O Princípio da Legalidade no Direito Brasileiro
Ao contrário de outros países, em que decretos e demais atos administrativos podem ter força de leis, modificando-as, alterando-as, no Brasil, não há a possibilidade de o Poder Executivo (com exceção das medidas provisórias) proceder com alterações normativas bruscas, inovadoras, por meio de decretos, portarias, provimentos etc. Isso porque, entre nós, o princípio da legalidade detém status jurídico ligado, diretamente, à soberania estatal, no caso, identificado nos atos legislativos dos Parlamentos (federal, estaduais e municipais). Despiciendo descrever os diversos artigos da Constituição Federal que tratam do tema; basta referir ao princípio da legalidade, insculpido no artigo 37, “caput”.
Assim, apenas leis inovam na ordem jurídica; elas detêm a pujança para alterar situações jurídicas, observados os limites Constitucionais, como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Ou seja, somente leis trazem os requisitos para obtenção de direitos e o estabelecimento de deveres das pessoas. Os decretos das Chefias do Executivo (federal, estaduais e municipais) somente complementam as leis editadas pelo Poder Legislativo. Por isso, não podem extrapolar o teor destas; não podem ir além, ou aquém, dos ditames traçados pelo ato legislativo.
Dessa maneira, os decretos [atos administrativos], recentemente editados, visando regular a lei de porte de armas, ou mesmo para outras situações jurídicas, fincadas em leis, profligam, infelizmente, por caminho considerado ilegal, ou quiçá, inconstitucional. Pois, parecem extrapolar o ‘desejo do legislador’, contrariando o espírito, ou finalidade, da lei, bem assim de suas regras fundamentais.
Possivelmente, nesses casos, ter-se-á o Legislativo a sustar os atos [administrativos] do Executivo que exorbitem das leis, conforme permite a Constituição; ou, mesmo o Judiciário, nas ações propostas, estancar os excessos desses atos administrativos, fulminando-os, total, ou parcialmente.
Enfim, o regime democrático de Direito está umbilicalmente ligado à observância da legalidade [administrativa] e da separação dos Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), preconizadas, sobretudo, pelo Barão de Montesquieu, no século XVIII (De L’Esprit des Lois, Tome Premier, p.223, Jean de Bonnot, Paris, 1999).
A Constituição e as leis já conferem a segurança jurídica de que as pessoas tanto necessitam; longe de qualquer elemento ideológico, ou político, o fato é que o princípio do devido processo legal exige de todas as autoridades públicas, e de todos os cidadãos, respeito a esses dogmas, os quais constituem o alicerce da democracia.
Heraldo Garcia Vitta.
Advogado e Consultor Jurídico. Juiz Federal aposentado. Mestre e Doutor em Direito do Estado (PUC-SP).