faz trabalho social para amenizar a fome de seus “patrícios”. Toda quarta-feira, ela serve um sopão para pelo menos cem crianças.
Na semana passada, quando o Campo Grande News esteve na aldeia, o panelão já estava no fogo e a sopa seria servida às 11h. Ela serve a alimentação há mais de três décadas.
A rezadeira reclama da falta de apoio às comunidades indígenas, sente falta de uma panela maior para fazer arroz e lamenta não ter comida suficiente para distribuir aos vizinhos neste Dia do Índio.
Veja o vídeo com a entrevista de Lucila Guinche, a Sheila:
A líder rezadeira dos kaiowa diz que ela mesmo prepara remédio natural dado para as crianças no dia do sopão. “Está muito difícil, aqui na aldeia é o segundo ano que não tem aula. “Nós faz (sic) remédio para essa doença também, se procurar a gente, a gente faz na garrafa”, disse ela.
As “garrafadas”, como são chamados medicamentos caseiros feitos por benzedeiras e curandeiros, fazem parte da cultura dos índios e também de descendentes de paraguaios que vivem na região sul de Mato Grosso do Sul.
Mesmo triste com tantas mortes, Sheila pensa, mesmo com as medidas para conter aglomeração, fazer uma festa no dia 19, para comemorar o dia em homenagem aos povos indígenas.
“Nesse Dia do Índio, se a gente arrecadar comida, vamos fazer janta, fazer chicha [bebida artesanal feita com milho], fazer Jerosy [cerimônia de consagração do milho, para ter boa colheita], fazer batismo aqui na minha casa. Vamos rezar muito para acabar com essa doença”, afirmou a rezadeira.
Sheila lamenta a situação de miséria enfrentada por muitas famílias indígenas. “A pandemia piorou tudo, porque os índios não podem fazer diária. Se não tivesse essa doença, para todo canto tinha serviço para trabalhar, nem que fosse para ganhar 10 reais. Roubar que é feio. Nem nossa mandioca podemos vender porque fecharam tudo”, disse ela.
Em Dourados, a venda de mandioca e de milho pelos índios de porta em porta já é tradição. Muitas famílias, de carroça e de bicicleta, cortam a cidade para oferecer os produtos. “Por isso temos de rezar muito para acabar essa doença”, disse Lucila Guinche, a Sheila.