"Cala a boca, mulher", o nascimento da misoginia
O primeiro caso registrado de um homem mandando uma mulher "calar a boca" e afirmando que a voz dela não deveria ser ouvida em público ocorreu no começo da "Odisseia", de Homero, há quase 3 mil anos. Tendemos a pensar, hoje, na "Odisseia" como a épica aventura de Ulisses voltando para casa depois da Guerra de Tróia. Poucos dão importância quando no texto diz que sua esposa, Penélope, o esperava, por décadas, sempre leal, repelindo os pretendentes que faziam pressão para se casar com ela.
A história de Telêmaco.
Qualquer mãe atual deveria repelir tentativas de chamar seu filho de Telêmaco. Esse é o nome do filho de Ulisses com Penélope. Homero conta seu amadurecimento, passando de menino a homem. Também conta o momento transcendental da misoginia. Quando Penélope desce de seus aposentos e vai ao salão de festas do palácio, onde um bardo se apresenta à multidão. Ele canta as dificuldades encontradas pelos heróis gregos ao voltarem para casa. A música não a agrada. Diante de todos, pede que escolha outro tema. Nesse momento, o jovem Telêmaco intervém: "Mãe - diz ele -, volte a teus aposentos e retome seu próprio trabalho, o tear e a roca.... Discursos - continua Telêmaco - são coisas de homens, e meu, mais que de qualquer outro, pois minha fala é o poder nesta casa". E lá se vai ela, de volta à solidão. Foi o primeiro "Cala boca, mulher".
O gineceu era uma prisão.
A esposa é representada na sociedade grega através do modelo idealizado da abelha-rainha. Atividade sexual bastante discreta, hostilidade aos odores que podem levar à sedução, fidelidade conjugal e nunca sair do gineceu, a parte da casa reservada para as mulheres. Elas não voam para fora da colmeia, salvo acompanhadas de todo o enxame. A exceção ficava por conta das "Thesmosphórias", festividade religiosa restrita às esposas. Viviam enclausuradas. Esse é o modelo de relacionamento que herdamos.
