O truque do chocolate para nos escravizar e a mentira dos 70%
Pegue um pedaço de chocolate escuro e enfie na boca. Por alguns momentos, você sentirá seus cantos duros contra teu palato e tua língua, mas sentirá pouco seu sabor. É quase impossível resistir à vontade de dar uma mordida, mas tente não morder, assim conseguirá experimentar o que acontece: a massa vai se tornando, de repente, mole quando absorve o calor de tua língua. Quando essa massa for se tornando líquida, você notará que tua língua ficará mais fria, e, depois, uma combinação de sabores doces e amargos invadem tua boca. Eles são seguidos por sensações de frutas ou de nozes. Por um momento feliz, você será escravo do material mais delicioso que a química já criou na Terra.
O grande truque do chocolate.
O chocolate foi feito para se transformar em líquido assim que atingir tua boca. Esse truque é a culminação de centenas de anos de esforços químico-culinários, voltados inicialmente para criar uma bebida popular que visava competir com o chá e o café. Esse esforço foi um fracasso. Só resolveram bem a questão quando criaram as barras de chocolate. Em verdade, eles criaram uma bebida sólida. A indústria do chocolate nunca se arrependeu desse feito dificílimo. O que tornou isso possível foi o entendimento e o controle dos cristais - especificamente dos cristais de manteiga de cacau.
A maravilhosa manteiga de cacau.
A manteiga de cacau é uma das melhores gorduras no reino vegetal, lutando bravamente com a manteiga de laticínio e o azeite de oliva pela "pole position". E é tão ou mais cara que suas adversárias. Em sua forma pura, parece uma manteiga sem sal fina, e é a base não apenas para o chocolate mas também para cremes e loções faciais de luxo. Observe bem: luxo. Dentre outras muitas propriedades, a manteiga de cacau tem uma vida útil de anos, ao contrário da manteiga de laticínio que tem vida útil de poucas semanas.
O "estalo" do chocolate.
Há quatro tipos de chocolates, variando de acordo com seus cristais. Os de tipo I e II, como são chamados, são mecanicamente macios e bastante instáveis. Podem se transformar nos tipos III e IV, mais densos. Esses tipos III e IV são macios e quebradiços, e sempre causam "estalo" quando quebrados. Essa propriedade do estalo é fundamental porque acrescenta surpresa e drama à nossa experiência com o chocolate. Também permite que criem coberturas externas duras dentro das quais podem encapsular partes macias. O chocolate em barra é uma grande experiência química vitoriosa.
Não se engane com os 70%.
O chocolate negro normalmente contém 50% de gordura de cacau e 20% de pó da fruta de cacau. É o chamado 70% na embalagem. Quase todo o resto é açúcar. Trinta por cento de açúcar é muita coisa. É o equivalente a colocar uma colher de sopa cheia de açúcar na tua boca. Mesmo assim, o chocolate escuro não é totalmente doce, às vezes não é nada doce. Essa é outra jogada química para dar a impressão de que "aquela barra é totalmente feita de chocolate". Eles colocam cafeína e teobromina que são extremamente amargas e adstringes, ativando os receptores de gostos amargos e ácidos, para, em seguida, chegar ao gosto de açúcar. Também podem colocar sal, mas essa é outra história química.