Hereges. Cuba faliu, e um êxodo sem fim
Em Cuba, "estar herege" é viver em seu cotidiano impossível. É estar muito difícil, especialmente no aspecto político e econômico. Ali, tudo se trata e se resolve aos gritos, tudo range por causa da ferrugem e da umidade. Os velhos carros avançam entre as explosões e o ronco dos motores ou os longos bramidos das buzinas. Cada vendedor anuncia sua presença com um apito, um sino, uma corneta, um assovio, uma matraca, uma flauta de bambu. Ou um berro. Encalhei nesse lugar por um piscar de olhos. Hoje está pior.
Êxodo migratório sem precedentes.
O modelo, para muitos adeptos da esquerda brasileira, vive uma tragédia sem precedentes. Em outubro, foram capturados 1.100 "balseros", fugitivos de Havana para Miami. Conseguiram entrar nos EUA nesse mês 26.742 cubanos. No ano, foram 224.607. Se trata de 2% dos habitantes de Cuba e mais de 4% de sua população ativa. Os hereges, aqueles que se vão, são jovens. Muitos deles, com boa qualificação. Perderam as esperanças.
"Profe, esse se foi".
Um professor universitário retrata a situação: "Cada vez que passo a lista [de presença] há menos alunos e seus companheiros me dizem: profe, esse se foi, não diga mais seu nome". Em dois anos, Cuba perdeu algo como 30% de seus universitários.
Cuba, uma radiografia popular.
A radiografia do que está acontecendo em Cuba é horripilante: filas intermináveis, apagões de 12 horas ao dia, falta de água, desabastecimento feroz, inflação asfixiante, lixo sem recolher nas ruas por falta de combustível nos caminhões, horas de esperar na fila do ônibus que nunca chega pelo mesmo motivo, escassez de medicamentos, aumento de protestos nas ruas e gente que foge porque não aguenta mais e vende a casa com tudo dentro.
A safra açucareira está desaparecendo.
Esta é a mais profunda crise econômica vivida em Cuba desde a queda do muro de Berlim. Quase todos indicadores produtivos da ilha são negativos, mas o exemplo mais eloquente do descalabro estatal é a safra açucareira, que nos anos oitenta chegou aos oito milhões de toneladas anuais. Funcionavam, nessa época, mais de 150 usinas açucareiras, a metade foi desmantelada. Na safra passada só 36 usinas funcionaram, a colheita foi de tão somente 480 mil toneladas, a pior em um século. E tudo tende a piorar. Neste momento, só estão em funcionamento 23 usinas e a meta é produzir 450 mil toneladas. Mas não há chance de cumpri-la. Só conseguiram plantar 41% do pretendido. Nas cidades, a situação é igualmente catastrófica. Há 5.600 pequenas e médias empresas esperando, há dez anos, a ordem governamental para funcionar.